Com elevada carga laboratorial, que não pode ser substituída por educação não presencial, cursos de saúde se adaptam para não perder o semestre
Na tentativa de conter a pandemia do novo coronavírus e seguindo as ordens da OMS de evitar aglomerações, universidades e faculdades brasileiras fecharam suas portas desde a metade do mês de março. Para amenizar os prejuízos da covid-19, o Ministério da Educação (MEC) publicou uma portaria autorizando, “em caráter excepcional”, a substituição de disciplinas presenciais “por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação”. Desde então, muitas instituições migraram suas aulas para aplicativos de educação a distância (EaD). Mas uma dúvida bateu nos cursos da área de saúde, em especial Medicina: inicialmente, os cursos de formação de futuros médicos não poderiam ter aulas não presenciais. Mas uma segunda portaria modificou essa decisão, abrindo espaço para que as disciplinas teóricas fossem ministradas a distância. Como ficaram os cursos, na prática?
Instituições como a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) decidiram não aderir à substituição. Argumentando que aulas não presenciais prejudicam os alunos mais vulneráveis e exigem planejamento específico e de longo prazo, preferiu interromper o semestre. Para a maioria das faculdades e universidades, no entanto, a aula na frente da tela durante a pandemia já é realidade. ESQUINAS conversou com quatro alunos que relatam como está sendo a adaptação.
Isabella Machado Passalacqua, graduanda em medicina pelo Centro Universitário São Camilo, teve suas aulas suspensas no dia 13 de março. “Foi dia da primeira e última prova que eu tive no semestre”, conta, rindo da ironia. A universidade pediu uma semana para iniciar as disciplinas no modo não presencial. Mas a atividade prática do semestre — uma visita a um hospital a cada 15 dias — não pode ser feita remotamente. Isabella, cursando o terceiro período, comenta que talvez a reposição aconteça em laboratórios, mas não acredita que a eficiência seja equivalente. A possibilidade de atrasar sua formação é preocupante para a universitária e para os colegas. “Particularmente, estou com medo, e as pessoas com quem eu conversei também estão bastante apreensivas”.
No caso de Gabriel Torres, estudante da Faculdade de Medicina da USP, os encontros presenciais foram interrompidos no dia 17. A universidade ainda não se posicionou quanto a um possível adiamento do semestre. “Mas já deixou claro que fará– e está fazendo — de tudo para termos o máximo de substituição de matérias teóricas por formas não presenciais. As práticas faremos quando voltarmos”, diz.
O mesmo está acontecendo com a Universidade de Araraquara (Uniara), sem aulas presenciais desde o dia 16. Felipe Castro, 19, relatou que apenas as matérias teóricas estão sendo lecionadas por sistemas de EaD. “Imagino por enquanto que não afetará minha formação em relação ao tempo de conclusão, mas muito provavelmente perderei parte das férias de julho para repor as aulas e provas práticas”, opina.
Outras instituições optaram por um arranjo diferente. Uma docente da área de enfermagem que pediu anonimato diz que sua faculdade fez um ajuste de grade: as matérias teóricas do segundo semestre foram adiantadas para o primeiro, e as práticas do primeiro, adiadas para o segundo. Dessa forma, até junho, os graduandos terão apenas teoria, e depois de agosto, apenas prática. A professora argumenta que essa adaptação é pela agilidade da equipe. “Como estamos inseridos na área da saúde, mesmo antes do isolamento social, estávamos muito ligados nessa questão e prevendo possíveis alterações”, explica.
Os cursos de pós graduação na área da saúde também estão sofrendo impacto. Os acompanhamentos de mestrados e doutorados são bons exemplos. “As qualificações e defesas de tese foram postergadas”, conta a ginecologista Anna Valéria Gueldini, doutoranda em ciências da saúde pela Unicamp. Quando o adiamento for impossível, a defesa deverá ocorrer a distância — o que exigirá mais mudanças. “Como se trata de um evento público, o aluno, a banca e uma eventual plateia terão que se familiarizar com os aplicativos de videoconferência”, completa.