Karina Oliani, pioneira na escalada das duas faces do Monte Everest, conta cada passo de suas aventuras
Logo após um mergulho nas águas tropicais do México ao lado de tubarões baleia, Karina Oliani transparece vivacidade e otimismo quanto à realização de seus futuros projetos – que não são poucos. Médica, escritora, apresentadora de televisão, colunista do Estadão, bicampeã brasileira de wakeboard e snowboard, recordista em mergulho livre, fundadora do Instituto Dharma e – como se não bastasse – a primeira mulher sul-americana a escalar o Monte Everest por suas duas faces. Embora com contrato sigiloso, ela conta que sua carreira televisiva está prestes a atingir níveis globais com a estreia de sua próxima série no começo de 2019.
Oliani atua unindo suas duas paixões: a adrenalina e a questão humanitária. No auge dos seus 36 anos, é a única médica da América Latina a ter o título de especialista em Emergência e Resgate em Áreas Remotas. O currículo vasto, porém, não a poupou de provocações machistas. Muitos desacreditaram de seu potencial e até apostaram que ela não conseguiria chegar ao topo, simplesmente por ser mulher. No entanto, não se enxerga como vítima e vê nos entraves uma oportunidade de triunfo, encarando a vitória com muito bom humor. “Ri bastante, achei bem legal e ainda tomei um belo vinho em Mendoza [na Argentina] com o dinheiro que eles me deram”, brinca.
ESQUINAS Como você se sentiu quando chegou ao topo do Everest, considerado por muitos um verdadeiro desafio da escalada?
Ano passado teve uma menina que escalou que era mais jovem que eu, mas eu sou a única brasileira que subiu o Everest duas vezes, pelas duas faces: a sul e a norte. Agora a responsabilidade… Acho que isso não muda nada, na verdade. Ser a primeira, a última, a que escalou duas vezes ou três. De verdade, para mim, isso era um sonho pessoal e foi uma realização muito grande, uma conquista pessoal muito legal
ESQUINAS Em meio a tantas aventuras, você já visitou um grande número de países. Qual é o seu preferido?
Já visitei mais de cem países, acho que está na casa dos 110. Não tenho um preferido, porque acho que cada lugar é especial a sua maneira. Mas um país que eu tenho um carinho muito especial e que eu já visitei sete vezes é o Nepal, na região dos Himalaias.
ESQUINAS Como funciona o projeto do Instituto Dharma, o qual você ajudou a fundar?
O instituto foi assim: o Andrei Polessi e eu nos encontramos e, há cerca de quatro anos, criamos o Dharma. Não tínhamos pretensão e intenção de fundar uma ONG. Queríamos fazer um livro de fotos que iria ajudar o pessoal do Nepal depois do grande terremoto que teve lá em abril de 2015. Acabou que nós fizemos o bem não só para o Nepal, mas em outras oportunidades que simplesmente caíram do universo no nosso colo. Nós falamos “Caramba, a gente está fazendo o trabalho de uma ONG”. Estamos levando um grupo de 15 pessoas para atender no meio do sertão do Piauí, indo para um Hospital na Caxemira fazer atendimento médico voluntário, fazendo projetos de conservação do meio ambiente com várias pessoas. Vimos que tínhamos que virar uma ONG para legalizar tudo e ficar dentro dos parâmetros que a lei manda. E aí, por conta disso, eu e o Andrey fundamos o Dharma. Ele é o atual presidente e eu, a vice-presidente. A gente tem mais alguns outros diretores no instituto, e eu fico com toda a parte de coordenação de direção dos projetos, principalmente a logística dos nossos projetos voluntários – médicos e odontológicos.
ESQUINAS Como essa sua formação em medicina é colocada em prática atualmente? Houve dificuldades para encontrar essa formação tão específica?
