Professor da Cásper nos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda, Fábio Ciquini depõe em crônica a convivência com a doença.
A seguir, confira a crônica de Fábio Ciquini, professor da Cásper nos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda, sobre a travessia da COVID-19.
Não, não é apenas uma ‘gripezinha’, posso afirmar.
Mesmo com todos os cuidados de higienização e o afastamento social tão necessários para que o vírus não se alastre, fui infectado, provavelmente, pela minha companheira que é enfermeira e está na linha de frente do combate. Chegando ao hospital, disse à equipe de enfermagem que sentia dores no corpo, muito cansaço e alteração no paladar.
– “Tem alguma suspeita na família de Covid?” perguntou a profissional na triagem.
– Minha esposa testou positivo no sábado, disse.
– “Siga o adesivo preto no chão até o espaço exclusivo de atendimento de doenças respiratórias, não tire a máscara e boa sorte”.
O ‘boa sorte’ ressoou estranho. Foi uma gentileza, claro, mas ir ao hospital, procurar atendimento especializado e ouvir “boa sorte” me preocupou. (depois de algumas horas após sair do hospital eu entenderia o que a enfermeira quis dizer).
Depois de rapidamente ser atendido por uma médica infectologista e contar sobre os sintomas e a proximidade doméstica do vírus, ouvi:
– Você provavelmente está com Covid-19, vou pedir exame de sangue e raio-X dos pulmões.
– Provavelmente? Não farei a testagem para Covid? Perguntei
– Não, não há testes para todos. Somente para pacientes graves e profissionais de saúde.
Como o exame de raio-x indicou haver secreção em um dos pulmões, recebi o diagnóstico de infecção aguda das vias aéreas superiores não especificada, e a indicação de repouso e isolamento absoluto.
Apesar dos cuidados médicos obrigatórios que deveria ter, o que me tirava o sono era o fato de eu e minha companheira estarmos infectados e dividindo o espaço de casa com nossa filha Alice de 6 anos. Quem tem filhos sabe o que é uma criança dentro do apartamento em uma quarentena. São uma usina de energia: cantam, dançam, jogam bola, andam de patinete e também fazem participações especiais em nossas aulas online.
E como ficar isolado? O tempo todo nos procuram, nos abraçam e pulam na gente. Se fosse ‘apenas’ a quarentena já seria muito desafiador. Mas e quando os pais infectados estão no mesmo ambiente junto a uma criança sã, com muita energia e entediada? Realmente não sabíamos o que fazer. Precisaríamos mesmo de sorte , como desejou a moça no hospital.
Nos dias que se seguiram, comer era estranho pois não sentia o gosto dos alimentos, ficar sentado era desconfortável pois doía o corpo, e caminhar até a cozinha para pegar água era uma maratona: o ar faltava, você tenta puxá-lo mas não consegue. É desesperador.
Recentemente em uma entrevista à mídia francesa, o genial antropólogo Edgar Morin afirmou: “viver é navegar em um mar de incertezas, através de ilhotas e arquipélagos de certeza nos quais nos reabastecemos”. A minha travessia com o coronavírus foi tempestuosa e amedrontadora. As dores e limitações do corpo não pedem licença: em um dos dias, lendo deitado na cama, me faltou ar. Só consegui pensar na família e nos amigos. Será que voltaria a vê-los? Fui me aquietando e respirando melhor depois de alguns minutos. Voltar a puxar o ar para dentro dos pulmões me deixou feliz como nunca antes.
Em meio às incertezas e medos, houve o amor e fé das mensagens de familiares e amigos. Houve também a paciência e o entendimento da Alice, que via os pais limitados também para brincar. Há os profissionais de saúde que heroicamente enfrentam a pandemia e haverá de continuar existindo a ciência e pesquisa, todos arquipélagos de certeza, assim como os reencontros com os nossos (como fazem falta!), os abraços e risadas, as conversas em meio aos cafés e cervejas.
Aos obscurantistas e necropolíticos, deixemos os shoppings com suas trilhas sonoras de saxofone e aglomerações consumistas.
Que sigamos singrando o pandemônio da pandemia.