Nas redes sociais, promessas de dinheiro fácil chamam a atenção e levam muitas pessoas a cair em esquemas disfarçados de oportunidades.
Coaches vendem a fórmula do enriquecimento rápido por meio de vídeos e postagens nas redes sociais. Com títulos atrativos e uma abordagem sensacionalista, eles atraem um público vulnerável à ilusão de que qualquer um pode fazer seu primeiro milhão com facilidade.
Esses “gurus” exploram sonhos e inseguranças, fazendo com que muitos acreditem ser possível alcançar o mesmo sucesso que mostram na internet. No entanto, a realidade logo se impõe e, em vez de prosperidade, muitos descobrem que foram apenas vítimas de mais um golpe.
O verdadeiro golpe está na venda de cursos, livros e palestras promovidos por esses vendedores de promessas. Eles alegam ter conquistado riqueza por meio de investimentos, mas, na realidade, lucram explorando seu próprio público ao vender falsas promessas de sucesso.
Os Coaches
A palavra coach teve seu significado transformado ao longo dos séculos desde sua origem no século XVI. Inicialmente, surgiu no contexto das carruagens fabricadas na vila húngara de Kocs. Os ingleses, principais compradores das carruagens do povo kocsi, passaram a chamar o novo estilo de carruagem pelo nome desse povo, pronunciando errado como coach. Com o tempo, o termo passou a ser associado à palavra “carruagem”, reforçando a ideia de conduzir pessoas para frente.
Assim, no século XIX, o coaching ganhou outra representação com a relação entre professores e alunos mais velhos ao ter um papel de guia para a condução de um objetivo. Posteriormente, o termo ganhou novo significado com os esportistas, que o ressignificaram como uma ferramenta para manter o foco mental e, assim, aprimorar o desempenho físico.
A prática foi então incorporada ao universo dos grandes empresários e começou a ser aplicada no mundo dos negócios.
Com a chegada da internet, essa ideia teve seus ajustes, tornando-se o que é hoje. Nesse contexto, há diversas áreas na qual um coach pode se qualificar: coaching de autoajuda, voltado ao desenvolvimento da saúde física e mental; coaching ontológico, focado na imagem pessoal; coaching de inteligência emocional e estratégias sociais; o professional coaching, que busca potencializar a carreira profissional; e o life coaching, que possui o intuito de enriquecer e melhorar a vida em todos os aspectos do seu “pupilo”. Assim, se torna o mais impactante ao representar o período em que vivemos.
Uma faixa da sociedade pós-pandemia se viu em uma situação vulnerável por terem que parar suas vidas por quase dois anos. A busca e ansiedade por desenvolvimento, evolução e superação estiveram no seu auge. Além disso, as redes sociais desempenharam um papel fundamental em amplificar esse movimento, proporcionando uma exposição constante que favorece a comparação entre as vidas das pessoas.
Sendo assim, quem mais se afeta com a estratégia dos coachs não são o público-alvo, aqueles que buscam uma forma de se desenvolver, mas sim aqueles que precisam de medidas desesperadas. O grande problema é que a liberdade aplicada pela falta de uma regulação acaba inibindo quem a exerce da responsabilidade e por consequência, abre margem a pessoas leigas discursarem sobre os assuntos como profissionais. Isso tudo leva o público a acreditar em tudo aquilo que lhes é ofertado.
Desta maneira, acontece a venda de ideias equivocadas ou fraudulentas, por golpistas, como resultado da falta de uma fiscalização e regulamentação dos serviços aplicados.
As vítimas desses golpes seguem um padrão: todas enfrentam perdas financeiras e danos psicológicos. Um caso notável é o de Pablo Marçal, que em janeiro de 2022 liderou uma expedição ao Pico dos Marins. Trinta e duas pessoas foram resgatadas após enfrentarem condições climáticas extremas. Sem preparo adequado, os participantes acreditaram que correr riscos era parte do processo de superação, uma ideia promovida por Marçal, que colocou todos em perigo. Ele foi denunciado com base no artigo 132 do Código Penal, que classifica como crime expor a vida ou a saúde de alguém a risco direto e iminente.
Juliana C. da Costa Lima é coach de carreira e formada em Pedagogia pela PUC-Rio. Iniciou sua trajetória profissional como professora, mas logo migrou para a área de educação corporativa, atuando com treinamentos, processos seletivos, gestão de carreiras e programas de estágio e trainee. Após 12 anos de experiência no ambiente corporativo, percebeu que seus objetivos pessoais já não estavam alinhados com sua trajetória profissional e decidiu se especializar em coaching pelo Integrated Coaching Institute (ICI).
