Retrato dos tempos - Revista Esquinas

Retrato dos tempos

Por Beatriz Biasoto Giovanelli : dezembro 1, 2018

Foto por: Krista Mangulsone / Unsplash

A banda inglesa The 1975 lança seu terceiro álbum com críticas ao governo Trump e relatos pessoais

O dia 30 de novembro foi muito esperado pelos fãs da banda britânica The 1975. Dois anos após o lançamento do álbum I Like It When You Sleep, for You Are So Beautiful Yet So Unaware of It, o quarteto lança seu terceiro disco de estúdio. A Brief Inquiry into Online Relationships é uma carta aberta à modernidade e à juventude, sem identidade fixa e que alterna entre o turbilhão que tomou conta da vida do vocalista, Matt Healy, desde 2016 e uma reflexão a respeito do mundo atual.

Cena do clipe de Give Yourself a Try

“Você aprende algumas coisas ao chegar na minha idade”, diz Healy logo na segunda música do álbum, Give Yourself a Try, apesar de ter apenas 29 anos. O vocalista esteve em reabilitação no fim do ano passado devido ao vício em heroína e fala constantemente sobre como ele chegou ao ponto de perceber que fama e dinheiro não são suficientes para preencher a vida. A música fala também de Jane, uma fã que tirou sua vida aos 16 anos. Ela tinha um retângulo tatuado no pulso, símbolos presente na capa dos dois primeiros álbuns da banda.

A quinta música é Love It if We Made It, que oscila entre o protesto e a vontade de ver um futuro melhor. A faixa possui uma letra complexa e caótica ao mesmo. Logo no início, há uma referência ao movimento Black Lives Matter, que luta contra a violência sofrida por pessoas negras e motivado principalmente pela violência policial. Mais para frente, a música fala de Alan Kurdi, o menino sírio de três anos encontrado morto numa praia da Turquia e que virou símbolo da crise dos refugiados; da morte do rapper Lil Peep e até mesmo da frase que ficou famosa durante as manifestações estudantis na França em 1965, “a poesia está nas ruas”. O maior destaque vai para a crítica ao presidente Donald Trump quando Healy reproduz uma fala misógina do líder. “Eu seria censurado nas rádios por citar literalmente o presidente dos Estados Unidos”, comenta o cantor, já que ele não poderia usar a palavra “bitch” (vadia). “É uma realidade estranha”, completa.

Apesar da inconsistência ser a única certeza quando se fala em The 1975, a nona faixa The Man Who Married a Robot/Love Theme com certeza se destaca. Ela é narrada pela voz masculina da Siri e conta a história de um homem muito solitário cujo único amigo é a Internet. A amizade chega a parecer uma relação convencional entre duas pessoas quaisquer e é uma forte reflexão sobre a relação do homem com o universo digital e como é fácil perder-se dentro dele, esquecendo-se da realidade.

Já a vibrante It’s Not Living (If It’s Not With You) pode parecer uma canção de amor a princípio, mas é um relato de Healy e sua relação com as drogas que o fez passar sete semanas na clínica de reabilitação em Barbados no fim de 2017, interrompendo a gravação do álbum.

O fim do álbum se dá com a faixa I Always Wanna Die (Sometimes), com um tom melancólico e que remete ao passado do britpop.

A Brief Inquiry é caótico assim como a modernidade que ele representa. Acima de tudo, é sincero e se conecta à juventude e à era digital com perfeição. Se a total falta de coerência entre as músicas é um aspecto positivo ou não, depende do ponto de vista, mas é interessante e fora do comum.

Em relação ao futuro do quarteto britânico, ele já tem um quarto álbum programado, Notes on a Conditional Form, que promete ser mais intimista e diferente de tudo que a banda já produziu. A previsão de lançamento é para o próximo semestre, mesmo com a banda em turnê mundial — que passará pelo Brasil no palco do festival Lollapalooza, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Para Matt Healy, A Brief Inquiry é o fim de uma era. Então, quem sabe o que está por vir?