"Não se aprende um idioma sem aprender a cultura": criadores do canal Pula Muralha educam sobre a China para além do mandarim - Revista Esquinas

“Não se aprende um idioma sem aprender a cultura”: criadores do canal Pula Muralha educam sobre a China para além do mandarim

Por Enzo Volpe : julho 27, 2021

Donos de dois canais no YouTube, Lucas Brand e Si Lao querem plantar uma semente da cultura chinesa no Brasil e desenvolveram curso autoguiado do idioma

“Chinês é difícil? Quer que desenhe?”. Essa foi a provocação que levou Si Lao e Lucas Brand, casal de empreendedores de 34 anos, a criar a Caixa Mágica de Chinês para o curso online de mandarim que eles idealizaram. Hoje, Si e Lucas têm dois canais no YouTube que somam mais de 800 mil inscritos, o Pula Muralha e o Clube de Chinês, também nome do curso. Nele, são mais de 6 mil alunos matriculados em quase 700 cidades brasileiras, mas a história dos dois já tem uma década.

História do casal Pula Muralha

Em 2011, Si veio para o Brasil como professora de mandarim, graduada em língua e literatura chinesa na Universidade de Hubei, em Wuhan, na China. Lucas, jornalista formado pela Cásper, estava trabalhando no Grupo Globo e tinha vontade de aprender um novo idioma. Na dúvida entre o árabe e o mandarim, a importância econômica pesou e ele optou pelo segundo. Quando aluno, ele conheceu Sisi, como a professora é chamada no canal. Os dois logo deram início a um relacionamento.

Mais tarde, Lucas conseguiu uma bolsa de estudos na China e o casal morou por quase um ano no país – ele trabalhava como freelancer e ela terminava seu mestrado em ensino de chinês para estrangeiros.

Canais no YouTube: Pula Muralha e Clube do Chinês

A volta para o Brasil foi um momento decisivo. Lucas, que passou a trabalhar no canal Manual do Mundo, apresentou o YouTube para Sisi, que ainda não conhecia a plataforma e, na época, estava lecionando mandarim em escolas de São Paulo. “Eu gravei um vídeo uma vez, ele gostou e me disse que eu tinha jeito com câmera, e eu pensei ‘Como? Onde?’”, conta ela, rindo. Foi o suficiente para que, no início de 2014, começasse o canal Pula Muralha.

A princípio, a professora ensinava uma palavra ou uma frase por vídeo, sem mostrar seu rosto. Conforme o público se afeiçoava, o casal notou que havia um grande interesse dos brasileiros em saber mais sobre a China, não só sobre o idioma.

Pula Muralha

Si e Lucas, donos do canal Pula Muralha, com vestes tradicionais chinesas
Acervo Pessoal

Lucas enfatiza que o conhecimento que o Brasil tem do país é desproporcional ao que a China tem do Brasil. “Hoje, não tem um correspondente brasileiro na Ásia especializado em China e tem mais de 50 chineses cobrindo Brasil e América Latina. Temos uma universidade, a USP, com graduação em Letras – Mandarim. A China tem mais de 50 universidades com graduação em Letras – Português”, afirma.

O Pula Muralha passou a tratar da China além do idioma e, no ano de criação, o objetivo original já foi alcançado: formar turmas online para aprender mandarim. Atualmente, pela variedade de temas abordados no canal principal, o casal sentiu necessidade de criar um segundo canal focado 100% no ensino do idioma. Assim, em 2019, surgiu o Clube de Chinês.

Caixa Mágica de Chinês

Ainda em 2014, Si e Lucas lançaram um financiamento coletivo no Catarse para um projeto chamado Caixa Mágica de Chinês. “Muita gente diz que é difícil aprender chinês e a gente responde ‘É difícil? Quer que desenhe?’”, explica o jornalista sobre a motivação da ideia. A Caixa Mágica consiste em 60 cartas que explicam diferentes ideogramas do mandarim, utilizando ilustrações para facilitar o entendimento.

