Projeto de resgate de memórias ligadas ao esporte ganha versão virtual, via teleconferências, durante a pandemia do novo coronavírus
O isolamento da população idosa — só no estado de São Paulo, são mais de 4 milhões de pessoas acima dos 60 anos — é necessário e, ao mesmo tempo, preocupante. Impedidos de receber visitas, os mais velhos precisam lidar com a solidão e com o tédio. Para driblar essas dificuldades da quarentena, o Museu do Futebol foi para o ataque. Com o projeto Revivendo Memórias #EmCasa, o time de educadores da instituição está na área para conversar, por telefone, skype ou hangout, com idosos e outros grupos que podem estar em sofrimento em tempos de distanciamento social.
A ideia surgiu de uma parceria com o Hospital das Clínicas já existente ao vivo, no próprio Museu, que recebe pessoas com doença de Alzheimer para um trabalho de ativação da memória afetiva por meio do futebol. Idealizado e coordenado por Carlos Chechetti, pesquisador do Grupo de Neurologia Cognitiva e Comportamental do HC, o Revivendo Memórias surgiu inspirado no Football Memories do Museu de Futebol Escocês. “Usamos a memória e a paixão da vida dessas pessoas para produzir esses estímulos”, afirma. “É um momento em que eles podem conversar sobre coisas importantes e emocionantes de suas vidas”, completa.
A iniciativa existe há cerca de um ano e, desde a última quinta-feira (2), o núcleo educativo do museu teve que expandir e adaptar o projeto para abranger todas as pessoas de idade avançada, realizando ele por meio de teleconferências. “Se o idoso estiver sozinho ou até com dois familiares, já é possível proporcionar uma conversa agradável para estimulá-los a falar conosco”, diz Chechetti.
O pesquisador também explica como buscar memórias felizes e afetivas pode cativar os idosos. “Ninguém se interessava quando falavam de trabalho e essas coisas da vida. Mas eles perceberam que, quando o assunto era futebol, as pessoas despertavam.” No museu, o projeto também foi expandido para proporcionar essa experiência à quem não gosta tanto assim do esporte — entraram em cena novelas, filmes e músicas. “O futebol e a música são memórias muito fortes, mas queria trazer algo diferente, algo que também fazia as pessoas torcerem e acompanhar o esporte. Por isso, também resgatei as antigas novelas da Globo e Tupi, em que os personagens tinham uma torcida”, explica o idealizador.
Chechetti citou o exemplo do Seu Gilberto, um paciente de 90 anos portador de alzheimer que até gosta de futebol, mas prefere poesia. “Se estamos conversando sobre futebol ele vai respondendo normal, mas quando falamos em poesia, ele muda completamente. Começa a recitar e até puxa o violão para começar a cantar. É isso que buscamos.”
De acordo com Ialê Cardoso, coordenadora do núcleo educativo do museu, 14 pessoas da equipe estão responsáveis por atender os idosos nesse momento. “A gente percebe o sorriso no rosto deles no momento em que estamos ali, estimulando o protagonismo. Eles não querem desligar, não querem acabar a chamada. Se sentem importantes”, afirma Cardoso. Ela também ressalta que é importante as pessoas idosas se sentirem ouvidas nesse momento de isolamento social, de perceber que tem alguém ali preocupado com elas. Afinal, muitos deles estão afastados das pessoas que têm e amam. “Devemos parar e ouvir as histórias que eles gostam de contar”, completa Cardoso.
As conversas do Revivendo Memórias #EmCasa acontecem de terça a sexta em dois horários, das 10h às 11h e das 15 às 16h. Os atendimentos individuais são feitos nas terças e quintas; quarta e sexta-feira são atendidas casas de repouso e entidades sociais que ajudam outros grupos fragilizados, como pessoas com deficiência e pessoas em situação de vulnerabilidade. Os agendamentos para conversa podem ser feitos pelo próprio idoso ou cuidador através de e-mail ([email protected]) ou pelo telefone (11) 99113-0226, de segunda a sexta, das 9h às 12h.