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Por Edição #59

Sagrada Família

Influenciada por setores da Igreja Católica, Câmara de São Paulo derruba discussão de gênero na Educação

As discussões acerca o PME opõe ativistas

“Vocês querem falar de gênero, né? Então vamos lá”. Foi com essa pergunta que Ricardo Nunes, empresário, católico e vereador pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) mudou o rumo da entrevista que concedeu para a Revista Esquinas. Responsável pelo relatório da versão final do Plano Municipal de Educação (PME) da cidade de São Paulo, aprovado em agosto de 2015, Nunes defendeu, no plenário, a retirada do termo “gênero” do Plano, em todas as oito vezes que este aparecia.

O PME é uma legislação que deve estabelecer metas e diretrizes para a educação local, que, segundo a Constituição, abrange a responsabilidade por crianças entre um e 14 anos de idade. Após o Congresso Nacional aprovar o Plano Nacional de Educação (PNE), a discussão chegou aos municípios. Na Câmara Municipal de São Paulo, como em diversas cidades do estado, o assunto causou o envolvimento intenso de grupos religiosos e de movimentos feministas e LGBT com o debate sobre a inclusão ou não das discussões sobre gênero nas salas de aula paulistanas.

O Brasil é um Estado laico, mas, historicamente, sua democracia é perpassada por influências religiosas. Na década de 1960, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), organização católica da direita política, liderou a organização de protestos contra o então presidente João Goulart, acusado, em um contexto de Guerra Fria, de ser comunista. A manifestação mais forte que enfrentou, poucos dias antes do Golpe Militar de 1964, teve também um forte caráter de apelo à providência divina e o protagonismo da TFP: a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.

Além dos responsáveis pela votação do Plano, a galeria do plenário da Câmara contava com membros da organização e de outros grupos católicos, como a Renovação Carismática. Após uma tarde na Câmara Municipal, o comprometimento do vereador com os casos ficou explícito: no debate sobre gênero, demonstrou ter pesquisado a fundo antes de tomar uma posição frente um projeto de lei que tramitou durante cerca de dois meses. Embora não assuma ter ligação direta com a Igreja Católica, Nunes reproduz os valores cristãos em suas atitudes, a começar pelo seu gabinete, decorado com alguns terços e imagens de santos.

Questionado, diminuiu o papel da TFP em relação a esse caso: “Eles fizeram muito barulho, mas isso não influenciou, não vieram me procurar”. O vereador comentou que recebeu, em seu celular, mensagens do arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, apoiando sua atuação em pleno dia de votação definitiva e defendeu a atuação da Igreja Católica nesse ponto: “Dentro da Igreja há um núcleo muito preparado de pessoas que pesquisaram a questão”. E completa, atacando diretamente o movimento LGBT: “Pessoas que estudaram muito foram taxadas de preconceituosas, em um assunto que não tem nada a ver com preconceito, olha como é baixo o argumento do grupo LGBT”, afirma.

Na opinião do vereador Toninho Vespoli, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), relator do PME na Comissão de Educação, a inserção da temática do gênero visa a discussão em ambiente escolar sobre a igualdade entre homens e mulheres e o combate às descriminações por orientação sexual e identidade de gênero, principalmente para evitar o abandono dos estudos por parte de jovens vítimas desses preconceitos: “Em um mercado capitalista tão intenso, em que pessoas graduadas não conseguem emprego, imagina uma criança ou um adolescente que sofreu evasão escolar. Ver um homossexual na escola não pode, mas ver esse mesmo jovem — que se ausenta nas aulas — se prostituindo, a sociedade permite. Para mim, isso é hipocrisia”, critica.

Vivian Mendes, assessora da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, afirma que o objetivo em ser favorável à discussão deste projeto é de garantir que estereótipos de gênero, que reforcem a desigualdade entre homens e mulheres não sejam reproduzidos na sala de aula, ajudando as escolas a desconstruir estigmas e ideias que são culturalmente reproduzidas.

Na visão do vereador Ricardo Nunes, um tópico que prevê uma educação voltada à não discriminação seria mais do que o suficiente para promover a igualdade entre os sexos. Além disso, alega que a ação dos movimentos favoráveis a essa inclusão têm como objetivo a destruição da família tradicional, já que, em sua visão, “se uma pessoa continua favorável ao projeto mesmo depois de ter o conhecimento dele, só mostra que ela pode estar mal intencionada.”

Antes protagonista, a Igreja Católica perdeu espaço nas discussões políticas nacionais para a bancada evangélica, que liderou os confrontos contra votações de interesse da instituição, como a descriminalização de drogas e os direitos LGBT. No entanto, tem realizado movimentos recentes para recuperar essa posição, situação que Toninho Vespoli avalia com gravidade: “A Igreja Católica erra à medida que quer impor os seus valores para toda a sociedade”.

Nunes reforça que ser religioso é apenas um dos aspectos de sua vida e, a despeito da camiseta pendurada em seu gabinete com os dizeres “Mais Família”, usada pelos manifestantes contrários às discussões de gênero alega: “Vejo muita coragem da Igreja Católica em se opor ao terror que é essa ideologia de gênero”. A ideologia que o vereador critica é por, supostamente, causar a destruição da família e não levar em conta as particularidades biológicas de meninos e meninas no ambiente escolar.

“Mas não falem tanto dessa questão da Igreja, porque não se trata de religião, mas como alguém vai falar ‘não tem que dar carrinho para menino e boneca para menina? ’ Isso é errado? Quem tem filho não é a menina? É por isso que ela ganha uma boneca”, afirma. Ao fim de nossa entrevista o vereador se declarou um homem sem preconceitos: “Tem até um homossexual trabalhando na minha casa, o Dinho, que de noite é Dinha”. O vereador do PMDB defende a naturalidade de uma influência religiosa na política: “O Estado pode ser laico, mas não ateu.”