Na segunda posição, haitianos são 7% do ranking de alunos de fora do país em mais de 1.300 instituições na cidade
Segundo dados do Governo de São Paulo sobre o número de alunos estrangeiros matriculados em todas as redes de ensino do estado e divididos por nacionalidade, bolivianos representam 49,3% dos estrangeiros no ensino básico da capital paulista. Em segundo lugar, estudantes haitianos compõem 7% desse grupo. A lista, organizada em 2019 pela Secretaria da Educação do estado paulista, contém 115 nacionalidades. Catorze delas são 88% dos alunos estrangeiros na educação básica da capital.
Entre as explicações para esse fato está a forte entrada de estrangeiros no Brasil. A Lei de Migração (nº 13.445), de novembro de 2017, promete a proteção dos direitos humanos de refugiados e migrantes no país. Ela substituiu o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, época do regime militar, que abordava os fluxos migratórios do ponto de vista da segurança nacional.
A lei é considerada uma das legislações mais avançadas nesse quesito dentro da América Latina. “Ela traz uma perspectiva completamente diferente. Fala sobre direitos humanos dos imigrantes e sobre os vieses da política migratória brasileira numa perspectiva em consonância com as obrigações que o Brasil assumiu perante o sistema internacional”, declarou Carolina Claro, professora de Direito Internacional da Universidade de Brasília (UnB), em entrevista à TV Senado na época da promulgação. Além disso, no seu texto prevê a criação de uma estrutura de acolhimento a essas pessoas e garante a concessão de refúgio em casos de violação de direitos humanos no país de origem delas.
Não por acaso, segundo o relatório do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) — que coleta os números de registro pela Polícia Federal —, as principais nacionalidades que entraram no país entre 2010 e 2018 foram haitianos, bolivianos, venezuelanos, colombianos e argentinos, em ordem decrescente. As três primeiras vêm ao Brasil em busca de refúgio, como a lei 13.445 prevê, diante da situação político-econômica de seus países de origem. No mesmo período, foram registrados cerca de 493 mil imigrantes de longo termo no país, isto é, aqueles que permanecem no Brasil por um período superior a um ano. Pouco mais de 61% eram homens e São Paulo foi o único estado brasileiro que ultrapassou a marca de cem mil registros para imigrantes desse tipo de 2011 a 2018.
A abertura de fronteiras a imigrantes também foi frequente no ano passado. Na cidade de São Paulo, foram registrados mais de 24 mil imigrantes, sendo 4.951 estudantes ou menores de idade não estudantes. Destes, considerando as principais nacionalidades que entraram no país de 2010 a 2018 pela Polícia Federal, 1.391 (28%) eram alunos bolivianos; 476 (9,6%), haitianos; 461 (9,3%), venezuelanos; 221 (4,4%), colombianos; e 113 (2,2%), argentinos. Os números são do Sistema de Registro Nacional Migratório (SisMigra), do Portal de Imigração do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O Censo Escolar de 2014 — último realizado no país pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), do Ministério da Educação — aponta que existiam quase 50 milhões de alunos matriculados no ensino básico brasileiro. O estado de São Paulo sozinho equivale a 20,7% desse total.
Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que, em 2018, havia 1.803.850 matrículas na capital paulista, sendo 76,7% no ensino fundamental. A taxa de escolarização de crianças e adolescentes de 6 a 14 anos de idade na cidade é de 96%, valor que representa o percentual entre o número de estudantes registrado e a população da faixa etária própria ao nível de ensino de uma região. Esse valor, entretanto, está entre os mais baixos do estado, ficando na 600ª posição quando comparado com os 644 municípios paulistas restantes.
Em relação ao número de estudantes estrangeiros que abre esta reportagem, do total de 9.467 alunos de fora do Brasil inseridos na educação básica paulista, 4.671 vêm da Bolívia. Grande parte está matriculada em escolas públicas, sendo 85% nas instituições estaduais e 14% em municipais. Apenas 55 alunos fazem parte de colégios privados da capital, o equivalente a 1% desses estudantes.