A campanha no Catarse pedia, inicialmente, R$26.888 e arrecadou quase R$45.000. Os mais de 300 apoiadores do projeto opinavam nas ilustrações para que os desenvolvedores soubessem quais delas apresentavam o maior índice de compreensão. Lucas acredita que “isso é uma das coisas mais valiosas do financiamento coletivo. A gente não só vendeu a ideia, mas contou com ajuda para construí-la”.

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Depois do sucesso da Caixa Mágica, Lucas e Si tiveram outras conquistas importantes. No âmbito profissional, fizeram a tradução para chinês do desenho animado Galinha Pintadinha e o projeto foi vendido para a iQiyi, plataforma chinesa de streaming de vídeos.

Em 2016, o casal viajou para o país natal de Si. Lá, participaram da série de vídeos “Coisas que Nunca Comi na China”, produzida pela Tastemade Brasil. Nos 12 episódios, Otávio Albuquerque experimenta pratos distintos da culinária sínica, desde serpente e cérebro de porco até um banquete de casamento – mais especificamente, o casamento de Sisi e Lucas, que aconteceu na mesma viagem.

Cursos

Entretanto, a professora lembra que, “junto com a ideia da Caixa Mágica, a gente também vendeu a ideia do curso de chinês”. Depois da viagem, o foco se tornou elaborar aulas de mandarim que fornecessem independência no estudo para os alunos. “Como a gente vai fazer um curso em que as pessoas terão autonomia para aprender?”, questionou Sisi.

Apesar de considerar um desafio, ela diz que a contribuição do marido para a construção do método foi essencial, pois, como Lucas já havia estudado chinês, ele conhecia o ponto de vista de um aluno. Si explica que o modelo desenvolvido para o curso já sofreu diversas alterações desde a criação e, atualmente, traz curiosidades, cultura e outros elementos que tornam o processo de aprendizado mais leve. Segundo ela, “a pessoa consegue aprender sozinha com a nossa ajuda”.

Sisi também afirma que “você nunca vai aprender um idioma sem aprender a cultura. Ainda mais o chinês, que tem mais de 3 mil anos de história”. Ela considera importante que o Pula Muralha traga conteúdo de entretenimento, tecnologia e informação para se aliar ao aprendizado da língua.

Próximos passos do Pula Muralha

O primeiro curso, Chinês 1, tem mais de 150 vídeo-aulas e é baseado no Teste Oficial da Língua Chinesa, o HSK. Depois, o aluno pode avançar para o Chinês 2 e, em breve, poderá cursar o Chinês 3, que ainda está sendo desenvolvido. Nessa etapa, o nível é aquele requerido por universidades para cursar o mestrado na China. Lucas diz que a ideia do curso é “avançar ao máximo de forma autoguiada para que a pessoa tenha um nível legal de chinês caso queira estudar lá”.

Tendo ciência de que, para muitos alunos do Clube de Chinês, o próximo passo é estar na China, o casal sonha em poder levar os alunos para o país. Enquanto o projeto está em andamento, Lucas e Si já realizaram diversos encontros no bairro da Liberdade, em São Paulo, que reuniram inscritos de diversas partes do Brasil. Nos passeios, era possível experimentar comidas tradicionais, visitar templos e escolas de kung fu. Para Si, esses encontros são importantes para unir pessoas que têm gostos em comum como música ou entretenimento audiovisual chinês.

Lucas lembra que os vídeos produzidos na China para os canais são muito bem recebidos pelo público e o casal sente vontade de estar no país criando mais conteúdo mostrando diferentes elementos culturais e tradicionais. Eles também construíram um espaço pensado para receber alunos e inscritos em mais desses encontros quando for possível. “Nossa tendência é virar um grande antro de educação sobre a China, não só sobre o idioma”, projeta o jornalista.

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