Com a necessidade do isolamento social, comércio de artigos religiosos tem de se reinventar apostando no delivery; veja como a transição ocorreu
“As pessoas estão com suas fés abaladas, me sinto bem de ajudá-las”, diz Fernando Magalhães, 51 anos, comerciante de artigos religiosos. Fernando foi um dos muitos trabalhadores paulistas que teve de se adaptar à nova realidade do distanciamento social. Não só financeiramente, mas espiritualmente também.
Assim como os demais setores, o comércio de produtos esotéricos e de religiões de matriz africana foi severamente afetado pela crise da covid-19. Parte pelo fechamento de templos religiosos, incluindo terreiros, parte pelo fechamento das próprias lojas.
Ainda assim, trabalhadores do setor, como Fernando, aderiram ao delivery e migraram suas lojas para o ambiente virtual a fim de sobreviver. “Antigamente, eu e minha esposa Vanessa ficávamos nos terreiros durante os rituais para fornecer o que os assistidos precisavam. Vela, cristal, fitas… essas coisas. Mas aí chegou essa pandemia, os pais de santo tiveram que fechar as portas e eu e a Vanessa tivemos que nos reinventar”, conta. “Foi aí que nós decidimos criar um grupo de WhatsApp com os sacerdotes dos terreiros e com os próprios fiéis. Por lá mandamos promoções e nossos clientes pedem os elementos que precisam”, completa.
A umbanda é uma religião que requer diversos materiais naturais, chamados elementos, para realizar seus rituais, como velas coloridas, ervas aromáticas, incensos, recipientes de barro e colares de contas. É aí que entram os lojistas esotéricos. “Tenho uma clientela bem fiel, atendo uns seis terreiros diferentes e todo mundo que frequenta só compra comigo. Desde março faço entregas a domicílio dos elementos, em média 10 a 12 por semana. As pessoas continuam consumindo em seu culto pessoal, mas a demanda diminuiu muito”, diz.
Fernando foi um dos beneficiários do auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal a comerciantes e trabalhadores autônomos. Sem o auxílio não seria possível comprar os materiais de seus fornecedores para a revenda nem os insumos para sua produção própria.
Desde 27 de março, as federações paulistas de umbanda proibiram a atividade de todos os templos afiliados. Em uma nota publicada em conjunto, recomenda-se o cessamento de toda atividade religiosa dentro dos terreiros, que normalmente são espaços apertados e que impossibilitam o distanciamento social. A medida atingiu mais de 500 terreiros de umbanda e candomblé no Estado de São Paulo. Segundo Edson dos Anjos, 68 anos, presidente da Associação Paulista de Umbanda (APU), trata-se de uma religião de muito toque e contanto físico direto, o que exporia seus fiéis ao risco de infecção. Dessa forma, optou-se pelo fechamento, mesmo que o presidente da República Jair Bolsonaro tenha declarado a liberdade de escolha dos espaços religiosos.
“Mas tenho certeza que todos os médiuns, todos os pais de santo estão dispostos a dar acalento e palavras de consolo a quem precisar. Estamos distantes, mas nossa fé nos une”, diz Fernando. E conclui: “Nossos guias espirituais e nossos orixás não nos abandonariam, muito menos agora.”