Oito décadas após Hiroshima e Nagasaki, o mundo segue sob a sombra da ameaça nuclear, em meio a tensões geopolíticas e avanços armamentistas
No mês de agosto, completaram-se 80 anos dos ataques a Hiroshima e Nagasaki, que deixaram aproximadamente 110 mil mortos. Esse acontecimento é relembrado em um contexto mundial marcado por guerras e conflitos políticos, gerando incertezas sobre a possibilidade de novos ataques nucleares. Diante desse cenário, surge novamente a pergunta: quão perto estamos de uma guerra nuclear?
Hiroshima, Nagasaki e a origem do medo nuclear
No dia 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram a bomba “Little Boy” sobre a cidade de Hiroshima, no Japão. Três dias depois, bombardearam Nagasaki com a bomba “Fat Man”. As cidades foram escolhidas intencionalmente por serem centros militares, com indústrias de armamento. Os ataques, além de dizimarem parte da população japonesa, espalharam o medo de uma guerra nuclear pelo mundo.

“Fat Man”, bomba atómica lançada sobre Nagasak. Foto: U.S. Department of Defense/Wikimedia Commons
Guerra Fria à Crise dos Mísseis: décadas sob tensão
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União Soviética se consolidaram como as principais potências mundiais. Os dois países travaram uma guerra política e ideológica entre capitalismo e socialismo, que gerou reflexos na corrida espacial e, principalmente, na corrida armamentista. Como ambas as nações possuíam armas nucleares, o medo de que demonstrações de poder bélico pudessem acontecer a qualquer momento tornou-se algo constante na vida das pessoas da época.
Diversos momentos demonstram essa angústia, como evidencia o historiador João Claudio Platenik Pitillo, doutor em História Social pela UNIRIO, pós-doutor em História Política pela UERJ e pesquisador do NUCLEAS/UERJ. João também é dono do canal “Guerra Patriótica”, que conta com mais de 30 mil seguidores e analisa os conflitos militares da Guerra Fria.
“Teve o caso, no ano de 1983, com um oficial soviético de prontidão. Os sistemas de alerta indicavam que a União Soviética estava sendo atacada, e ele era o responsável por dar o alarme e iniciar a contramedida. Mas ele manteve a calma naquele momento e checou melhor.”
Em meio ao cenário da Guerra Fria, outro evento marcante de armamento atômico foi a crise dos mísseis de Cuba, possivelmente o momento mais crítico desse período. Projéteis nucleares foram instalados no país latino, apontados para os Estados Unidos, aumentando significativamente as tensões políticas.
“A crise dos mísseis foi uma crise elevada, mas tivemos outros momentos iguais ou até piores em termos de tensão, que também poderiam levar a uma guerra nuclear durante o século XX”, disse o historiador. “E isso começa já com a Guerra da Coreia até a crise dos mísseis. Em um espaço de menos de uma década, observamos uma escalada terrível nas tensões entre Estados Unidos e União Soviética.”
Um mundo mais perigoso? Conflitos atuais e o trabalho da ONU
“O chanceler Celso Amorim, assessor especial da presidência para assuntos internacionais, possui uma frase interessante: ‘Eu nunca vivi num mundo tão instável, tão perigoso como o de agora’”, relata Pedro Costa, cientista político. “Ele viveu a Guerra Fria, o dilema da destruição nuclear, a pós-Guerra Fria, a Guerra ao Terror e chega a esta conclusão.”
Após duas guerras mundiais e um período de bipolaridade política, o mundo se tornou cada vez mais globalizado e multipolar, com diferentes países assumindo papéis de potência mundial. Junto a isso surgiram diversos conflitos de interesses políticos e tensões entre países vizinhos, entre outros desafios internacionais.
No meio de discordâncias entre nações, destacam-se a guerra entre Ucrânia e Rússia, o conflito entre Palestina e Israel, e outras tensões em territórios do Oriente Médio. Esse cenário, aliado ao avanço tecnológico e ao desenvolvimento armamentista, aumentou a percepção de insegurança em relação a possíveis guerras de grande escala e aos impactos humanitários que poderiam causar.
