Qualidade do sistema de saúde, informações transparentes e respeito à quarentena são razões apontadas pelos entrevistados de ESQUINAS
A curva de crescimento da Covid-19 no Brasil tende a seguir a dos países europeus. O continente reúne 40 mil mortos pela doença concentrados nos países próximos à Itália, todos com taxas altas de óbitos e de contaminados. Mesmo assim, há brasileiros que se encontram em território europeu que se sentem mais seguros por lá do que aqui (o Brasil contava 667 mortos até a publicação desta reportagem, 3ª feira, 7 de abril). ESQUINAS conversou com três deles.
Vanessa Giampedro, de 26 anos, está em Braga, Portugal, realizando um mestrado em direito na Universidade do Minho. A instituição fechou suas portas e interrompeu atividades presenciais até o fim do semestre após a apresentação de sintomas de coronavírus por parte de um aluno que havia voltado de outro país europeu.
Portugal tinha cerca de dez casos confirmados de covid-19 quando tomou providências — pesou o fato de 22,8% de sua população pertencer ao grupo de risco. O país entra em sua terceira semana de quarentena declarada pelo governo, mas, segundo Vanessa, o povo já estava confinado antes mesmo do comunicado oficial. “A cidade está às moscas. Não se pode sair de casa, apenas para necessidades extremas. A polícia para os carros nas ruas e pergunta o destino e o tempo da permanência fora. Caso haja recusa em seguir as regras, existe risco de prisão”, explica.
Para a brasileira, é justamente essa rigidez no distanciamento social que aumenta sua sensação de segurança. “As medidas estão se provando úteis na regressão dos casos da doença. No Brasil, não vejo a consciência necessária sobre a gravidade da covid-19”. Vanessa acrescenta que o país chegará logo ao pico de casos e sente que “o Brasil anda na contramão das outras nações”.
Marina Keppe, 23 anos, descreve a fiscalização do isolamento em Saint Étienne, na França, como tão rígida quanto a portuguesa. Ela estuda engenharia na Escola Nacional de Engenheiros (Enise) há sete meses e se sente tranquila não apenas pelas medidas tomadas, “mas pelo respeito das pessoas”. Em 16 de março, Emmanuel Macron, presidente da França, declarou quarentena e estipulou regras: a permanência fora de casa é de uma hora e apenas com um documento específico em mãos, que tem de ser preenchido com nome, data de nascimento e endereço.
À exceção de farmácias e supermercados, onde só podem entrar quatro pessoas por vez e a distância mínima entre os indivíduos nas filas é de um metro, todos os estabelecimentos se encontram fechados. Em uma ida ao mercado, Marina foi parada pela polícia e teve de mostrar documentos. Tudo certo no caso dela. Mas quem se nega a seguir ordens leva multa e corre risco de prisão.
“Conversei com minha família e decidi permanecer na França porque considero o sistema de saúde daqui mais forte que o brasileiro”, afirma. Mesmo com os hospitais sobrecarregados, ainda não ouviu nenhum caso como os do Brasil, onde não há testes suficientes e os resultados demoram semanas para sair. Criticando tanto falas do atual presidente Jair Bolsonaro quanto atitudes da população brasileira, Marina diz que nesse momento se sente mais segura do que estaria em seu país natal.
Já para a intercambista Larissa Lima, 29 anos, voltar de Dublin, na Irlanda, para o Brasil não é uma possibilidade. Tendo declarado quarentena parcial no dia 13 de março e full lockdown (quarentena rígida) no dia 29, o governo irlandês já começou a implantar medidas de auxílio financeiro: 350 euros por semana até o fim da quarentena àqueles que têm seus empregos prejudicados. Mercados estão abertos e são abastecidos normalmente. Diferentemente da França, a Irlanda instaurou uma distância de dois metros entre pessoas nas filas, e todos devem fazer uso de máscaras e luvas enquanto fazem compras. A estudante também menciona uma forte fiscalização nas ruas: pede-se que os moradores não se afastem mais de dois quilômetros de suas residências e que não saiam acompanhados. Caso infrinjam alguma das recomendações, os policiais os orientam a voltar para casa. Profissionais da área da saúde podem se locomover desde que apresentem carta assinada pelo empregador.
Larissa é muito categórica ao afirmar que o governo passa confiança à população, informando diariamente, por meio de boletins, a situação da doença no país. O primeiro-ministro Leo Varadkar reativou sua licença médica para exercer a profissão no combate ao coronavírus, atuando semanalmente pelo telefone na avaliação de sintomas dos pacientes do serviço público. “A sensação é de um grande preparo da Irlanda, que dá passos à frente antes que a crise seja maior”, argumenta. Até o momento, o país tem cerca de 5 mil casos confirmados da doença, pouco mais de um terço que o Brasil. “Mas é a segurança que o governo transmite à sociedade que me deixa tranquila em permanecer por aqui”, finaliza.