A sete dias da estreia da Copa do Mundo, aconteceu o lançamento do novo dossiê da Communicare, revista de artigos científicos da Faculdade Cásper Líbero
O evento foi promovido pelo Centro de Interdisciplinar de Pesquisa (CIP) e contou com mais de três horas de discussões que contemplaram acadêmicos, medalhões do jornalismo e comunicadores dente de leite.
A abertura da primeira mesa foi ministrada pelos editores do dossiê: Eric Carvalho, coordenador do CIP, Anderson Gurgel, jornalista, professor doutor em Comunicação e Semiótica e pesquisador sobre as relações entre comunicação, esporte e economia, e Ary Rocco, professor doutor da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo.
País do futebol
Paulo Calçade, professor, jornalista e comentarista esportivo, defendeu que a cobertura esportiva seja mais plural e alie espetáculo com conhecimento científico e o lado humano, tratando uma partida de futebol, por exemplo, tendo como base a análise do que ocorre dentro das quatro linhas, sem que fique de lado o esporte visto como paixão e entretenimento.
O jogo passa a ser objeto de estudo do jornalista, que, além de dominar as informações extracampo para uma cobertura, deve entender que, ao passo que a sociedade evolui e a ciência do esporte passa a ter mais recursos, o desporto em si ganha em qualidade no que diz respeito à coletividade, fisiologia, aspectos mentais e uso das análises obtidas para conseguir resultados satisfatórios no alto rendimento.
Com o auxílio da tecnologia, o conhecimento é disseminado mais facilmente, tornando factível que se discuta e aplique, com embasamento, novas metodologias de treinamento e formas de praticar o esporte. Para Calçade, uma vez que há evolução no jogo de futebol – o mesmo serve para outros esportes –, deve haver uma evolução na compreensão do jogo por parte de quem trabalha no meio. Segue-se acreditando, na grande imprensa e na sociedade de modo geral, que o esporte bretão é uma coisa fechada, que não mudou com o passar dos anos e, portanto, estudá-lo não é algo primordial, enquanto o pós-graduado em futebol pela Escola de Educação Física e Esporte da USP sustenta que o debate do que ocorre dentro das quatro linhas é “marginalizado” em detrimento do lado entretenimento.
A organização de megaeventos, carregada de interesses e frequentemente notabilizada pelos casos de corrupção, é duramente criticada do ponto de vista estrutural. O não-legado brasileiro da Copa do Mundo de futebol masculino, em 2014, e dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, em 2016, são usados como sustentação para o argumento. Atrasos e superfaturamento das obras mostram como a gestão da Federação Internacional de Futebol (FIFA) e do Comitê Olímpico Internacional (COI), ano após ano, se mostra ineficiente e indissociável aos casos de corrupção no esporte.
Erick Castelhero, editor executivo da Gazeta Esportiva e presidente da Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo (Aceesp), contou casos de sua carreira nas redações, como o jornalismo esportivo teve de se adaptar com o passar do tempo e o objetivo do jornalista de contar boas histórias e sair do lugar comum.
Pluralidade nos esportes
A última mesa ficou nas mãos de novos craques da Comunicação, que ganharam destaque nos últimos anos na televisão e na internet. Em mais um bate bola, a casperiana Lívia Laranjeira contou como ingressou no mundo do esporte – tão difícil para as mulheres – e como isso faz parte de sua vida. Seguida por Nagila Luz, colunista no Torcedores.com e na revista oficial do Santos, seu time de coração, disse que começou no mundo esportivo graças aos textos que escrevia sobre o Alvinegro Praiano. No bate-papo também estava presente o casperiano Sérgio Ornellas, jornalista e narrador que encorpa o time de talentos do Grupo Globo, é responsável por dar voz a esportes que nem sempre tem protagonismo nos veículos de comunicação. Por fim, Luana Maluf, blogueira do Uol e dona do canal “1×0 Feminino” no Youtube, relatou como é sua relação com os seguidores da internet e a experiência com o futebol. Maluf também é jogadora e embaixadora da Puma, em um projeto que incentiva mulheres a jogarem futebol e ocuparem o espaço que, desde sempre, foi destinado majoritariamente aos homens.
Com três mulheres no centro da palestra, não foi difícil para o machismo ser tratado. Laranjeira o vê em todos os lados, até nas redações, e contou como esse ambiente perpetua piadas e comentários que reforçam as dificuldades das jornalistas a trabalharem com esporte. A campanha “Deixa Ela Trabalhar”, iniciativa de 52 jornalistas esportivas que relataram os problemas desse ambiente, foi citada como uma das formas de incentivar que mulheres em formação na área não desistam de ocupar esses espaços.
Luz também pautou a necessidade imposta às mulheres para que provem seus conhecimentos futebolísticos. “Temos sempre que reforçar que sabemos”, ela comentou. Maluf frisou o quão comum é o comportamento machista nos estádios e como ele é naturalizado lá dentro. Para as duas, os comentários negativos são sempre de torcedores de times adversários, que utilizam o gênero como uma deficiência na hora de falar sobre futebol.
Discutindo machismo no ambiente esportivo e jornalístico, tratando de corrupção no esporte e tentando prever o futuro da cobertura de megaeventos esportivos, a discussão enriqueceu e abriu espaço para questionamento daqueles que estavam ali presentes. A questão era como achar a linha tênue entre o jornalismo e o entretenimento ao se falar de esporte.