Medidas Anti-Trans: Trump avança com agenda contra minorias no esporte - Revista Esquinas

Medidas Anti-Trans: Trump avança com agenda contra minorias no esporte

Por Julia Galoro, Isabella Ladalardo, Júlia Barreira, Rafaela Mina, Juliana De Caprio e Alexandra Lopes : abril 9, 2025

Decisões de Trump focam em pessoas trans, mas podem afetar todos os atletas. Foto: Instagram/@asianiara_/Matias Santana

Exclusão e paranoia dão a tônica de novas leis assinadas pelo mandatário dos EUA, reacendendo discussão sobre atletas trans no mundo

Após ser reeleito presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump assinou uma série de medidas que revogaram as propostas assinadas pelo seu antecessor, Joe Biden. Uma das decisões mais controversas dessa abordagem foi a proibição da participação de mulheres trans em competições esportivas femininas.

Essa decisão tem gerado debates acalorados, com grupos denunciando a medida como transfóbica e outros defendendo critérios baseados no sexo biológico. 

Trump também afirmou que escolas e clubes esportivos que recebem financiamento federal e permitem a participação de mulheres trans em times femininos serão investigadas por possível violação do Título IX, uma lei que proíbe discriminação com base no sexo em programas educacionais financiados pelo governo, podendo perder o auxílio governamental. A equipe de investigação afirma que, assim, poderia “solucionar qualquer violação aos direitos civis das mulheres”, acreditando que atletas trans estariam “invadindo” espaços femininos.

No entanto, suas medidas impactam não somente as atletas trans norte-americanas, mas toda a comunidade transexual espalhada pelo mundo. Ásia Niara, de 27 anos, é uma atleta trans que até 2014 se dedicava ao atletismo profissional. Com títulos brasileiros, ela já participou da seleção brasileira de salto em altura e do GP internacional com o salto triplo.

“Eu sou muito grata ao esporte, foi graças a ele, que eu não fui pras ruas, não tive um fim, como de muitas outras.” Ainda acrescenta, “o esporte foi abrindo muito a minha mente, eu fui conhecendo outras culturas, outras pessoas, me entendendo mais… E aí depois da pandemia quando eu voltei, estava decidida em me aceitar e ser quem eu realmente era de dentro pra fora”.

O esporte, que poderia ser um local de acolhimento e refúgio em momentos de necessidade, passa a ser um ambiente hostil. “E se eu não me vejo representada, vai ser difícil eu querer estar naquele lugar. É disputa de interesse. Você quer estar onde ou você vê alguma representatividade, ou por interesse seu, você busca estar naquele lugar.”

Sobre os próximos jogos olímpicos que serão sediados na Califórnia, a atleta relata que com todas as medidas que Trump está tomando, todos os direitos conquistados pela comunidade transgênero desaparecerão diante dos retrocessos e ataques que ameaçam a igualdade e a inclusão. “Se não estivesse nada disso acontecendo eu acredito que para o próximo ciclo olímpico, talvez nós já teríamos uma luz.”

Ásia ainda explica que inicialmente o comitê mundial de atletismo (World Athletics) havia vetado a participação de mulheres trans em competições internacionais, pois ainda precisava de um acompanhamento mais rigoroso para que houvesse uma decisão final. Porém, quando um presidente com a influência como a que detém os Estados Unidos decide excluí-las de diversas esferas da sociedade, impede que haja qualquer tipo de avanço em relação aos estudos sobre o tema e auxilia na alienação da população sobre a transexualidade.

Os impactos ultrapassam as bolhas sociais criadas pela sociedade. O fato do presidente norte-americano estar disposto a retirar o financiamento federal daqueles que abrem portas para atletas trans, afeta o fomento ao esporte no país e na representatividade mundial.  

“As pessoas não entendem que não são só as atletas trans que serão prejudicadas. Qual escolha que resta pro pessoal que está atrás dessa instituição? Vai ter que tirar elas, porque se decidir bater de frente, e acredito que muitas farão isso, vão ficar sem recurso e prejudicando todo mundo.”

