Quatro repórteres, uma recém-formada e uma estudante de Jornalismo se encontram para debater o porquê de insistir nas reportagens de fôlego
“Por que fazer grande reportagem?”. Foi a primeira questão lançada na mesa da oficina realizada na quinta-feira (30), que trouxe uma aula humanizada de atuação do repórter e apresentou os bastidores da série de livros Mestres da Reportagem. Quem a preparou foi Patrícia Paixão, jornalista e professora, organizadora da coleção. O debate dividiu-se em três grandes blocos de perguntas direcionadas aos jornalistas convidados: Cristiane Segatto, especializada em saúde; Paulina Chamorro, radialista com atuação em meio ambiente; e Fausto Salvadori, atuante em direitos humanos, concursado da Câmara dos Vereadores de São Paulo e fundador do veículo Ponte Jornalismo.
Os presentes, assistindo à oficina, lembraram dos cortes em massa nas redações de todo o Brasil. “Ainda há espaço para uma reportagem com mais profundidade em um cenário de crise?”, perguntaram-se. Para Segatto, “a crise tem mais a ver com as formas de distribuição da mídia tradicional, e não com o conteúdo produzido”. Ir a campo e conversar com o maior número de pessoas parece ser o primeiro passo para escrever uma grande reportagem. O limite, entretanto, é desconhecido. “Quando você faz tudo o que não precisa, aí faz a diferença”, afirma Salvadori. Com essa fala, ele sintetiza o que todo professor de Jornalismo parece ensinar aos seus alunos: talvez a pauta mude, caia ou surja em uma conversa inesperada. “Tudo é informação quando você vai a campo”, conclui o criador do Ponte.
A ‘grande reportagem’ ou ‘reportagem de profundidade’ tem como premissa imergir o leitor no universo dos entrevistados, narrando o ambiente em que a história se passa e as condições físicas e psicológicas em que vivem todos os envolvidos. Pode ser classificada como ‘jornalismo literário’, porque é o único tipo de reportagem que tem a licença para se apropriar de ferramentas literárias ao transmitir uma informação. A diferença está no detalhamento. “A estética da grande reportagem se diferencia muito da reportagem comum”, afirma Paixão. “Ir a campo, sentir o cheiro, ver as cores e a unha descascada do entrevistado faz toda a diferença”. Nela, há espaço para o que não entraria em uma hard news, por exemplo. Para o colega de mesa, Salvadori fala que o lide não existe em uma grande reportagem, mas, se não souber por onde começar, “o lide é aquilo que te emocionou”.
Durante o relato das reportagens já produzidas pelos convidados e as tecnologias das quais os jornalistas dispõem atualmente para isso, uma opinião foi unânime: o podcast é algo a ser desfrutado. Para Paulina, a conexão que você estabelece com o entrevistado está mais no auditivo que no visual, “a conversa é meio ao pé do ouvido”. As demandas hoje são outras. O ritmo em que se vive é cada vez mais acelerado nas grandes cidades, e encontrar ferramentas que proporcionem produtividade junto a um relativo conforto é imprescindível. Hoje em dia, é possível aprender sobre algum assunto durante o trajeto até o trabalho, por exemplo, e o podcast é só uma das ferramentas que possibilita esse ganho.
A oficina termina com mais uma indagação de Paixão. “Qual foi a reportagem mais difícil e emocionante de vocês?”, pergunta. Chamorro levou um mês para conseguir apenas um áudio que denunciava o tráfico de animais. Salvadori envolveu-se com direitos humanos nas periferias, defendendo um menino negro de 10 anos, morto enquanto roubava um carro. O que mais o horrorizou foi o espetáculo a céu aberto promovido pela vizinhança do Morumbi, que aplaudia os policiais assassinos, ou “defensores”. Segatto, repórter especial da revista Época por mais de 14 anos, falou sobre a dificuldade de extrair depoimentos das fontes ao investigar sobre a falta de transparência nas cobranças hospitalares, levando pacientes à falência e a fortes crises financeiras. A reportagem lhe rendeu um Prêmio Esso de Jornalismo.
A série Mestres da Reportagem apresenta entrevistas com jornalistas consagrados nas mais diferentes áreas, todas produzidas por estudantes de Jornalismo. A recém-formada Tatiane Cordeiro e a estudante Raquel Bispo, que também compuseram a mesa na quinta-feira, são alunas de Paixão e realizaram duas das entrevistas do novo livro. Os quatro repórteres veteranos acreditam ser muito importante oferecer espaço para que jovens jornalistas como Bispo e Cordeiro possam começar a publicar desde o primeiro ano de faculdade. Isso é feito no Formando Focas, de Paixão, no site Ponte Jornalismo, de Salvadori, e na série de livros da professora, que está prestes a produzir o quarto volume.