“Esses conflitos ainda estão em um estágio de desescalada rápida, mas, no caso de não desescalarem e se agravarem, poderíamos entrar em um estágio de guerra nuclear. Mas isso, no momento, é bem remoto”, afirma João Claudio.
A situação se agrava quando a ONU, criada com o objetivo de manter a paz e a segurança internacional, encontra limitações para intervir em conflitos. Como destacou o cientista:
“As organizações multilaterais foram desmoralizadas em 2003, sobretudo a ONU e o Conselho de Segurança, durante a invasão do Iraque, contra a anuência da organização. Desde então, a ONU está impotente e não pode agir efetivamente em relação a isso.”
ESQUINAS obteve uma entrevista com o ex-diplomata Daithí O’Ceallaigh, uma das mentes por trás da Convenção sobre Armas de Dispersão. Desde 2008, os signatários do acordo estão proibidos de utilizar esse tipo de armamento. No entanto, o ex-embaixador demonstra preocupação com o cenário global:
“Nas atuais circunstâncias — a guerra na Ucrânia iniciada pela Rússia, os conflitos no Oriente Médio envolvendo uma potência nuclear, Israel, e outra, o Irã, que está tentando desenvolver uma arma nuclear, sem mencionar Índia, Paquistão e Coreia do Norte — seria quase impossível reunir todas as potências nucleares para negociar um tratado que restringisse o uso de armas nucleares. Concordo que o mundo está em uma situação diferente da de 2008, com guerras ocorrendo em muitas partes do planeta, tornando acordos de controle de armas muito mais difíceis.”
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O paradoxo nuclear: segurança ou ameaça à humanidade?
Diferente de outros períodos de tensão da história, o cenário atual se destaca por ser marcado por potências que buscam, incessantemente, o desenvolvimento de armas nucleares, tanto para exercer controle quanto para gerar um clima de tensão em nações que não possuem esse tipo de arsenal.
“Não há dúvida de que a posse de armas nucleares pode atuar como um fator dissuasor”, diz o ex-diplomata Daithí. “Na década de 1990, a Ucrânia concordou em entregar suas armas nucleares à Rússia em troca de garantias sobre suas fronteiras, acordadas entre Rússia e Estados Unidos. Se tivesse mantido seu arsenal nuclear, duvido muito que a Rússia tivesse invadido a Ucrânia em 2014 e novamente em 2022.”
Esse cenário coloca os líderes globais diante do maior paradoxo em relação às armas nucleares na história: para alguns, possuí-las é apenas uma forma de proteção e garantia da soberania nacional. Como explica João Claudio:
“A Coreia do Norte, no caso do desenvolvimento nuclear, tornou-se menos vulnerável a ataques. Os países que acabam se tornando vulneráveis são justamente os que não possuem armas nucleares. Esse é o paradoxo que vivemos.”
Quando o cenário atual é analisado, percebe-se que ele é marcado por múltiplos polos de poder, avanços tecnológicos cada vez mais rápidos em armamentos e conflitos geopolíticos mais intensos. Assim, a sensação de insegurança global só aumenta. Na Guerra Fria, mesmo diante de perigos e ameaças, ainda era possível notar certa estabilidade, substituída hoje por uma imprevisibilidade constante. Pedro Costa Júnior alerta para essa situação:
“O mundo é mais instável hoje, mais perigoso; é um mundo onde a ameaça nuclear está mais próxima. Porque, mesmo durante a Guerra Fria, havia uma política de contenção. A situação era mais estável na bipolaridade.”
Diante desse cenário incerto, a ameaça de uma guerra nuclear volta a ganhar relevância nas discussões entre líderes mundiais. Embora a possibilidade de um confronto envolvendo ataques com bombas atômicas pareça distante, a instabilidade política e a limitada eficácia de instituições internacionais que deveriam garantir a segurança, como a ONU, colocam o mundo em estado de alerta. Esse sentimento demonstra que, mesmo sem saber exatamente quão perto estamos de uma guerra nuclear, ações urgentes são necessárias para evitar que esse se torne o futuro.
“Estamos ainda em um estágio de muita fala e pouca ação”, afirma João Claudio, “mas isso levanta o questionamento de quanto será tolerado, quanto de verborragia será usado até que realmente alguém se sinta impelido a apertar o botão.”