Muito além da manga com sal: conheça a história de Bruno Diferente - Revista Esquinas

Muito além da manga com sal: conheça a história de Bruno Diferente

Por Juliano Galisi : novembro 24, 2020

Com mais de de meio milhão de seguidores nas redes sociais, Bruno Diferente compartilha um dia a dia típico do Pará

Bruno Pereira da Silva, ou Bruno Diferente, gosta de manga verde com sal. Nas redes sociais ele acumula mais de 500 mil seguidores e é responsável por vídeos que conquistaram a internet pela simplicidade e simpatia.

 

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“Acordei por volta das 10 horas e vi que tinha fruto na mangueira do quintal de casa. É muito comum aqui no Pará que mulheres grávidas comam manga verde com sal, é considerado ‘desejo’.” Ele conta que o vídeo foi gravado no final de 2019, mas só viralizou com edições no começo de 2020.

Quem se diverte com os memes criados a partir de sua imagem, porém, nem imagina o que ele passou ao longo de seus 37 anos de vida como portador de displasia ectodérmica anidrótica, uma rara e incurável condição genética.

A doença

Seu cabelo e dentes jamais cresceram; a estatura também não se desenvolveu e sua pele possui aspectos de envelhecimento precoce. Todas as manifestações clínicas citadas são expressões comumente atribuídas à raríssima síndrome de Christ-Siemens-Touraine, ou também displasia ectodérmica anidrótica ou hipoidrótica.

Mesmo com sintomas aparentes desde a infância, o diagnóstico só foi realizado aos 22 anos, em 2006, pelo departamento de genética do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, ligado à pesquisa da Universidade Federal do Pará (UFPA). Além disso, Bruno também luta contra uma das condições da doença que se manifesta em seu organismo: a fragilidade óssea.

A displasia é incurável, mas ele aprendeu a lidar com as dificuldades impostas pelo distúrbio ao longo da vida, como as ofensas e discriminações por conta de sua aparência física. “Até os 20 anos, sofri muito com isso. Eu dava muita importância para o que falavam de mim. Me chamavam de ‘monstro’, ‘coisa ruim’ e eu ficava muito mal com aquilo. Com o tempo, aprendi a lidar com isso. Hoje, continuam a me chamar desses nomes, mas eu absorvo e não ligo mais.”

Mesmo alimentando um feed humilde e positivo nas redes sociais, ainda surgem mensagens ofensivas em relação à sua aparência. O próprio nome que adota na internet já demonstra que Bruno não tem vergonha de si mesmo. “Num mundo onde todos preferem ser iguais, eu prefiro ser diferente”, brinca.

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As raízes de Bruno

Natural de Curuçá, interior do Pará, Bruno nasceu em uma região da zona rural da cidade, conhecida como Colônia do Prauajó. Ele é um dos seis filhos de Maria Luiza Pereira da Silva e nunca conheceu seu pai biológico. Os irmãos – Idelberto, Robson, George, Laina e Sávio – foram criados separadamente e Bruno cresceu distante da mãe, quem lhe criou foi Cenira, sua avó materna.

Em Prauajó, viveu até os 13 anos de idade, dedicando-se na maior parte do tempo às atividades de subsistência, como agricultura e pesca. “Minha infância foi simples, mas muito divertida, tive bastante contato com a natureza. Costumava brincar passeando de canoa, pescando ou armando arapuca para caçar pássaro”, lembra Bruno.

Ele comenta de Cenira com muito carinho, mas destaca também o papel da tia Jacirema em sua formação, afinal foi ela que lhe introduziu aos estudos. “Quando eu tinha por volta de nove anos ia muito no quintal da tia Jaci jogar bola. Enquanto eu brincava, ela me perguntava algumas coisas. E foi assim que ela percebeu que, apesar de eu ser diferente, tinha a mesma capacidade que os outros para estudar.”

