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Por Lívia Marques Edição #66

As quatro estações

A vida. Se antes de nascer alguém tivesse me mostrado a sinopse dessa história, eu certamente desistiria logo no parto. Mas, é claro, ninguém te conta quão fácil é fracassar. Falam para você ir atrás dos seus sonhos e se dedicar muito, porque assim conseguirá o que quer. E você faz de tudo. E nada dá certo. E você continua. Quando percebe, já está como eu: exausto de passar os dias nessa cama branca e desconfortável, mais velho que a madeira da porta desse quarto. Aposentado e cansado de respirar pesado feito uma mula.

Lembro me claramente da minha infância.  Amava passar as férias em alguma praia do litoral de São Paulo, com areia amarelada e bitucas de cigarros alheios enfeitando. Me deliciava com um picolé de chocolate que derretia facilmente com o calor do verão escaldante e, depois, todo lambuzado, entrava no mar para me lavar. “Não passe daí! Se você se afogar, não irei salvá-lo!”, berrava minha mãe. Na época eu não entendia. Sabia que ela seria a primeira a ir atrás de mim. Mas, anos depois, a frase fez sentido: quando você está no fundo do poço e tudo está uma merda, ninguém vai te salvar. Bem, a presença da minha mãe fazia tudo parecer mais bonito, colorido por cores quentes e muito diferente do cinza frio do céu lá fora.

A adolescência é o momento em que desejos florescem. Aos 15, tive minha primeira namorada, a Malu. Durante três anos, fui capaz de ver flores nascerem em pleno outono e sentir o sol queimar no inverno abaixo de zero. Fomos extremamente felizes, até que a merda aconteceu: terminamos. Separados por um curso de Artes Plásticas em Santa Catarina que ela tanto almejara. Estava anunciado o fim das minhas primaveras.

Virei advogado e certo dia recebi um “parabéns!”. Fui aprovado no processo seletivo de um banco. Perfeito! Não tinha qualquer relação com minha formação, mas “tudo bem, é o seu primeiro emprego. Você encontrará algo na sua área!”.Contentei-me com esse trabalho que se tornou o único da minha vida. Até que, velho e com a saúde precária, já não era mais útil e fui desligado. Como uma folha murcha de outono que se solta da árvore, despenquei: de mal, fui a pior.

Estranho como passou tão rápido. Tudo que fiz me trouxe até aqui. Levei uma vida conformada e miserável. De merda. Não existe o “se empenhar”, o “correr atrás” ou, o melhor de todos: “esperar pelo momento certo”. Talvez devesse ter ido para o sul com Malu, formado uma família e montado um escritório para chamar de meu.

A frieza aumentou com a piora da saúde. Não havia mais tempo. Não, não há mais tempo. Resta olhar. Para trás, todas as estações. À frente, do outro lado da janela, um garoto. Destoava de minha estagnação repentina. Corria de lá para cá e, à sua volta, tudo parecia estar colorido, como em meus dias de verão. Transformara o frio em calor. Não há mais tempo. Eu completei as quatro estações da vida. Para ele, elas estão apenas começando.