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Por Isabella von Haydin Edição #64

Pátria armada, Brasil

Debate sobre mudanças no Estatuto do Desarmamento inflama opiniões que podem afetar toda a sociedade brasileira

Diante da insegurança causada pelo aumento da violência no País, a sociedade busca novas formas de combatê-la. Entre elas, está o porte de armas. “Eu me sentiria mais seguro com uma arma. Mesmo que descarregada, assusta assaltantes, estupradores e outros” ou “Não dá mais para ser vítima de crimes e não poder fazer nada” são pensamentos comuns entre aqueles que são a favor do porte, como visto no discurso do atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, como proposta de segurança.

Hoje, pelo Estatuto do Desarmamento, é possível ter uma arma considerando diversos critérios ministrados pela Polícia Federal (PF). É importante compreender que porte é diferente de posse. A primeira categoria permite o trânsito com a arma, enquanto a segunda, apenas a compra. O longo processo exige a comprovação de que o porte é uma necessidade, como para habitantes de áreas isoladas ou pessoas que sofrem ameaças, por exemplo. Após essa constatação, é preciso ter no mínimo 25 anos, ocupação lícita, apresentar documentação em dia e ter a ficha limpa. Testes psicológicos e de capacidade técnica  também são requisitos, aplicados pela PF.

Em 2005, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, um plebiscito foi realizado para decidir se armas de fogo e munições seriam comercializadas em todo o território nacional. No resultado, 63,9% da população foi contrária à proibição. Desde 2017, o Senado tenta emplacar um novo plebiscito para reavaliar o Estatuto do Desarmamento, revendo o conceito em áreas rurais e a permissão do porte e posse para qualquer um que esteja dentro da lei.

Segundo a Constituição Federal de 1988, é dever do Estado proteger o cidadão. De acordo com Fernando Capano, professor da Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, e advogado especializado em Segurança Pública, possuir uma arma é um direito daqueles que desejam. “Na sociedade em que vivemos, não dá para pensar em legítima defesa se você não tiver a oportunidade de reagir em iguais condições a quem está eventualmente atentando contra sua vida ou sua propriedade”, afirma Capano. Para ele, isso deve ser feito de forma regularizada, como já acontece hoje, porém mais flexível e com a inserção de investigações sociais.

Em um País como o Brasil, discutir o porte de armas como uma resolução para a criminalidade é ignorar uma situação mais complexa: o tráfico de armamentos. A PF divulgou um estudo, no começo de 2018, que rastreou 9.879 armas apreendidas para analisar esse processo. As conclusões apontam que peças desmontadas, para despistar seu conteúdo, são enviadas dos EUA e, em seguida, já remontadas, transitam principalmente entre o Brasil e o Paraguai pelas mãos de traficantes. A mesma pesquisa aponta que 99% desse conteúdo entra no País por via terrestre. Com uma indústria que não rastreia seus produtos para comercializá-los mesmo com falhas, é fácil continuar com esses esquemas criminosos.

Natália Pollachi, relações internacionais e membra do instituto Sou da Paz, considera o atual estatuto ideal, mas também observa que apresenta suas falhas. Ela conta que os testes podem ser burlados por dependerem da honestidade de quem é avaliado, ainda que tenham sido feitos para evitar omissões e identificar características violentas e falta de controle emocional. “Neste momento de preocupação, as armas na mão da população parecem uma resposta imediata para todo o medo e frustração, mas é uma sensação falsa de segurança”, diz. A profissional julga importantes os estudos sobre o assunto, como o de Daniel Cerqueira, pesquisador e um dos coordenadores do Atlas da Violência de 2018, que conclui que o aumento de apenas 1% da circulação de armas reflete em 2% a mais nas taxas de homicídio.

No plano de governo de Bolsonaro, o presidente cita que pretende reformular o Estatuto do Desarmamento para que o brasileiro possa exercer seu direito à legítima defesa, porém não afirma se será uma de suas primeiras medidas. Além disso, congressistas aliados ao político já se reuniram e se mostraram a favor da agilização de medidas para alterar a legislação.