Com a estratégia focada em comunicar ao invés de confiscar, o Governo conseguiu superar a descrença em milagres econômicos e diminuir a inflação
“Ao invés de surpreender o povo, vamos dizer ao país. Vamos explicar o que é a inflação e como vamos combate-la, passo a passo”. Foi assim que o ex-presidente e ex-ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, definiu a estratégia por trás do lançamento da nova moeda, o real, em 1° de julho de 1994.
Há 25 anos, o Brasil passava por uma de suas mais profundas reformas, esta prometia enfrentar e eliminar de uma vez a inflação brasileira. Para os muitos que nunca viram o índice de aumento dos preços acima de 10,67% (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo de 2015), é impossível imaginar uma inflação que chegue nos quatro dígitos em 4 anos, como ocorreu entre 1989 a 1993.
Num primeiro momento, o Plano Real pareceu ser mais uma operação destinada ao fiasco. Não bastasse o abismo econômico e financeiro no qual o País se encontrava, o Brasil vivia a sombra do fracasso de outros seis programas de grandes proporções: os Planos Cruzados 1 e 2, em 1986, os Plano Bresser e Verão, de 1987, e os Planos Collor 1 e 2, de 1990 e 1991.
Na imprensa, a desconfiança com o chamado Plano FHC – em homenagem ao então ministro da Fazenda – era evidente desde o anúncio em dezembro de 1993. A matéria da revista Veja do dia 15 daquele mês revela um sentimento claro logo em seu título: “Um belo plano que já nasceu furado”, duvidando da capacidade do governo em implantar o projeto. O texto ainda ironiza alguns passos, usando termos como “teoricamente”, “caso seja aplicado” e “dolarização disfarçada”.
Para Marcos Guterman, jornalista em O Estado de S. Paulo e professor da Faculdade Cásper Líbero, a abordagem da imprensa durante os meses de implantação do Plano Real foi coberta de descrença, erros de avaliação e falhas interpretativas: “O sucesso do Plano se deu a despeito da imprensa”, completa ele. Mesmo quando o Plano entrou em sua fase derradeira – a implementação do Real como moeda única e definitiva – a cobertura jornalística demorou a reconhecer o sucesso do projeto.
É possível que tal reação fosse resultante do primeiro Plano Cruzado, anunciado em 1986, que fez a inflação desmoronar durante alguns meses, apenas para voltar maior e mais forte no ano seguinte. A estratégia do congelamento imediato de preços adotado pela equipe econômica do então presidente José Sarney se mostrou insustentável, e abriu caminho para uma escalada inflacionária de contenção ainda mais difícil.
Tal imediatismo foi um dos recursos evitados pela equipe do Plano Real. Se Sarney e Fernando Collor haviam tentado ações abruptas que antecipassem e surpreendessem a economia brasileira, o Plano Real teve a preocupação em anunciar todas as ações com antecedência, explicitando e explicando todos os passos, desde os ajustes fiscais, passando pela adoção da Unidade Real de Valor (URV) até finalmente a troca efetiva da moeda em circulação.
Segundo Guterman, o processo de compreensão do Plano por parte da população foi gradual, tendo como grande responsável o dia a dia. Enquanto a URV era acionada juntamente ao Cruzeiro Real, a circulação diária da moeda se encarregava de transmitir aos brasileiros as ideias da equipe econômica do então presidente Itamar Franco – papel que a imprensa não conseguiu cumprir.
Em meio à complexidade do plano, a equipe temia que o fracasso se desse a partir do não entendimento por parte do público. Não à toa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse em entrevista à Veja em 2009 que “o verdadeiro milagre foi a população ter entendido a técnica usada para poder debelar a inflação”.
Para o professor doutor Heron Carlos Esvael da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), a equipe econômica do Plano Real necessitou cumprir um duplo papel: os integrantes precisavam ser bons economistas e também bons comunicadores. Segundo Heron, a equipe buscou realizar palestras em universidades com o objetivo de “convencer” a área acadêmica da eficácia do plano, sendo esse meio a principal fonte dos jornalistas especializados em Economia. A equipe conseguiu obter sucesso e, segundo o professor da FEA “de certa forma, o meio acadêmico acabou influenciando a própria imprensa especializada”. Desencadeando, dessa maneira, o processo de aceitação por parte da opinião pública.
Os efeitos do tal milagre se desdobram até os dias de hoje. Da eleição Fernando Henrique Cardoso, passando pela possibilidade de crescimento econômico com moeda estável, o sucesso do Plano Real foi determinante para a trajetória do Brasil nos últimos 25 anos.
Mesmo hoje, quando o país atravessa uma de suas maiores crises da história, não há indícios de que a inflação saia do controle. Ela segue sendo uma preocupação de todos os governantes, mas não mais ocupa a totalidade do debate público.
Se há algo que o Plano Real foi bem-sucedido, foi em tirar a inflação das manchetes dos jornais.