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Juliana possui suas três práticas de coaching, uma delas é o coaching executivo, onde trabalha com pessoas dentro de empresas para desenvolverem soft skills e habilidades socioemocionais. A segunda é o coaching de carreira para adultos que desejam mudar de área, mas não sabem por onde começar. Já a terceira prática também é focada em orientação de carreira, mas voltada para jovens do ensino médio que estão em dúvida sobre qual caminho profissional seguir.
“Em todos esses processos têm uma coisa em comum, que é o autoconhecimento. Você se permite a trabalhar em um autoconhecimento forte e o coaching de carreira auxilia nisso. Este último que eu mencionei dos jovens, existe a possibilidade de poder ajudar o jovem a conhecer os cursos, as grades curriculares, entender o que é o dia-a-dia das profissões. Então, esse trabalho ajuda muito.”
A abordagem que Juliana usa para atingir o seu público é diferente dos coachs que usam a fórmula do sucesso, sem o sensacionalismo e a ostentação, ela fala que obtêm seus clientes a partir do network e das indicações que seus clientes fazem.
“É a gente cuidar da nossa imagem, sabe? Nos envolver com gente boa. Então, é disso que nutrimos a nossa network. Conhecermos pessoas e participar ativamente no desenvolvimento delas, para que depois ela possa nos indicar”.
A coach enfatiza como a profissão é banalizada por aqueles que vendem cursos rápidos e fáceis, no entanto no final não formam um profissional. A falta de regulamentação acaba afetando também os profissionais éticos, enquanto aqueles antiéticos só ganham mais reconhecimento. Juliana aconselha como fugir desses falsos coaches.
“Essa é uma sugestão que a gente sempre faz: que as pessoas entendam de onde vem esse coach. Que formação ele tem? Qual o credenciamento dele? Quais certificações ele possui? Ele tem uma chancela de um instituto sério? Na verdade, muita gente acaba buscando e contratando pessoas que não sabem nem a origem delas e isso acaba atrapalhando muito. Mas é uma profissão muito séria. Que tem grande espaço. E a gente faz grandes transformações na vida das pessoas quando é feito de forma correta e séria.”
Era digital
Com a chegada da internet 2.0, entre o fim dos anos 1990 e o início dos 2000, a tecnologia passou a conectar pessoas com uma rapidez antes inimaginável — algo digno de ficção científica. Essa revolução impactou profundamente as relações humanas.
Pessoas separadas por continentes eram capazes de se comunicar através de seus computadores, utilizando sites e softwares como as redes sociais, que, naquele período, ainda estavam em sua “infância”. A interatividade a um nível pessoal, contudo, é apenas um de seus resultados, já que seu impacto no campo econômico também gerou grande reverberação.
Essa transformação tecnológica foi uma das maiores geradoras de riqueza ao longo de toda a história humana. Grandes nomes da indústria como: Mark Zuckerberg (Meta) e Jeff Bezos (Amazon), fizeram sua fortuna ao alavancar essa nova tecnologia, no campo das redes sociais e dos mercados virtuais, respectivamente. Contudo, o alcance por ela fornecido, assim como a facilidade de engajar potenciais clientes, fez com que muitos empreendedores ambiciosos alcançassem sucesso onde antes talvez encontrassem apenas frustrações, enriquecendo ao mesmo tempo que forneciam serviços de qualidade aos clientes.
De forma inevitável, junto desse mar de oportunidades que surgiu para aqueles genuinamente engajados em fornecer bens e serviços de forma séria no meio digital, oportunidades para estratégias moralmente questionáveis, ou até mesmo desonestas e criminosas, floresceram simultaneamente nesse ambiente cibernético.
É essencial distinguir entre os usos legítimos dessa ferramenta e os abusos cometidos por oportunistas digitais. Mesmo os métodos mais explorados por golpistas podem ter aplicações válidas quando usados de forma ética. Métodos como a venda de cursos ganharam uma infâmia considerável no conhecimento comum, devido ao fenômeno do “vendedor de curso que ensina a vender cursos”, ainda que, inerentemente, a venda de cursos não seja uma forma errada de se ganhar dinheiro.
A potência da internet 2.0, somada a outros fatores econômicos, como a inflação, que desvaloriza a reserva de capital das pessoas; a alta competitividade no mercado de trabalho, que dificulta muito a inserção de jovens quando comparado às gerações passadas; o advento da IA, que ameaça empregos e a perda do poder de compra da população em relação a alguns outros períodos; o Milagre Econômico onde se viu uma grande industrialização; o sucesso do Plano Real, que estabilizou a moeda nacional e o Boom das Commodities, faz com que indivíduos desonestos se aproveitem das fragilidades da atual conjuntura social e econômica para lucrar com a insegurança financeira de outros.