As escolas que concentram maior quantidade de alunos bolivianos localizam-se nas zonas central e leste da cidade. Na E.E. Padre Anchieta, no Brás, há 17 nacionalidades além dos brasileiros, como Paraguai, Angola, Peru, Síria e Bangladesh — distribuídas entre 171 estrangeiros, sendo 125 bolivianos. Logo atrás, os colégios estaduais que lideram o ranking com discentes da Bolívia são: E.E. Frei Paulo Luig (122 alunos, no Pari), E.E. Domingos Faustino Sarmiento (113 alunos, no Belém), E.E. Eduardo Prado (110 alunos, no Brás) e E.E. Amadeu Amaral (93 alunos, no Belém também). Até o fechamento desta reportagem, não tivemos resposta desses colégios para entender seu posicionamento frente aos alunos de fora do país.
O Governo do Estado de São Paulo divide os colégios em diretorias de ensino para as zonas de administração, que são leste (cinco regiões), norte (duas regiões), sul (três regiões), centro, centro oeste e centro sul. A maior concentração desses alunos é na diretoria leste, com 2.256 estudantes. A central possui 1.161, seguida pela norte, com 938. As três últimas posições são das diretorias centro sul (155), sul (126) e centro oeste (35).
Cleonice Castilho trabalhou por 20 anos na E.E. Matilde Macedo Soares, no bairro do Limão (diretoria de ensino central), que anualmente recebe um número significativo de alunos imigrantes – especialmente bolivianos. Em 2019, havia 23 discentes da Bolívia matriculados, um argentino, um colombiano e outro equatoriano. Segundo a professora, não há políticas de inclusão voltadas para essas crianças e a própria escola acaba encontrando uma forma para inseri-las. “O principal desafio é que não há muito respaldo. A gente nunca teve muita ajuda da Secretaria da Educação em relação aos alunos imigrantes”, argumenta.
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A professora tem formação em educação especial e conta que, na Matilde Macedo Soares, uma alternativa eram as salas de recurso, destinadas para crianças com necessidades especiais. Algumas eram atendidas separadamente, no contraturno das aulas.
Diante desse cenário, os esforços para a inclusão de alunos estrangeiros partem dos próprios educadores. Arlete Jordano lecionou no ensino básico da E.E. Professora Marina Cintra, também da diretoria de ensino central. Além alunos bolivianos, a professora e psicopedagoga conta que teve experiência com crianças indianas e coreanas, com mínimo ou nenhum conhecimento da língua portuguesa. “Se houver um professor com um olhar mais apurado para esses alunos, então ele vai ter um cuidado maior, em especial se estiver entre o primeiro e terceiro anos do fundamental. No quarto e quinto anos, não tem esse mesmo cuidado”, ela explica. Em 2019, havia 23 matriculados estrangeiros na antiga escola de Jordano, sendo 17 de países vizinhos ao Brasil.
Segundo a professora, não existe nenhuma adaptação desses alunos estrangeiros ou trabalho diferenciado. “Esse aluno tem que ‘entrar no trem’ e ‘vamos embora’”, ela conta. “Seria necessário um processo de alfabetização mais refinado, com mais de cuidado, para que essa criança possa aprender no seu tempo.”
A principal barreira para os estudantes estrangeiros no ensino básico é o idioma. Enquanto são alfabetizados em português durante as aulas, em casa escutam a língua de seu país de origem entre a família. Jordano explica que as escolas buscam criar um relacionamento com os responsáveis dos alunos, incentivando o uso do português também fora da sala de aula.
Já a professora Andréa Lima leciona na E.E. Romão Puiggari, localizada no Brás, região de concentração de imigrantes bolivianos na capital. Segundo a Secretaria da Educação do estado paulista, 15 dos 44 alunos estrangeiros — o equivalente a 34% — vinham da Bolívia. Lima acredita que, além do idioma, existem outros desafios para eles, como as diferenças culturais e até mesmo divergências nas relações familiares.
