Ativismo digital: a nova linguagem da Geração Z - Revista Esquinas

Ativismo digital: a nova linguagem da Geração Z

Por André Raucci, Beatriz Garcia, Julia Vargas Ramires e Mariana Brito : dezembro 4, 2025

No Brasil, os debates em torno de figuras como Jones Manoel evidenciam a disputa de narrativas travadas no ambiente online. Foto: Pexels/Pixabay

Como a juventude transforma likes, vídeos e debates online em engajamento político dentro e fora das redes

Em setembro de 2025, jovens nepaleses tomaram as ruas de Katmandu após semanas de organização nas redes sociais. O estopim foi a crise econômica e a corrupção política. A mobilização, iniciada com vídeos curtos e postagens no TikTok e no X, rapidamente se espalhou pelo país, unindo milhares de manifestantes sob a hashtag #EnoughIsEnoughNepal. O episódio chamou atenção internacional não apenas pela rapidez com que cresceu, mas por expor um fenômeno global: o ativismo digital da Geração Z e o papel das plataformas na formação política de uma geração que nasceu conectada.

Uma nova forma de organização política

Essa juventude, que faz da internet sua principal ferramenta de expressão, organiza-se de modo muito diferente das gerações anteriores. “O uso da internet como forma de divulgar, mobilizar e atuar politicamente é central”, afirma o professor de história e filosofia Christian Scarillo. “As gerações anteriores me pareciam mais ligadas às redes sociais no sentido clássico: sindicatos, grêmios, agremiações, que articulavam interesses em comum.” Hoje, o engajamento nasce nas timelines. Um vídeo viral, uma denúncia ou um meme podem substituir o panfleto, a assembleia ou o ato de rua.

A mesma lógica aparece em outros países. No Marrocos, os protestos organizados por jovens contra os gastos com a realização da Copa do Mundo de 2030, a precariedade do sistema público de saúde e os diversos casos de corrupção começaram como mobilizações virtuais, mas acabaram resultando em mortos e feridos. As redes mostraram sua força como espaço de articulação, mas também seus limites como instrumento de mudança política. As mesmas plataformas que conectam, informam e inspiram também dispersam, desinformam e confundem.

Algoritmo, informação e disputa de narrativas

Segundo a cientista política Carolline Sarda, esse é o grande paradoxo do engajamento digital. “As redes sociais abriram um espaço inédito de acesso à informação. Hoje, qualquer jovem com um celular pode acompanhar debates, aprender história e se formar politicamente sem precisar passar pelos filtros da mídia tradicional. Mas essas plataformas funcionam com base em algoritmos que priorizam engajamento e polêmica, não qualidade da informação.” O resultado, explica ela, é que o mesmo ambiente que democratiza o debate também o contamina com fake news e conteúdos superficiais. E agora, o desafio é transformar esse acesso em consciência crítica. A Geração Z precisa aprender a filtrar, questionar e buscar fontes que estejam comprometidas com a verdade, e não apenas com o engajamento.

Essa tensão se reflete claramente na forma como a juventude se informa: segundo uma pesquisa da consultoria Ideia Big Data, publicada pelo O Globo em 2019, 47% dos brasileiros de 18 a 24 anos afirmam obter informação política por meio das redes sociais — índice que supera outras faixas etárias.

Nesse contexto digital, a linha entre fato e opinião se torna cada vez mais tênue. O algoritmo privilegia conteúdos que evocam emoções intensas — indignação, raiva, empatia — ao passo que desvaloriza o que exige tempo e análise crítica. Assim, a formação política desse público tende a ser rápida e emocional, voltada mais para a reação do que para a reflexão.

Para Sarda, vivemos na era do “capitalismo de vigilância”, em que cada curtida e compartilhamento alimenta um sistema que transforma dados pessoais em mercadoria e molda o comportamento coletivo. “Mesmo com o acesso ampliado à informação, esse acesso é mediado por interesses econômicos e políticos. A democratização do discurso só é real se vier acompanhada de consciência crítica e educação libertadora.” Inspirando-se em Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano que descreve a “sociedade do cansaço”, Sarda argumenta que as redes estimulam performance e visibilidade, mas não necessariamente reflexão.

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Entre potência e esvaziamento político

Scarillo, por sua vez, é mais cético quanto ao potencial transformador da Geração Z. “Não a vejo como mais engajada, pelo contrário: parece-me mais apática e desinteressada da necessidade de mobilização política”. Para ele, a fragmentação e a falta de coesão ideológica enfraquecem a capacidade de ação coletiva. “Tudo gira em torno do consumo, da espetacularização e do entretenimento. Acho a atual geração mais retrógrada e conservadora, politicamente falando.” O professor enxerga nas redes uma substituição parcial — e perigosa — das antigas formas de organização política. “Deveriam complementar, mas me parece que houve uma fragmentação e dispersão das forças que uniam e estimulavam um movimento em comum.”

Ainda assim, não se pode ignorar o potencial das plataformas para abrir espaço a novas vozes. Mulheres, pessoas negras e periféricas, antes marginalizadas nos meios tradicionais, passaram a ocupar o debate público com maior visibilidade. “As redes democratizaram o acesso ao conhecimento e permitiram que vozes antes silenciadas ganhassem espaço”, lembra Sarda. É essa pluralidade que confere vitalidade à esfera digital, ainda que o ambiente esteja longe de ser neutro.

No Brasil, os debates em torno de figuras como Jones Manoel evidenciam a disputa de narrativas travadas no ambiente online. O historiador e influenciador, conhecido por seus vídeos sobre marxismo e política contemporânea, representa uma tentativa de resgatar o pensamento crítico nas redes, um contraponto à lógica do entretenimento raso. Seus conteúdos dialogam com uma juventude que busca compreender o país e o mundo, mas também revelam o quanto a política digital depende da performance e da capacidade de gerar engajamento.

Entre protestos que começam no TikTok, podcasts políticos e discussões acaloradas em threads, a Geração Z mostra que está disposta a se posicionar. Mas a questão central permanece: como transformar a efervescência virtual em ação concreta? Para Scarillo, a resposta está fora da tela. “Os sindicatos e outros grupos foram esvaziados na medida em que nos tornamos mais individualistas e com menos senso coletivo”. O desafio, portanto, é reconstruir laços de pertencimento e criar pontes entre o digital e o real.

A força das redes sociais é inegável. Elas moldam percepções, formam identidades e podem mobilizar multidões em poucos minutos. Mas também impõem um ritmo de engajamento exaustivo, em que a atenção se dispersa tão rapidamente quanto se concentra. Movimentos como o do Nepal demonstram que a conexão mobiliza, mas, sem direção e consciência crítica, essa energia tende a se dissipar.

Como sintetiza Carolline Sarda, “o acesso existe, o que falta é mediação, educação midiática e espaços de debate que incentivem o pensamento crítico, e não apenas a reação”. No fim, a revolução digital da Geração Z talvez dependa menos da tecnologia e mais da capacidade de transformar o clique em consciência e o post em ação coletiva.

Editado por Enzo Cipriano

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