Comunidade Cultural Quilombaque: conheça associação que preserva história da periferia de São Paulo - Revista Esquinas

Comunidade Cultural Quilombaque: conheça associação que preserva história da periferia de São Paulo

Por Giovanna Rodrigues : junho 10, 2024

“Nós usamos a arte e a cultura como forma de fazer política". Foto: Reprodução/Arquivos Quilombaque

Conheça a associação no bairro de Perus, que não apenas protege a história das periferias, como também tem suas bases na cultura negra

Localizada em Perus, bairro periférico de São Paulo, a Comunidade Cultural Quilombaque foi fundada em 2005. A associação se destaca como um ponto de resistência e resgate da cultura, especialmente em áreas periféricas onde essa herança muitas das vezes é negligenciada pelo estado.

A essência do Quilombaque está ligada aos tambores e à reverência aos seus antepassados, o que é refletido até mesmo em seu nome – uma combinação de ‘Quilo’ de Quilombo, e ‘Baque’, à batida.

O projeto teve início a partir de um grupo de amigos que se reuniam para ‘curtir um som’. Assim, os jovens fizeram um grupo de percussão na garagem de Cleiton Ferreira, conhecido como Fofão. Na época, com seus 20 anos, o jovem negro, junto com seus amigos, decidiu tomar a iniciativa de fundar um espaço cultural no bairro. Assim, ele se tornou um dos fundadores do Quilombaque.

À medida que o tempo foi passando, as reuniões foram crescendo, até que estabeleceram uma parceria com o coletivo de Hip Hop “FoneReps”. Essa colaboração permitiu que obtivessem autorização da prefeitura do bairro de Perus e uma estrutura adequada para o bloco de percussão “VAI” na comunidade. Anteriormente, a maioria dos instrumentos era emprestados ou reciclados. Atualmente Ferreira dedica todo o seu tempo para gerenciar a associação

A organização também tem como principal foco manter viva a memória da cultura negra nas periferias, além de trazer um fortalecimento da comunidade:

“Nós usamos a arte e a cultura como forma de fazer política e de criar um enfrentamento, aqui é um espaço de fortalecimento da nossa comunidade, porque a segurança pública está sempre atrás da gente”, diz Cleiton Ferreira, um dos fundadores da organização. 

Por ter se tornado esse símbolo de resistência negra, o Quilombaque também se tornou um lugar acolhedor para as pessoas negras. Tatiane Carvalho, de 23 anos, é uma jovem negra que mora no bairro de Perus desde pequena e recentemente começou a frequentar o Quilombaque. Ela afirma que se sente muito acolhida pela associação, “eu acho que foi um dos locais onde eu me senti mais inclusa de verdade, me senti muito acolhida, realmente fazendo parte. Acho que essa é a palavra”. 

Para preservar e promover a rica cultura presente na comunidade, o Quilombaque oferece uma variedade de oficinas e eventos centrados na herança afrodescendente. As oficinas abrangem desde atividades para o lazer, como capoeira e rodas de conversa com escritores negros, até formações técnicas, como culinária, técnico de som e iluminação, e produção de podcasts.

Além disso, a associação organiza uma série de eventos com o objetivo de celebrar e ampliar o entendimento da cultura negra. Destaca-se o circo Saruê, criado pelo Quilombaque há quatro anos, as apresentações acontecem anualmente no bairro durante o mês de agosto com uma programação que dura três dias.

 


Os espetáculos, voltados para a infância, é notável por um diferencial, os palhaços, em vez de apresentarem os tradicionais narizes vermelhos, optam por pintá-los de preto, uma iniciativa que visa fomentar discussões sobre a negritude. Outros eventos incluem o Jambaque, uma festa com apresentações de cantores negros, e o “FELA DAY NA KEBRADA”, uma celebração em homenagem ao multi-instrumentista nigeriano Fela Kuti e ao afrobeat.

Os eventos divulgados pela associação são muito bem aceitos pela população. Mesmo trazendo principalmente artistas negros que moram na comunidade ou nas redondezas, os moradores dizem gostar muito da iniciativa.

“Eu acho muito bom, porque acaba dando visibilidade e oportunidades, tanto para os artistas aqui do bairro quanto para os que estão crescendo. Nos eventos que eu fui, os artistas eram DJs e produtores do próprio bairro. Também acho essencial dar espaço para artistas negros, principalmente pelo nome do local, Quilombaque, que tem um significado forte de resistência. Por isso, acho essencial fazer eventos que convidem esses artistas”, afirma Tatiane.

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Outros projetos

A associação também tem dois grandes projetos nas regiões de Perus, Anhanguera e Jaraguá.

