Às vésperas da Copa do Mundo de Feminina, a desvalorização da modalidade ainda persiste dentro e fora de campo
A Copa do Mundo de Futebol – masculina, no caso – acontece oficialmente de quatro em quatro anos. O mundo inteiro, inclusive o Brasil, para seu dia a dia para acompanhar o time oficial do seu país jogar. Veste a camisa da seleção, torce, vibra, une-se não importa onde esteja: no bar, na casa de um amigo, no churrasco, em uma conversa banal no transporte público ou na fila do banco. As partidas da seleção brasileira são transmitidas na televisão aberta, e é comum empresas dispensarem seus funcionários ou colégios interromperem suas aulas para verem o jogo. Afinal, o Brasil é o país do futebol. Mas o mesmo não acontece com o time feminino daqui. Os jogos não chegam nos canais abertos, a “mulher não serve para futebol” e a Copa Feminina – que começa hoje (7) na França, com duração de um mês – é desvalorizada por torcedores de futebol.
A primeira Copa do Mundo Feminina ocorreu em 1991, apenas 61 anos depois da primeira masculina. Ao todo, esta teve 21 edições, enquanto as mulheres entraram em campo em apenas oito campeonatos. A China foi o primeiro país sede, que recebeu 16 seleções participantes. Há quatro anos, a Copa passou a incluir 24 times competindo entre si. Também em 2015, na sétima edição, os canais SporTV e TV Brasil transmitiram pela primeira vez o campeonato por aqui.
Mas esses avanços não chegam perto da visibilidade que a versão masculina recebe. A Copa Feminina também ocorre a cada quatro anos desde a sua primeira edição, mas tem passado despercebida durante esse tempo. Existem pessoas que sequer sabem da sua existência ou se lembram do futebol feminino.
Durante as oito edições, a seleção brasileira ocupou o pódio nas segunda e terceira posições, mas não chegou a ganhar a medalha de ouro. Os Estados Unidos, que nunca ganhou uma Copa Masculina e é conhecido por não ter uma grande seleção no futebol, venceu a Feminina três vezes (1991, 1999 e 2015) e foi sede em duas edições. A seleção norte-americana é a maior campeã da competição. A Alemanha vem logo atrás, com duas copas seguidas (2003 e 2007), seguida da Noruega e do Japão, cada um com uma conquista.
Embates da edição deste ano
A iniciativa da Globo e da Band na transmissão da Copa neste ano demonstra uma tentativa de aumentar essa visibilidade. Mas as conquistas femininas ainda não têm a atenção necessária. A jogadora Marta, por exemplo, foi eleita a maior artilheira do mundo seis vezes, sendo que recebe um salário bem menor que o do jogador Neymar. Enquanto a atleta ganha por volta de 400 mil dólares por ano, o artilheiro da seleção brasileira, cerca de 350 milhões por mês. Às vezes, são casos mais expressivos que as conquistas dos homens, como o fato de Marta ter atingido a marca de 15 gols em mundiais – a maior artilheira da Copa.
Historicamente, demoraram anos para que as mulheres conseguissem direitos essenciais, como o de votar ou até trabalhar. Mesmo com essas garantias, elas continuaram sendo julgadas quando atravessavam certas barreiras. Não foram bem-vindas no esporte por muitos anos. Tinham mais espaço em esportes como vôlei, no qual há menos contato entre os jogadores. O tradicional futebol passou a ser praticado majoritariamente por homens no século XIX, sempre visto como algo “bruto” e impróprio para as mulheres, o “sexo frágil”.
A atacante Cristiane, do São Paulo, conta que sofreu com comentários machistas somente no Brasil, quando jogava no exterior não havia essa problematização. “É triste porque eu acho que é cultural. Eu nunca joguei fora do Brasil e recebi ofensas, seja na arquibancada, seja em rede social. Já no Brasil a gente escuta isso direto”, desabafa.
O próprio técnico que encabeça o time brasileiro, Vadão, entrou em uma enrascada com comentários considerados machistas na convocação das jogadoras. “Trabalhar na seleção é uma satisfação muito grande. É o ponto máximo, que todo treinador quer. Eu não cheguei na masculina, mas cheguei na feminina”, comenta. Sua fala dá uma ideia de que a modalidade feminina é inferior à masculina.
No esporte, falta principalmente patrocínio para que alcancem maior visibilidade. Além das que praticam o esporte, há uma escassez de mulheres como comentaristas e narradoras na televisão e nos estádios. Como torcedoras, elas que acompanham e torcem ainda são julgadas por homens e questionadas se realmente entendem de futebol. Resta repensar a quem cabe o apelido de “país do futebol” de fato.