Dados mostram aumento 171% no desmatamento e, segundo pesquisadores, o local se aproxima de situação irreversível
De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o mês de abril teve um aumento de 171% em relação ao mesmo mês no ano passado, o maior índice dos últimos 10 anos. Também, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desflorestamento na Amazônia, nos primeiros quatro meses de 2020, foi 55% maior do que o mesmo período em 2019.
Com esse cenário, o procurador da República, Rafael Rocha, fala o porquê desses casos não diminuírem durante a pandemia. “Desmatador não faz home office”, afirma. Buscando evitar isso, no dia 23 de abril, a Força-Tarefa Amazônia, do Ministério Público Federal (MPF), entrou com uma ação na justiça para obrigar o governo federal a agir contra os crimes ambientais na região. “Existe uma atuação muito forte, à margem da lei, desses agentes de destruição (grileiros, madeireiros e garimpeiros), ameaçando a existência da floresta amazônica e a continuidade dos povos nativos no lugar em que vivem”, detalha o procurador.
Reforçando a discussão, Valcleia Solidade, superintendente de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), diz sobre a falta de fiscalização e o aumento do desmatamento. “Tem a ver com o enfraquecimento do comando e controle na floresta. Se não tem controle, o descontrole assume”, afirma.
De acordo com a superindentende haverá um problema social, caso essas ações continuem. “Vai ser o caos. Miséria e violência vão aumentar se as comunidades vierem para a cidade. Eles não têm a mesma formação, vão ter dificuldades para adentrar o mercado de trabalho”, explica.
Dentre as medidas solicitadas na ação do MPF estão: a instalação de bases fixas, para controle, dotadas de recursos humanos e materiais; e o bloqueio de atividades como a movimentação de madeira nos municípios quais se situam os hot spots – locais mais atingidos pela derrubada de árvores. Além disso, o procurador da República também aponta que a estruturação dos órgãos responsáveis é uma necessidade.
O procurador do Meio Ambiente do estado do Amazonas, Daniel Viegas, acrescenta que, apesar da fiscalização existir, é importante ter a regularização fundiária para proteção ambiental. “A ação ostensiva da polícia existe, mas o território é muito grande, tem lugares em que você só consegue ir de seis em seis meses. Garantir a regularização de quem vive na floresta, respeitando a forma como já se estabeleceram, é a melhor forma de proteger (o ecossistema). É só ver as unidades de conservação, que tem registro negativo de devastação”, comenta.
Os dados do INPE, referentes a março, corroboram com o discurso do procurador amazonense. O desmatamento em unidades de conservação estaduais e federais caiu 86% e 85%, respectivamente, quando comparado com o mesmo espaço de tempo em 2019.
Contudo, o mesmo levantamento do INPE indicou que a única categoria de terra a apresentar aumento nos índices de devastação foi a de glebas federais — terreno próprio para cultivo que ainda não foi dividido judicialmente. O aumento registrado foi de 299% no período. Esses dados mostram que os desmatadores estão migrando para as áreas da federação não regularizadas. De acordo com o membro do MPF, o fenômeno é resultado “dos sinais que o governo federal transmite, como a redução da atuação do IBAMA. Pela primeira vez em vinte anos foram registrados menos de três mil autos de infrações na Amazônia. O desmatamento aumenta e a fiscalização diminui”, alega.
Em relação a grilagem, que consiste na apropriação indevida e na posterior privatização de áreas públicas, o procurador Rafael Rocha pontua. “Existe uma expectativa muito grande hoje de que o sujeito vai invadir uma terra pública e não vai ser incomodado pelo IBAMA. E, em breve, ele será contemplado por uma iniciativa de regularização”, explica citando o Projeto de Lei 2633/20.
A medida pública tem autoria do deputado federal Zé Silva, Solidariedade-MG, e também é conhecida como PL da Grilagem. Esse nome foi dado porque o projeto permite a regularização de imóveis de até seis módulos rurais. Contudo, a legislação brasileira classifica como pequena propriedade aquelas que ocupam no máximo quatro módulos. “Esse é o procedimento padrão da grilagem”, pontua Daniel Viegas.
Este, inclusive, é o ponto de maior preocupação do procurador do Amazonas, já que isso pode levar ao estabelecimento de grandes latifúndios na Amazônia. “Pode ser um caminho sem volta. Imensas propriedades colocam a perder toda a biodiversidade, que é o que pode gerar receita e o desenvolvimento consolidado do estado”, alerta.
O procurador da República segue a mesma linha, e cita os estudos de Thomas Lovejoy, da George Mason University, e o de Carlos Nobre, da USP, publicado no jornal científico Science Advances. Os pesquisadores concluíram que 20% da área brasileira da Amazônia foi derrubada e a floresta está próxima de um ponto de não-retorno. “Quando chegarmos neste estágio, haverá um desequilíbrio ambiental e a Amazônia será savanizada. Estamos falando de perda de serviço ambiental, perda de biodiversidade. A cura de várias doenças, inclusive do coronavírus, pode sair de uma planta na Amazônia. Também há a preocupação com o modo de vida tradicional, que é dependente da floresta. Se o sujeito vive da pesca, da agricultura familiar, ele vai sobreviver do que?”, questiona o integrante do MPF.
Procurados por ESQUINAS, o gabinete da Presidência, ministério do Meio Ambiente e o deputado Zé Silva, autor da PL 2633/20, não retornaram o contato até a data de publicação desta reportagem.