Diante disso, Jacirema, que era professora, incentivou a matrícula de Bruno na EMEF Professora Nazaré Duarte. Nesse primeiro momento estudar era extremamente difícil para ele. “A escola ficava a 4 km do Prauajó. Eu tinha que fazer o trajeto de ida e volta, totalizando 8 km diariamente.” Por sorte, quando Bruno tinha 13 anos, Jacirema recebeu uma proposta para lecionar numa escola da área urbana de Curuçá e o convidou para ir junto e morar com ela – ele aceitou de prontidão.

A partir desse momento, a vida de Bruno Diferente tornou-se muito instável. A casa de tia Jacirema foi apenas o primeiro dos muitos tetos que ele viria a habitar dali para frente. Cerca de dois anos depois da mudança para a zona urbana de Curuçá, Bruno foi morar com “Tininha” e “Cupim”, um casal de amigos que fez na cidade. Quando completou 18 anos, foi concluir o ensino fundamental em Belém e passou a morar com Laurinice, uma outra tia.

Mesmo estudando, o trabalho sempre o acompanhou. “Trabalhei desde a infância, ajudando minha avó na roça e na pesca. Quando fui para a cidade, atuei como ajudante de padeiro; padeiro; empacotador e pesador de supermercado; extrator de madeira e também capinava quintal. Fui sobrevivendo assim”, lembra.

Ele diz também já ter vendido muita coisa na rua, tais como “pão, chopp, picolé e pastel.” Bruno Diferente só parou de trabalhar quando conquistou o Benefício de Prestação Continuada (BPC), mas para isso precisou comprovar para o governo que era portador da displasia ectodérmica anidrótica.

A questão econômica de sua vida ficou mais tranquila com o abono do BPC, porém a passagem de lar em lar persistiu. Com isso, ele retornou para a cidade natal, Curuçá, para morar com seu amigo Naldo. Um tempo depois, comprou a casa em que reside hoje, numa zona conhecida como Vila de Araquaim, também na zona rural do município e a poucos quilômetros do Prauajó.

As redes sociais

Hoje, quem entra no Instagram, YouTube ou TikTok de Bruno se depara com ele compartilhando seu cotidiano: as publicações mostram passeios de barco pelo rio, almoços regados a açaí com camarão e paisagens típicas do norte.

A ideia original com a criação do perfil, entretanto, não era exatamente essa: “Tinha – e ainda tenho – um desejo muito grande de virar parlamentar para ajudar minha vila e meu estado”, conta.

As ambições políticas começaram em 2016, quando foi candidato a vereador em Curuçá e por muito pouco não foi eleito – hoje ele ocupa a primeira suplência para a Câmara Municipal. Em 2018 tentou o cargo de deputado estadual, mas também não conseguiu uma cadeira como parlamentar.

Desiludido com o processo eleitoral, presenciando muitos esquemas de compras de votos com os quais não poderia competir, ele passou a postar a vida nas redes e assim conquistou uma gama cada vez maior de seguidores. Seu grande salto foi com a publicação do vídeo em que fala sobre a manga verde com sal.

Depois desse vídeo, Bruno Diferente estrelou diversos outros: servindo vinho de cupuaçu, açaí, camarão, sucos de laranja e limão. Todos acumulando cada vez mais visualizações e consolidando a comunidade em torno do seu perfil, que se tornou um importante veículo de representatividade para portadores da displasia ectodérmica. “Essas pessoas não são respeitadas normalmente, pois nem todas conseguem a mesma visibilidade que atingi.”

 

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Apesar de toda essa confusão que é a vida do Bruno, o dia a dia real não se distingue muito do que é apresentado nas publicações: ele gosta muito de futebol, é apaixonado pelo Clube do Remo e ama estar com os irmãos. “[Estar com eles] é o melhor momento da minha vida”, declara. Ele também diz adorar conversar, seja com seus amigos pessoais ou com seus seguidores, e pescar.

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