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Tina Caroline é docente da Stance Dual School, colégio bilíngue da rede de ensino particular da cidade de São Paulo, localizada na Bela Vista. Em 2019, a instituição possuía quatro alunos estrangeiros, sendo um belga e três dos Estados Unidos. Para a professora, não falar o mesmo idioma é algo que afeta não somente a compreensão das aulas, mas a interação entre colegas. “Eu também sou estrangeira e vim para o Brasil jovem, aos 11 anos. Entrei em uma escola quando cheguei, mas não me adaptei porque as outras crianças não entendiam completamente o que eu falava [sua primeira língua é o inglês] e eu não as entendia”, explica.
De acordo com Caroline, é importante para a criança poder conversar no seu idioma nativo. “Tenho uma aluna norte-americana que sempre pede para bater papo comigo no final da aula. Ela fala que, mesmo estudando em um colégio bilíngue onde as crianças falam inglês, ela sente falta de conversar com alguém que a entenda completamente dentro desse ambiente.”
Segundo o Censo de 2010, realizado pelo IBGE, 1,1% das 11.253.472 de pessoas residentes na cidade de São Paulo eram estrangeiras — algo próximo de 120 mil indivíduos. Uma reportagem da Folha de S.Paulo de junho de 2013 apontou que bolivianos se tornaram a segunda maior colônia de estrangeiros na capital, sem contar os descendentes nascidos aqui. A publicação afirma que, nos anos 2000, o registro oficial do Censo do número de bolivianos na cidade cresceu 173%, saltando de 6.578 para 17.960. Em seguida, alega que esse valor poderia ser cinco vezes maior, ultrapassando cem mil, caso também fossem considerados os imigrantes ilegais.
Um artigo do Núcleo de Estudos de População (Nepo), da Universidade de Campinas, indica os bairros do Brás, Bom Retiro e Pari como “os principais pontos de sociabilidade, moradia e trabalho dos bolivianos”. Respectivamente, há seis, três e três colégios com matrículas de alunos da Bolívia nesses locais, de acordo com a Secretaria da Educação paulista.
Apesar do cenário atual ser atípico por conta da pandemia do novo coronavírus e do fechamento de fronteiras, a tendência para 2020 parecia ser de um fluxo migratório intenso, assim como nos anos anteriores. Somente em janeiro, o Brasil recebeu 2.211 estrangeiros que buscavam residência permanente, sendo 301 bolivianos, segundo dados do SisMigra. Haitianos também ocuparam as primeiras posições em número de novos imigrantes no país, seguidos pelos venezuelanos (173), colombianos (68) e argentinos (53).
Consequentemente, o número de estudantes vindos desses países também aumentou nas escolas brasileiras. Neste período, entretanto, o país que mais teve seus estudantes se mudando para o Brasil foi o Haiti, e não a Bolívia. Por pouco, foram 73 estudantes haitianos chegando ao país, dois a mais que os da Bolívia.
Desde 2010, quando um terremoto devastou parte do território do Haiti, o Brasil recebe um fluxo migratório intenso de pessoas vindas do país caribenho. O desastre natural abalou ainda mais a situação do país, que vinha passando por violência e instabilidade política. O fluxo é tão intenso que o SisMigra estima que 49.581 haitianos tenham chegado ao Brasil no período de 2010 a 2016.
As medidas tomadas para incluir essas crianças na educação básica costumam vir dos próprios educadores. Pela experiência das professoras entrevistadas, ter auxílio dos órgãos de Educação voltado aos alunos estrangeiros transformaria a inserção destes nas escolas paulistas. A fim de driblar a barreira do idioma, elas acreditam ser necessário um processo de alfabetização mais refinado, para que o aluno estrangeiro aprenda no seu tempo e possa socializar com os colegas de classe — fator importante na vida escolar —, sendo relevante também a preparação de docentes com ferramentas e capacitação para ensino especial.