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O endocrinologista Leonardo Alvares, ao ser questionado sobre a diferença entre a força de mulheres cis e trans, alegou existirem estudos que afirmam trans serem mais fortes fisicamente em relação às cis. No entanto, outras pesquisas sugerem que existe um momento em que as forças ficarão equivalentes. Ele explica que essas divergências ocorrem devido a idade em que a atleta começou a hormonioterapia, o tempo de tratamento, a modalidade esportiva e se o estudo é feito em população geral ou atletas.  

Em relação ao discurso de Donald Trump, sobre os atletas trans, Leonardo afirma que do ponto de vista médico, o principal foco da atividade física é a promoção do bem estar físico e mental de todos os indivíduos, incluindo pessoas trans. Para ele, discutir se atletas trans e cis podem competir uns contra os outros, sobretudo no alto rendimento, é apenas a “ponta do iceberg”, e mesmo paradoxal, uma vez que sabidamente a população trans tem menor acesso à atividade física. Portanto, como pensar nessas pessoas no alto rendimento se mesmo em práticas escolares ou esporte recreativo, o início da vida esportiva de um ser humano, o acesso dessas pessoas é restrito?  

Ele também observa que a população trans representa cerca de 1-2% do total, com uma predominância de mulheres trans.  

Sobre a hormonização para pessoas trans, o doutor relata: Uma vez fazendo essa utilização de hormônios, essa pessoa vai ganhar características físicas daquele gênero ao longo dos 3 a 6 primeiros meses e as transformações podem demorar até 5 anos para acabar”. Ressalta ainda que o uso de hormônios deve ser mantido ao longo da vida.

Para jovens entre 16 e 18 anos, é imprescindível que tanto a pessoa quanto os responsáveis legais assinem o consentimento para a utilização desses hormônios. Após os 18 anos, apenas o próprio indivíduo precisa assinar um documento de consentimento. “Esse termo de consentimento é uma obrigatoriedade do nosso Conselho Federal de Medicina e solicitado pelas entidades mundiais que dão essas diretrizes, e está escrito ali sobre temas sensíveis. Por exemplo, a pessoa trans quando está fazendo o tratamento tem chances de diminuir a fertilidade, mesmo que depois ela pare de fazer uso de hormônios”.

Há, também, alguns efeitos colaterais. “Os homens trans têm mais acne e começam a criar calvície de padrão masculino. As mulheres trans perdem força e podem ter mais celulite também”.  

Assim, a pessoa que concorda está ciente tanto dos aspectos positivos quanto negativos. Durante o período entre os 10 e 16 anos, não é permitido administrar hormônios sexuais, portanto, utilizam-se bloqueadores hormonais que impedem o desenvolvimento da puberdade. A partir dos 16 anos, é permitido iniciar a terapia hormonal.                

“O bloqueio hormonal para adolescentes só pode ser feito em hospitais, escolas, mediante protocolo de pesquisa. Isso hoje não pode ser feito em consultórios médicos, tem que ter uma pesquisa dizendo os prós e contras, efeitos adversos. Nunca o médico está sozinho, na verdade sempre tem uma equipe multidisciplinar, cada um com sua importância ali.”                  

Ele explica que isso é feito com psicólogos e outros profissionais de saúde, já que a afirmação de gênero é um tema muito delicado.  

O caso da atleta Ásia Niara e a análise médica do endocrinologista Leonardo Alvares ressaltam a complexidade do tema, indicando que o debate deve considerar tanto os aspectos biológicos quanto os direitos humanos. Após medidas assinadas por Donald Trump, a discriminação tende a aumentar, uma vez que o presidente americano determinou que a definição de sexo no país será limitada a masculino e feminino e conforme a designação no nascimento. 

Além dessa ordem expor os jovens ao assédio e à discriminação, afeta a prática esportiva, que, para muitos, representa uma oportunidade de pertencimento, mas que, devido a políticas partidárias, torna a vida desse grupo ainda mais difícil. 

Ativistas e atletas como a entrevistada acreditam que o esporte é um dos principais meios para que pessoas trans não sejam marginalizados. Mesmo enfrentando questionamentos e preconceitos, ainda consideram esse um espaço de disputas de interesses e de luta pela representatividade.

Editado por Luca Uras

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