À procura da profissão ideal - Revista Esquinas

À procura da profissão ideal

Por Letícia Ang, Luis Enrique Lo e Maria Luiza Reghini : fevereiro 12, 2019

Foto: Divulgação

Jovens estudantes buscam ajuda especializada para escolher a carreira mais adequada ao seu perfil

O consultório Asatempo Psicologia e Integração Corporativa vem recebendo um número crescente de jovens estudantes do último ano do Ensino Médio. Angústias e incertezas em relação ao futuro profissional se enquadram como os principais motivos do aumento dessa demanda. Tiago Tamborini, psicólogo e consultor de carreira há 13 anos, atua como sócio-diretor da empresa, localizada na zona sul da cidade de São Paulo, no bairro do Brooklin. Além disso, integra a equipe de especialistas que oferecem orientação vocacional àqueles que ainda estão indecisos quanto à carreira a seguir. Formado em Psicologia pela Universidade de São Paulo, atualmente realiza palestras em escolas da capital paulista e em grandes empresas, como Coca-Cola, L’Oréal e Fundação Bradesco. Contribuiu como consultor para as editoras Abril e Globo, o Portal UOL e canais de televisão como Record, SBT e Gazeta.

Em entrevista, Tamborini falou da função das escolas nesse importante processo de escolha. “Sem sombra de dúvidas as escolas ainda precisam investir muito mais em ajudar o jovem não só na escolha profissional, mas em tudo aquilo que envolve ir além do vestibular. Ajudar na formação de valores, de caráter e das competências que o mercado de trabalho vai exigir”, explica. Ele menciona o crescimento do número de possibilidades de escolhas profissionais. A quantidade de opções de trabalho reflete de forma direta no comportamento emocional do jovem, uma vez que gera sentimentos de angústia, estresse e ansiedade. Confira abaixo a entrevista com Tamborini para ESQUINAS.

ESQUINAS O senhor é especializado em atendimento infantil, mas também atua como orientador profissional. Quais os motivos da crescente demanda por esse tipo de auxílio?

Eu acredito que tem crescido porque a quantidade de escolhas aumenta progressivamente. No passado, não havia essa possibilidade, principalmente para as mulheres, que tinham poucas opções de trabalho. Os homens tinham mais alternativas, mas na maioria das vezes eram relacionadas à demanda familiar. Quem tinha negócios na família continuava na área, e quem não tinha acabava dentro das oportunidades que a vida oferecia. Conforme os anos foram passando, a expansão desse leque de opções fez crescer a angústia pessoal. Quanto maior o número de possibilidades, mais acentuada é a angústia. E os jovens estão cada vez mais preocupados em o que escolher, dentre tantas opções profissionais.

ESQUINAS Quais fatores o senhor julga determinantes quando o jovem tem que decidir o curso no qual pretende fazer carreira?

A primeira coisa é olhar para si mesmo, entender um pouco das habilidades e competências, de como é que a gente enxerga a vida e o que para nós é importante. Depois, uma pesquisa aprofundada das profissões: o que faz? Quais são as ocupações relacionadas? O que vai aprender na faculdade? Quais são as matérias estudadas? Num terceiro momento, o que a gente quer para a vida. Como a gente se enxerga nos próximos anos, o que a gente quer enquanto estrutura de vida para que a gente possa ver se condiz. Pensa o seguinte: alguém que trabalha com gastronomia provavelmente vai trabalhar nos finais de semana, alguém que trabalha com viagens provavelmente vai ter dificuldades de manter uma família… Ver se a escolha que está fazendo tem a ver com o que entende como propósito para a vida.

Formado em Psicologia pela USP, Tamborini atualmente realiza palestras em escolas de São Paulo e em grandes empresas
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ESQUINAS O senhor acha que a escolha pela profissão “dos sonhos” vem dando cada vez mais espaço para a construção da carreira em profissões consideradas mais seguras e estáveis?

