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Por Fernanda Iyeyasu e Heloísa Menegon Youssef Edição #63

O peso da balança midiática

Programas de TV espetaculizaram os corpos e prejudicam a saúde mental e física de pessoas gordas

“Eu assistia esses shows e pensava ‘é tão fácil. Se eu entrar nessa rotina direitinho, eu vou conseguir emagrecer e vou ser mais feliz’”, lembra Beatriz Pansani, estudante que perdeu 24 quilos e sempre lutou contra o próprio peso. A jovem já achou que emagrecer seria a solução de todos seus problemas e foi afetada pela imagem do corpo considerado “perfeito” que sempre é mostrada na mídia. Ela deu sua opinião sobre o reality show “The Biggest Loser”, um dos programas de emagrecimento mais famosos da televisão, estilo de atração em alta hoje. Eles reforçam o ideal de enfermidade e infelicidade de um corpo gordo e dramatizam a jornada da perda de peso.

De acordo com Vivyane Garbelini, Mestra em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, essa banalização do corpo presente nos lifestyle shows e nas redes sociais, principalmente por parte das influenciadoras fitness, tem consequências negativas na sua audiência. O público que assiste a esses programas se sente pressionado a ter um corpo considerado perfeito e se sente mal por ter um corpo gordo.

A imagem está relacionada à sociedade do espetáculo, conceito cunhado por Guy Debord em 1967, que Garbelini retoma em seu trabalho. Não há necessidade de vivência ou prática, tudo é a imagem: uma reprodução constante, sugestiva e persuasiva, na qual qualquer ocorrência, por mais cotidiana que seja, é uma grande odisseia. “Esses shows ridicularizam o corpo obeso, ele não está ali para ser celebrado. Está ali para ser criticado veementemente, e para ser mostrado que ele é ruim, errado, inferior e precisa mudar”, a pesquisadora acrescenta. A pessoa gorda será considerada uma vencedora quando perder seu peso.

Ao ser questionado sobre o ideal de saúde desses shows, para o nutrólogo Milver Paschoal, a perda de peso e a magreza não estão diretamente ligadas à saúde. “O corpo magro pode esconder diversas patologias e é necessário analisar a composição corporal e os hábitos de vida de cada indivíduo”, explica o médico. Ele reitera que esses shows como “Quilos Mortais” reforçam as dietas malucas, que podem afetar o organismo do indivíduo. Elas causam fraquezas, enjoos e queda da quantidade de minerais e vitaminas no corpo, já que há uma perda de peso muito rápida. Anna Beatriz Carneiro, blogueira que incentiva o body positive, diz ter escutado comentários assimilando seu sobrepeso a uma doença. Entretanto, a verdade é que ela é saudável. “A vida toda pratiquei esportes. Fui durante nove anos jogadora de vôlei. Hoje, faço academia funcional e pilates”, comenta a jovem.

Outro aspecto negligenciado pelos programas de emagrecimento acelerado é o chamado “efeito sanfona”, ou o fato de que a maioria dos participantes recuperam quase todo peso perdido e, às vezes, até mais do que antes. Kevin Hall, especialista em metabolismo do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais (NIDDK) dos Estados Unidos, acompanhou os “perdedores” da oitava temporada de “The Biggest Loser” por seis anos.

Segundo a pesquisa que ele realizou, iniciada em 2009, o metabolismo dos participantes do show diminuiu drasticamente e seus corpos não acompanhavam a nova realidade corporal, sem queimar as calorias adquiridas. E mais: já que a maioria dessas pessoas não pode pagar por um médico para acompanhar o andamento do corpo, muitas se frustram e ficam depressivas. Não há um acompanhamento psicológico adequado para esses indivíduos, não só nessas condições extremas, mas em qualquer situação de mudança de corpo.

“A pessoa se sente inadequada, não aceita, pode ter crises de ansiedade e se sentir constantemente infeliz”, aponta a psicóloga Marina Costa. Ela afirma que essas influências negativas podem gerar transtornos psicológicos, assim como a não aceitação do corpo. Alguns problemas que podem surgir são depressão, ansiedade, anorexia, bulimia e vigorexia.

Batalha pessoal

O maquiador, fotógrafo e ator Klewisson Linhares passou por uma situação complicada. Entre os 13 e 16 anos, o profissional tinha vergonha do corpo. Certo dia, foi ao clube da cidade para se divertir com os amigos e brincar na piscina. Na hora de entrar na água, lotada de banhistas, ficou aflito. “Tive que tirar a camiseta e deixá-la na mesa. No caminho, eu escutava as pessoas debochando de mim e do meu corpo, soltando piadas. A caminhada de 20 metros, parecia de 200 metros”, lembra com horror.

Pansani também recorda sua história, que traz alguns dos problemas citados por Costa. A jovem estudante teve bulimia dos 14 aos 16 anos, quando a mãe descobriu a doença. A partir de então, teve outras crises, controladas com a troca do remédio que toma religiosamente. Apesar disso, muitas vezes a garota comia até não aguentar, ia ao banheiro, engolia dois comprimidos de laxante de uma vez até passava mal. No próprio dia da entrevista, Pansani não quis comer algo no almoço. “Conto cada refeição como uma vitória”, relata. Sinal de que há um longo caminho para que as pessoas façam as pazes com os próprios corpos.