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Por Ully Nambu Edição #63

Os eleitores do mito

As dificuldades de realizar um diálogo político e preparar uma entrevista

Quinta-feira, 30 de novembro de 2017. Um lindo dia de sol e muito trabalho seguido de pendências da faculdade que me levam a dar uma pausa. Abro um portal de notícias, desses mais populares, e me deparo com notícias sobre o candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro.

São de cunho polêmico e indicam quão ofensivos são os ideais em relação às comunidades quilombolas do ex-membro do Partido Social Cristão (PSC), que se elegerá neste ano com a ajuda do Partido Social Liberal (PSL).

Não penso duas vezes e abro o Facebook para um pequeno protesto pessoal. Em vez de denunciar suas alegações e fazer um desabafo “à la textão”, sigo pelo lado reflexivo e faço uma pergunta aos meus colegas da rede social. “Como confiar no potencial de um candidato a Presidente da República que está há 26 anos no Congresso e não aprovou mais de dois projetos?”, digito. Em um primeiro momento, comentários que seguem a lógica da pergunta, muitos contra a figura política de Bolsonaro e risadas. E tudo se mantém na paz pelos meses seguintes.

Outra quinta-feira, 1º de março de 2018. As portas se abrem para um novo horizonte, aquele horizonte jornalista do qual sempre quis fazer parte. Decido que vou escrever uma reportagem sobre o perfil dos eleitores de Bolsonaro e vou atrás desse público. Mais uma vez, abro o Facebook, agora para entrar num grupo pró-Bolsonaro para uma pequena pesquisa. “Olá, boa tarde. Sou radialista aspirante a jornalista e estou escrevendo uma matéria para uma revista, onde analiso o perfil dos eleitores de Bolsonaro. Se houver alguém interessado, chame-me pelo inbox para conversarmos e, assim, explicar como funcionará a dinâmica”, escrevo e publico em seguida. Surge o primeiro comentário. “É esquerdista?”. Antes mesmo que eu pudesse responder, outro perfil responde no meu lugar. “É, sim, não confie nela”.

Fiquei surpresa. A primeira reação foi uma pergunta sobre meu viés político, o que nos leva a crer que, antes de qualquer diálogo, o primeiro quesito para ele acontecer são as crenças políticas. Isso se torna contraditório, uma vez que a ética jornalística não permite que pontos de vista sejam expostos em entrevistas e matérias.

Esse tipo de situação tem sido cada vez mais recorrente no âmbito político e social. O fanatismo está tão enraizado culturalmente que opiniões divergentes são motivos de briga e discussões, em vez de ser um incentivo para uma troca de conhecimento saudável. As ideologias têm passado por cima de qualquer ponto importante dentro da sociedade brasileira, dividindo-a em grupos aos quais os radicais se afiliam ou simplesmente repudiam.

Por meio da rotulação e da divisão de grupos, surgem os discursos de ódio. Enfaticamente encontrados nas falas de muitos políticos brasileiros, eles reforçam grandes problemas sociais que enfrentamos no Brasil contemporâneo. Vão contra os grupos LGBT+, feministas, negros, entre tantos outros que são minorias e passam a ser demonizados por ideias caluniosas que são disseminadas nos meios de comunicação de massa.

Por fim, gostaria de frisar o quão importante é esse tipo de situação, pois, como citei alguns parágrafos atrás, abre novos horizontes. Se não fosse pelo desconforto, jamais teria parado por um sequer minuto para pensar à respeito do ocorrido na tentativa de uma entrevista e, muito menos, escrito este artigo.