TICP – Território de Interesse da Cultura e da Paisagem: Esta proposta visa combater o impacto negativo da especulação imobiliária, que está em constante aumento na região e trazer o reconhecimento das periferias e promover o desenvolvimento econômico local, por meio de iniciativas educacionais, culturais e colaborativas. Além de preservar o que é reconhecido pela UNESCO como Reserva da Biosfera do Cinturão Verde.

Cleiton Ferreira explica: “Não podemos mais permitir que as pessoas da periferia tenham que sair daqui, para buscarem subempregos no centro.”Infelizmente, apesar de ter completado 10 anos, em 2024, o projeto ainda não saiu do papel.


O segundo projeto do Quilombaque tem um foco mais educativo e cultural. Esse projeto surgiu a partir da lógica de que, para se trazer reconhecimento para a região, é necessário conhecer a sua história. Por isso, houve a criação do museu a céu aberto, a partir de trilhas. O local recebeu o nome de “Museu Territorial de Interesse da Cultura e da Paisagem Tekoa Jopo’í”, que vem do guarani e significa Tekoa – território e Jopo’í – lógica econômica dos povos guaranis: “Quanto mais você doa mais prestígio você tem”.

O museu social é um conjunto de trilhas educacionais que o Quilombaque faz pelos pontos histórico das regiões, resgatando a sua história e divulgando as lutas que aconteceram naqueles territórios, ao total são sete trilhas:

-Trilha Jaraguá é Guarani: Essa trilha serve para entender a como se deu a presença dos povos guaranis em São Paulo, e para compreender a importância do Pico do Jaraguá para o desenvolvimento de São Paulo e do Brasil, sendo um dos pontos mais altos da capital, no passado foi moradia do escravocrata Afonso Sardinha no território.

-Trilha Ferrovia Perus – Pirapora: O Trem Maria Fumaça, com bitola de 60, foi inaugurado em 1914. No entanto, seu trajeto até Pirapora nunca foi concluído. Durante a trilha o grupo terá a oportunidade de conhecer a história e a importância desta ferrovia, especialmente para a chegada da Fábrica de Cimento Perus em São Paulo. Além disso, poderão explorar o Instituto de Ferrovia Perus-Pirapora, localizado no Parque Anhanguera, onde há um museu de trens aberto à visitação.

-Trilha Memória Queixadas: Nessa trilha, o grupo terá a oportunidade de visitar a primeira fábrica de cimento do Brasil, a Cimento Perus. Eles aprenderão sobre as batalhas travadas pelos sindicatos, uma vez que foi nessa fábrica que ocorreu uma greve histórica que durou 7 anos (1952-1969), tornando os trabalhadores conhecidos como “Os Queixadas”.

-Trilha Ditadura Nunca Mais: Com o objetivo de apoiar o trabalho de identificação das ossadas descobertas na vala clandestina do cemitério Dom Bosco, o grupo será imerso no cenário histórico e convidados a refletir sobre o período do regime militar no Brasil (1964-1984). A narrativa abordará questões sensíveis, como o Genocídio da Juventude Pobre Preta e Periférica, além da atuação dos esquadrões de extermínio nas periferias durante aquele período.

-Trilha Agroecológica Campo e Cidade – Movimento Sem Terra (MST): Essa trilha contará a trajetória e construção do primeiro assentamento do MST da cidade de São Paulo. O grupo irá aprender sobre as práticas agroecológicas e a educação ambiental da comunidade local. Além de entender a importância dessas práticas e porque é vital que esse movimento permaneça no local, para a preservação ambiental e o fortalecimento da comunidade.

-Trilha de Reapropriação e Ressignificação de Espaços Públicos: Os participantes terão a oportunidade de compreender os processos de ocupação e gestão cultural compartilhada para a ressignificação dos espaços públicos ocorridos no bairro de Perus.

– Trilha Perusferia Grafite Galeria de Arte de Rua: O percurso da história do Hip Hop será explorado com foco no Grafite como uma forma de arte e expressão de resistência. Os participantes serão guiados por diversas Galerias de Rua espalhadas pelo território, onde poderão apreciar e entender a importância do grafite na coloração e contextualização dos espaços públicos.

Mesmo tendo grandes projetos culturais em andamento, o Quilombaque continua sendo uma associação pequena. Acredita-se que, se eles recebessem mais apoio do governo, poderiam se tornar uma grandiosa organização de cultura nas periferias. De acordo com o seu fundador, o governo auxilia a associação através de editais públicos e emendas, entretanto a ajuda não é contínua, caso parem de lutar por seus direitos, a renda se torna inexistente, algo que felizmente nunca ocorreu.

Para o futuro, Ferreira expressa uma expectativa inspiradora de que existirá um “Quilombaque” em cada bairro, um espaço que não apenas promova a cultura, mas que a celebre como fundamento essencial nas comunidades.

Editado por Mariana Ribeiro

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