Foi difícil de encontrar, sim. Quando eu me formei, que eu peguei o meu título em Wilderness Medicine [ramo que fornece cuidados de emergência vitais em ambientes remotos], fui a primeira médica da América Latina a receber essa qualificação. Na época, isso não era nem conhecido aqui no Brasil ou na América Latina, na verdade. Eu fui uma das precursoras, uma das pessoas que trouxe esse conceito médico para o País. E eu fui a primeira presidente e fundadora da Associação Brasileira de Medicina de Áreas Remotas e Esportes de Aventura (Abmar), que continua na ativa até hoje. Cresceu muito e já se passaram quase 12 anos desde sua criação. A Abmar é um sucesso hoje em dia. Agora consigo fazer a medicina que eu amo. Eu saí dos hospitais, da minha clínica e só faço medicina para pessoas carentes em áreas remotas, que vivem em regiões inóspitas do mundo. Não recebo nenhum centavo por essa medicina. Só faço a medicina que amo de verdade.
ESQUINAS A paixão pela medicina já te ajudou ou foi um fator decisivo em algumas das suas expedições?
Sim, em várias expedições. Pude ajudar pessoas que estavam na mesma expedição que eu. Uma vez eu estava mergulhando no Canadá, em águas de 5°C, e minha irmã teve hipotermia. Pelo fato de eu ser médica, consegui socorrê-la na hora. Uma outra vez tive um ataque, uma crise de broncoespasmo [similar a uma crise asmática] no acampamento três do Everest e eu consegui me tratar. Teve um amigo meu que rasgou a perna com aquele grampo que prende a bota no gelo, e eu suturei a perna dele na hora, no meio da expedição, para continuar escalando. Toda expedição acontece pelo menos uma coisinha em que meus conhecimentos médicos me ajudam ou ajudam os outros.
ESQUINAS Como você concilia a carreira de medicina, a administração de uma produtora, o manejo de seu blog do Estadão, suas expedições e os trabalhos beneficentes?
Quem disse que eu consigo? Eu consigo? (risadas)
ESQUINAS Brincadeiras à parte, por que você decidiu abrir sua própria produtora?
Primeiro eu era só uma apresentadora de televisão, contratada por outras produtoras para fazer um conteúdo de aventura. Só que eu achava que elas não faziam esse conteúdo incrível. Era bom, mas não incrível. E se eu abrisse a minha própria produtora? Eu conseguiria fazer algo muito mais legal no próximo nível e do meu jeito.
ESQUINAS Mesmo assim, você tem em vista algum projeto futuro no setor televisivo?
Tenho, mas infelizmente eu não posso contar. Assinei um contrato de sigilo, mas será uma série mundial, em um canal mundial, que vai estrear no primeiro semestre de 2019. E eu sou uma das únicas pessoas da América Latina a estar neste projeto.
ESQUINAS Apesar de todos os prós desta vida regada a aventuras e descobertas, você sente que já foi vítima de machismo nesse âmbito?
Eu não me colocaria como vítima, não. Já passei por situações de machismo, que me não atrapalharam. Pelo contrário, quando as pessoas duvidam de mim e falam “Ela é menina, ela não vai chegar”, isso me dá mais força para ir lá e conquistar – de preferência, na frente de todo mundo. Uma vez alguns caras apostaram se eu conseguiria ou não ficar no campo base da montanha por uma semana. Foi uma coisa bem machista. Achei tudo muito engraçado no fim das contas, porque cheguei ao cume da montanha antes que todos eles, que me deram o dinheiro da aposta. Ri bastante, achei bem legal e ainda tomei um belo vinho em Mendoza com o dinheiro que eles me deram.
ESQUINAS Qual é seu “objetivo radical” no momento?
Neste momento, quero fazer com que o Instituto Dharma consiga ajudar muito mais gente do que ele está ajudando. Sinto que tem muito mais pessoas boas, muito mais pessoas de luz, nesse mundo do que o contrário. Mas, por algum motivo, o mal faz mais barulho, chama mais atenção, fala mais alto. Meu “objetivo radical” está mais nesse sentido. Tenho vários projetos de expedições, de aventura, montanhas para escalar, mergulhos para fazer, mas a minha energia está muito focada em fazer com que o instituto consiga levar mais pessoas para fazer o bem aos outros.