Amador no Brasil, futebol americano luta para sobreviver à pandemia - Revista Esquinas

Amador no Brasil, futebol americano luta para sobreviver à pandemia

Por Giovani Danjo e João Pedro Conze : setembro 22, 2021

Foto: Dave Adamson/Unsplash

Dirigentes de clubes e federações narram drama de manter jogadores, financiamento e espírito do futebol americano durante a crise

2019 foi o ano do Rio Preto Weilers. A equipe de futebol americano de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, conquistou tudo que disputou: o Campeonato Paulista (SPFL – São Paulo Football League) no primeiro semestre do ano e a Segunda Divisão do Nacional (BFA – Brasil Futebol Americano) no segundo semestre. A equipe havia crescido ao ponto de se encontrar no auge e com expectativas ainda mais ambiciosas para os anos seguintes.

Visando a temporada de 2020, o time contou com 11 reforços vindo de fora do estado e até do exterior, como foi o caso do quarterback norte-americano Talon Roggasch. Os objetivos estabelecidos pelo elenco mostravam ainda mais esta ambição: queriam conquistar mais uma vez a SPFL e, no mínimo, alcançar os playoffs – a fase mata-mata – da primeira divisão da BFA.

No dia 28 de fevereiro de 2020, um evento no Estádio do Morumbi, promovido pela SPFL e que contou com a presença de todas as diretorias dos 30 times participantes, marcava a festa de lançamento do campeonato estadual, que começou no dia 7 de março. Nesta data, o Rio Preto Weilers venceu bem o Scelta Guardians por 23 a 0 na primeira rodada e se encaminhava para mais uma temporada emblemática. Mas, poucos meses depois, grande parte dos reforços foram embora, os campeonatos estavam cancelados, os objetivos do time mudaram e a equipe passou a lutar para sobreviver em meio a uma pandemia.

Futebol americano no Brasil: um crescente interrompida

Quem conta esta história é o atual presidente do clube, Wilmer Martinez, que assumiu a direção do time em setembro de 2020. Para ele, não só o Weilers, mas também o futebol americano como um todo estava em uma grande evolução no Brasil em 2019, com campeonatos nacional e estaduais bem estruturados e com transmissão em canais de televisão, como a Bandsports e a ESPN, além de ter sido um ano com muitas evoluções técnicas para atletas e equipes.

“A ideia era que 2020 seria o ano dos sonhos para o esporte”, conta Wilmer. No entanto, como o mundo todo vivenciou, foi um ano de retrocesso em vários aspectos por conta da pandemia da covid-19. Para o futebol americano, que é um esporte amador em um País dominado pelo futebol, o impacto imediato foi ainda mais significante.

Cristiane Kajiwara, presidente da Confederação Brasileira de Futebol Americano (CBFA), explica que a realidade financeira dos clubes, no momento, é bem delicada, justamente pelo aspecto amador do esporte no País e pela fonte de renda das equipes vir, em sua grande maioria, de jogos e eventos presenciais. “Alguns times buscam patrocínio e apoiadores, mas a grande maioria, hoje, no Brasil, sobrevive da própria mensalidade dos atletas, da bilheteria dos eventos e jogos”, explica a presidente. Com isso, muitos clubes vivem apenas do pagamento das mensalidades, o que se torna um problema, visto que muitos atletas não tiveram condições de permanecer em seus times durante a pandemia.

Wilmer afirma que muitas vezes um jogador, diretor ou treinador que perde o emprego ou alguém da família se encontra em uma situação dessas e, consequentemente, não tem como a pessoa priorizar o futebol americano. Quando conseguem investir na equipe e têm esta disposição, o pensamento já não é mais no competitivo, e sim, no organizacional.

Foco na organização, gestão e crescimento

Vendo por esse lado, muitos times evoluíram, consertaram problemas na gestão e foram atrás de benefícios para o esporte que passavam “despercebidos no dia-a-dia”, como descreve Cristiane. “[Muitos times] foram atrás de leis de incentivo ao esporte”, diz a presidente. Esse foi o caso dos Weilers. Wilmer conta que foi só na pandemia que o time conseguiu a sua inscrição para a lei, após mais de dois anos tentando.

