Da construção com blocos até pistas de skate nas Olimpíadas de Paris, engenheiro conta sua trajetória e relação com suas “obras”.
No final do mês de julho de 2024 a cidade de Paris mudou. Os ângulos retos e a estrutura rígida dos prédios centenários precisaram dividir o espaço com pistas de skate, uma quadra cheia de areia e uma série de edifícios modernos que seriam futuras casas de mais de 10 mil pessoas por algumas semanas. As Olimpíadas não só alteraram o curso da história da Cidade das Luzes, como também a dos atletas participantes.
Dentre eles, os skatistas, que por um curto período conseguiram chamar mais atenção do público para si do que para o maior símbolo da cidade, a Torre Eiffel.
O skate não é formado somente por seus competidores. Há algo fundamental para a realização do esporte: a pista. E o brasileiro Lucas Maloi sabe dessa importância, pois vive da construção delas.
No mesmo chão que milhões de brasileiros torceram para ver seus representantes brilharem com suas manobras está o suor de Lucas, engenheiro e gerente de obras na empresa especializada em pistas de skate Insane Ramps. Com apenas 30 anos, já viu o mundo inteiro – exceto a Oceania, como diz seu pai – e constrói não só o “palco” dos atletas, mas também o futuro do esporte. Baixinho, com braços fortes, barba, olhos profundos e focados, iguais aos de um gavião, ele recorda seu tempo entre os maiores atletas da modernidade.
“Todo mundo queria estar lá, era uma oportunidade única. Foi uma sensação incrível estar ali e saber que daqui há 50 anos eu ainda vou poder ver aquele projeto”.
Mesmo com esse grande feito, ele acredita que o auge de sua carreira ainda está por vir. A história de Lucas com a engenharia começou cedo. Ainda na infância, sua maior diversão era montar e desmontar construções com peças de LEGO e deixar a imaginação fluir. Com o passar dos anos, blocos de plástico foram substituídos por tijolos de argila e de repente se viu com a necessidade de encontrar um trabalho.
Muitos bancos se interessaram por ele e por seu pensamento pragmático, mas decidiu negar as ofertas.
“Nunca me vi trabalhando nesse território todo engomadinho. Quando recebi uma proposta do banco que meu pai trabalha, falei que não queria ser mais um”.
Mas foi no Natal de 2015 que Lucas aceitou a nova e mais atraente proposta. Após um ano de ser oficialmente fundada, o engenheiro se juntou à Insane Ramps, empresa fundada pelo primo, Daniel Oristiano, que sempre teve paixão por skates e pistas.
Desde que assumiu o cargo de planejamento, projetos e obras, ficou submerso no universo do skate. As grandes figuras inalcançáveis desse mundo passaram a fazer parte de sua rotina. Se aproximou de quem vemos nas telas, como Rayssa Leal e Kelvin Hoefler. Mas antes de chegar nas Olimpíadas, realizou obras importantes como as do Parque Vila Lobos e do Parque Chacal do Jockey. Durante a pandemia, devido à falta de oportunidades e todas as complicações que o vírus trouxe, a empresa teve que aceitar um contrato para construir um “brinquedão” para cães.
“Foi a primeira e única vez que a gente fez isso. Não é exatamente a área de atuação da empresa, mas nós temos as habilidades, as ferramentas e as pessoas que fazem esse serviço”. Lucas gosta de animais, mas prefere cuidar de pistas mesmo.
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Ele compara seu trabalho a uma forma de arte “É uma coisa que se assemelha muito a uma escultura, o pessoal não chega a pensar nisso, mas são técnicas parecidas”. Porém, a mão criadora também é a que destrói. Devido a duração das competições- que não costumam passar de alguns dias- as pistas são construídas para existir por aquele curto período e depois virar entulho. Com um aperto no coração e também na marreta, Lucas transforma sua “Vênus de Milo” em escombros e ruínas que serão futuramente recicladas. Durante seu tempo em Paris, entretanto, houve outro fator que trouxe sofrimento para o artista: a saudade.
A distância da sua família que mora no bairro do Sacomã em São Paulo, é capaz de trazer um gosto amargo na boca. O apoio dos pais, da namorada, do primo e do tio foram fundamentais para ele seguir o caminho escolhido. Os parentes, desde que Lucas se conhece por gente, nunca deixaram de incentivá-lo. De criança, quando não estranharam o pedido de uma serra circular como presente de aniversário, até hoje, quando viaja para outro continente deixando um lugar vazio na mesa do jantar.
Com aquele orgulho característico e até um tanto suspeito, Teresa Maloi, sua mãe, mostra a admiração pelo filho.
“Ele está em lugares que vão fazer dele parte da história, a gente vê que o menininho de 3 anos que queria todos os LEGOS do mundo, hoje está lá em cima. Não posso deixar de ficar feliz”.
A mãe não gosta muito é de ver os perigos da profissão do filho. A rotina desgastante o requer sempre no meio do campo de obras. Não só o dia a dia que, muitas vezes vai da madrugada até o entardecer, ele também faz parte dos projetos arriscados.
Na 13ª edição da Virada Esportiva em 2019, a Red Bull decidiu contratar a Insane Ramps para fazer uma rampa no topo da Ponte Estaiadinha, onde o skatista Sandro Dias iria fazer manobras. E lá, a mais de 50 metros de altura, Lucas esteve presente acompanhando tudo. Da montagem até o dia do evento. E conta que nem por um instante teve medo da situação. Ele tem medo é de outra coisa.
“O pessoal sempre me pergunta se eu curto andar de skate, né? Eu não ando porque eu tenho medo de acabar caindo e quebrando um braço ou uma perna”.
Até porque, o que seria do engenheiro sem suas mãos e pernas para construir o que são verdadeiros sonhos para muitos atletas. Quem sabe em outras vidas ele não seria uma fadinha do skate, ao invés de brilhar no backstage.