É preocupante que, atualmente, a perspectiva de um emprego estável tenha se tornado algo volátil e, para muitos brasileiros, um objetivo cada vez mais distante. Diante de um cenário em que qualquer escolha parece uma aposta, muitos acabam optando por aquilo que aparenta ser mais fácil e lucrativo. Isso se traduz, por exemplo, em jogos de azar, como o “tigrinho”, ou em promessas ilusórias de enriquecimento rápido e vida de luxo da noite para o dia.
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O lado psicológico
A psicóloga Tamiris Salles Toledo, formada há dez anos e especialista em Gestalt-terapia e suicidologia, explica que pessoas que enfrentam instabilidade financeira costumam ser suscetíveis a promessas de enriquecimento rápido. Segundo ela, esse tipo de condição pode fragilizar o senso crítico e aumentar a esperança em soluções imediatas para sair de situações difíceis.
“Pessoas em situação de vulnerabilidade econômica tendem a ter suas necessidades básicas negligenciadas. Essa condição aumenta a suscetibilidade a discursos imediatistas que prometem resolver todos os problemas de forma rápida e simplificada — seja por meio de um jogo, de uma fórmula mágica ou de um clique.”
No entanto, Tamiris ressalta que é fundamental analisar o contexto sem generalizar: “A vulnerabilidade não está apenas ligada à condição econômica, mas também a fatores como a qualidade da educação e o ambiente familiar”. Se um indivíduo cresce em um meio que valoriza a educação, promove o pensamento crítico e incentiva o autoconhecimento, ele desenvolve mais ferramentas para reconhecer e evitar golpes. Por outro lado, quando há uma supervalorização de bens materiais, cria-se uma necessidade constante de consumo, tornando a pessoa mais suscetível a promessas de dinheiro fácil.
No Brasil, a educação muitas vezes não consegue suprir essas necessidades, o que contribui para a manutenção da vulnerabilidade econômica e social de grande parte da população.
A psicóloga destaca que pré-adolescentes e adolescentes são especialmente vulneráveis ao mito do enriquecimento fácil. Sempre conectados às redes sociais, eles são bombardeados por discursos sedutores sobre dinheiro rápido, mas ainda não têm maturidade suficiente para questionar ou verificar se essas promessas são reais.
Já os adultos e idosos, embora tenham maturidade de vida, muitas vezes não estão habituados às dinâmicas do ambiente digital, tornando-se alvos fáceis para golpes online. Assim como a classe social influencia na vulnerabilidade, a idade também desempenha um papel importante. O impacto varia conforme o contexto em que o indivíduo está inserido e as oportunidades que teve de desenvolver pensamento crítico.
Entre as características predominantes em pessoas que caem nesses golpes, destacam-se a impulsividade e a carência emocional. Tamiris observa que esses traços podem estar associados a alguns transtornos, como bipolaridade e borderline, mas alerta sobre o perigo das rotulações precipitadas.
“O ponto em comum entre essas vítimas é a tentativa de preencher lacunas em suas vidas, o que as torna mais vulneráveis a promessas ilusórias.”
Para reduzir essa vulnerabilidade, o autoconhecimento e a autorregulação emocional são ferramentas essenciais. Quem compreende suas próprias necessidades e desenvolve um senso crítico mais apurado tem menos chances de ser enganado.
Sobre aqueles que disseminam esses discursos enganosos, a psicóloga explica que essas pessoas enxergam o outro como um meio para alcançar seus próprios objetivos. Essa atitude pode estar relacionada a um estado de desconexão com o meio e a uma redução da empatia.
“Muitas vezes, a pessoa que aplica o golpe não acredita estar fazendo mal. Ela constrói uma justificativa psíquica para suas ações, convencendo-se de que essa é a única alternativa que possui para minimizar sua própria angústia. Algumas condições psicológicas podem influenciar essa postura, tornando-a menos flexível emocionalmente e incapaz de enxergar outros caminhos.”
No entanto, isso não significa necessariamente que essas pessoas sejam desprovidas de sentimentos. Como ressalta Tamiris, em alguns casos, o problema não é a ausência de emoções, mas sim um excesso delas. Para algumas pessoas, a ideia de ficar sozinhas é tão insuportável que acabam fazendo mal aos outros apenas para manter algum tipo de conexão. Esse comportamento, muitas vezes inconsciente, não é premeditado — trata-se de uma tentativa equivocada de evitar o próprio sofrimento.
Assim, concluímos que muitos coaches lucram com golpes que, por falta de fiscalização, continuam ativos por bastante tempo. Divulgar amplamente esse tipo de prática é essencial para que a população desenvolva um olhar crítico e saiba identificar promessas enganosas. Quanto maior a conscientização, maiores as chances de que indivíduos façam escolhas financeiras mais seguras e evitem investir seu dinheiro em esquemas duvidosos.