Cristiane destaca ainda que muitos foram atrás de políticos para conseguir apoio do governo. Foi exatamente isso que a Federação Paulista de Futebol Americano (FEPAFA) fez nesta época de pandemia. Ricardo Augusto Trigo, presidente da federação e diretor da SPFL, investiu, com apoio do Deputado Federal Alexandre Frota (PSDB-SP), na construção do Complexo Educacional Esportivo de Futebol Americano, que já possui seu terreno na Penha e uma emenda de um milhão de reais.

A federação ainda busca mais cinco milhões de reais para a realização deste que será o primeiro complexo dedicado exclusivamente ao futebol americano no Brasil, mas presidente, otimista, afirma: “Vamos conseguir, com certeza”. Com o longo período sem jogos e treinos, a parte administrativa ganhou mais atenção e trouxe benefícios ao esporte em compensação aos malefícios técnicos e práticos em campo.

Alternativas para o futebol americano

Trigo, como é conhecido o presidente da federação, estava, já em 2019, programando o Campeonato Paulista de 2020, com o lançamento no Estádio do Morumbi, patrocínios assinados e todas as três divisões e partidas programadas. Com a chegada da covid-19, a competição parou depois de apenas uma rodada disputada. O que esperavam ser uma parada temporária e curta de apenas 15 dias se intensificou após a morte do atleta norte-americano AJ Flores, ex-jogador do Flamengo Imperadores e do Corinthians Steamrollers, aos 31 anos de idade. Após 50 dias, souberam que não voltariam a competir e, em setembro, era oficial que os torneios estavam cancelados pelo restante do ano de 2020.

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Com isso, algumas atividades alternativas foram estabelecidas, como transmissões e cursos online sobre técnicas e táticas do futebol americano e treinos em conjunto. Entre eles, o projeto Weilers Academy, que é comandado pelo treinador da equipe do Rio Preto Weilers, Alexandre Ribeiro, o Xandão.

Por parte da federação, campanhas de doação de sangue e de cestas básicas foram criados para promover e manter a comunidade do futebol americano no estado de São Paulo em movimento, porém, não houve muita adesão. No entanto, a empolgação cresceu com os campeonatos regionais de Madden – jogo de videogame da NFL, a principal liga do esporte americano.

Os campeonatos captaram a atenção dos amantes do esporte até seu fim, em agosto. A partir desse período, contudo, com a pandemia piorando, as equipes passaram a ter prejuízos ainda maiores e precisaram dispensar treinadores, jogadores internacionais e até mesmo a federação teve de dispensar vários funcionários. No geral, a SPFL deixou de movimentar cerca de 1,5 milhões de reais sem a arrecadação das equipes com vendas de ingressos e de souvenires, como camisas de time e produtos oficiais.

Além disso, muitos árbitros e jogadores mais veteranos, que perderam o ritmo ao longo deste período sem atividades, estão se aposentando. Ainda aguardando o fim da pandemia para ter uma completa noção dos danos causados aos times e às ligas com inúmeras dispensas, aposentadorias e crises, o presidente da SPFL acredita que o nível técnico e tático do esporte deve regredir para o posto que estava há cinco ou seis anos.

Perspectivas para o futuro

Mesmo assim, Trigo segue otimista quanto ao desenvolvimento do esporte amador. Ele diz confiar na CBFA sob o comando de Cristiane Kajiwara, alguém que ele considera muito trabalhadora e que conhece os caminhos do futebol americano. Com isso, o diretor espera que o esporte retorne ao grau no qual estava em 2019 dentro de dois ou três anos.

É exatamente isso que Wilmer Martinez e o Rio Preto Weilers esperam. Com a partida de muitos jogadores e membros da equipe, a queda na competitividade e no nível técnico do elenco é inegável. O presidente afirma que foi a primeira vez que os Weilers tiveram o luxo de contratar tantos atletas de fora da região, justamente pela eficiência do clube em 2019 que os colocou em um novo patamar dentro do cenário do futebol americano nacional.

Agora, sem esse privilégio, Wilmer segue planejando os próximos passos junto à equipe, algo que vem fazendo desde março do ano passado, sempre articulando os planos com as medidas adotadas pela Secretaria de Saúde. Até o momento em que o esporte volte com alguma normalidade, o foco de Wilmer segue sendo “manter o time em pé para quando voltar” e sempre pensando: “Como manter? Como não acabar?”.

Editado por Julia Queiroz.

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