[Os jovens] estão cada vez mais escolhendo aquilo que eles acham que vai fazê-los felizes. Claro que tem o medo de não ganhar dinheiro, do mercado de trabalho e tudo mais. Mas acho perigosa essa força de eles quererem “o que vai me fazer feliz”, para ser bem honesto. Tem que ser uma dobradinha: aquilo que vai me fazer feliz é também aquilo que eu estou disposto a investir muito, independente das coisas chatas que aquilo traz. A gente tem que entender que, para fazer o que gosta, tem que fazer a parte chata. Esse é o jogo da vida. Mas cada vez mais eles se preocupam em fazer coisas que tenham significado para eles.

ESQUINAS Parece que o medo aumenta quando a época do vestibular se aproxima. Alguns jovens, inclusive, precisam usar medicamentos específicos para combater a ansiedade. Qual a sua experiência com isso?

A angústia dos jovens tem gerado um certo pânico na hora do vestibular. Eu percebo que o grande problema está em acreditar que, se não for naquela hora, não é nunca mais. É aquela sensação de “tenho que entrar agora na faculdade ou estarei fadado ao fracasso”. Soma-se a isso a cobrança da sociedade, dos pais e das escolas, que exigem o ingresso do estudante na melhor universidade do País. Todos esses fatores combinados geram uma angústia no jovem, deixando-o com muito medo do vestibular. O corpo dele acaba reagindo como se estivesse diante de um ataque de leão, provocando pânico e desorganização. Quando é exigido mais esforço em alguma prova ou em um exercício de estudos mais detalhado, o jovem liga esse mecanismo e se desespera. Alguns entram em tamanho ciclo que têm de fazer uso de medicamentos. É uma pena, porque isso não seria necessário se estivesse procurando uma ajuda psicológica ou uma orientação mais específica.

As escolas ainda precisam investir muito mais em ajudar o jovem não só na escolha profissional, mas em tudo aquilo que envolve ir além do vestibular

ESQUINAS Mas sabemos que essa busca por orientação profissional é cercada de preconceitos sociais. O senhor trabalha com algum tipo de projeto que promove a quebra dessa resistência dos jovens com relação aos psicólogos?

Sim, eu trabalho tanto nas palestras que realizo em escolas como em projetos que ocorrem dentro da sala de aula, geralmente chamados de “Projeto de Vida”. Eles são desenvolvidos com uma metodologia denominada Orientação Profissional, Empregabilidade e Empreendedorismo (OPEE), que ajuda os jovens a conhecerem as profissões e o mercado de trabalho. Além disso, possibilita o autoconhecimento e promove a autoestima.

ESQUINAS As instituições de ensino deveriam investir mais em projetos de orientação profissional que abranjam estudantes de diversas etapas, e não somente aqueles em preparação para as provas de vestibular?

Acredito muito nessa necessidade. Nós temos dois grandes grupos de escolas: de um lado, aquelas que estão absolutamente focadas em vestibular, em fazer o aluno ingressar em uma universidade e que fazem disso o seu marketing; do outro, os colégios que já perceberam que isso não está dando muito certo, que esses jovens estão se prejudicando muito por conta disso, então eles os ajudam a perceber que a vida é mais do que o vestibular. Eu diria que hoje está meio a meio [em referência à classificação feita acima], o que é um bom sinal. Mas ainda tem muito para mudar. Sem sombra de dúvidas as escolas ainda precisam investir muito mais em ajudar o jovem não só na escolha profissional, mas em tudo aquilo que envolve ir além do vestibular. Ajudar na formação de valores, de caráter e das competências que o mercado de trabalho vai exigir. 

ESQUINAS E de que forma as escolas podem incluir na grade curricular esses exemplos de aprendizado para além do vestibular? Como abranger, por exemplo, as competências exigidas no mercado de trabalho na vida estudantil?

Isso eu acho que é uma necessidade urgente que poucas escolas fazem. Como incluir? Incluindo. Criando uma aula a mais, pegando uma aula que já existe, como Sociologia e Ciências, nas quais você pode falar sobre inteligência emocional, relações interpessoais, saúde física e emocional. Existem várias metodologias, como a própria OPEE ou a do Augusto Cury, que fala sobre inteligência emocional. Até onde eu sei, existem até alguns planos do governo para isso. Mas o fato é que as escolas não priorizam isso, elas priorizam muito mais a questão do vestibular, do Enem e de competências teóricas, e não comportamentais. Está mudando: algumas escolas já se abriram para essas possibilidades, mas ainda está engatinhando.