Brasileira e libanesa que estavam a metros da tragédia em Beirute descrevem o medo que sentiram e como o desastre as afetou
“Era só uma terça-feira normal”. Foi assim que Elissar Atwi, 18 anos, começou a descrever o último dia 4 de agosto que, no entanto, não teve nada de normal. No mesmo dia, a brasileira presenciou a enorme explosão ocorrida no porto de Beirute, no Líbano.
As causas do desastre ainda estão sendo investigadas, mas o navio destruído continha cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, substância geralmente utilizada como fertilizante, mas que também pode ser útil na produção de explosivos. Segundo as últimas informações do Ministério da Saúde do Líbano, a explosão causou 160 mortes e deixou mais de 6 mil feridos.
A fim de estudar a língua árabe, Elissar estava morando com sua tia desde fevereiro na capital libanesa. Ela conta que, por volta de 17h30 no horário local, seis horas à frente de Brasília – DF, ligou o computador para assistir às aulas online. Mas ouviu um barulho semelhante ao de um trovão. Ao olhar pela janela, viu o porto, a menos de um quilômetro do apartamento, pegando fogo, então ligou para a tia, que estava na casa de uma amiga, para avisá-la. Momentos depois, foi arremessada para longe com a força da segunda explosão.
“No começo eu fiquei muito em choque. Não sabia que era uma explosão, então achei que ia voltar a acontecer. Pensei que podia ser um atentado, por isso saí de casa correndo por cima do vidro mesmo, de pijama, descalça e toda sangrando. Até que encontrei minhas vizinhas do andar de baixo e vi que não era só eu que estava machucada”, relata.
Sem saber o que aconteceria, Elissar diz que preferiu ficar perto de sua vizinha enquanto as duas tentavam ajudar outras pessoas em situação pior. “Quando a gente foi para a rua, mesmo sem conseguir enxergar direito, vimos aquele caos, cheio de poeira, todo mundo ferido. Estava tudo quebrado, vi gente morrendo na minha frente”, lembra.
Em seguida, conseguiu uma carona para um hospital. “Na hora eu pensei: ‘Não vou pegar o lugar de quem precisa de verdade’. Eu só queria comunicar a minha família para dizer que eu estava viva”, explica. Em meio ao caos e com dificuldade de achar uma forma de contatar seus familiares, Elissar encontrou um professor que a ajudou.
Relembrando o desespero sentido naquele dia, ela afirma: “Eu pensava que ia morrer. Para mim não era só uma explosão, então eu só fiquei tentando achar uma forma de sobreviver. Só depois entendi o que realmente tinha acontecido”.
A brasileira não foi a única que julgou a explosão como um ataque com bombas. A libanesa Reine Matta, de 28 anos, estava passando de carro pela rua Mar Mikheil, a cerca de 900 metros do porto de Beirute, após dar uma carona para colegas de trabalho. Ela conta que ouviu o primeiro estrondo e viu fumaça saindo daquela região. Na tentativa de se afastar daquilo, começou a dirigir mais rápido. Porém, segundos depois, ouviu “uma explosão tremenda” e viu a fumaça se espalhar pela cidade destruindo as ruas e os carros, inclusive o dela.
“Eu estava morrendo de medo. Primeiro achei que as explosões fossem bombas, estava com medo de um terceiro bombardeio acontecer e eu morrer. Quando a fumaça atingiu meu carro, eu rezei para sair viva e não me machucar com todo o vidro vindo dos prédios quebrados”, relata Reine.
Consequências da explosão no Líbano
Seu local de trabalho, o centro de cultura espanhola Instituto Cervantes of Beirut, foi totalmente destruído. No entanto, o maior dano será psicológico: “Nós ficamos chocados e profundamente tristes. Eu e minha família estamos muito gratos por eu ter saído viva, mas mais de 140 pessoas perderam suas vidas e mais de mil foram feridas. Muitos perderam suas casas e carros. Além disso, eu não vou esquecer tão cedo esse sentimento de pavor que me tomou”.
A vida da brasileira Elissar também foi muito afetada pela explosão. Por conta da covid-19, ela estava com passagem comprada para voltar ao Brasil no dia 12 de agosto. Porém, com medo da situação no Líbano se agravar após o suposto acidente, adiantou a viagem para o dia 8.
“Não sei quanto tempo vou levar para superar isso, mas nunca vou esquecer. Ainda estou bem assustada, às vezes não consigo comer ou andar muito. Mas acredito que isso vai me dar outra perspectiva de vida, vai abrir minha mente e talvez até mudar meu pensamento sobre muitas coisas”, diz.
O presidente do Líbano, Michel Aoun, afirmou que as causas do acidente estão sob investigação. No entanto, o clima de insatisfação se agravou no país, que já sofria com grande instabilidade política, econômica e social. Na última semana, diversos protestos ocorreram na capital libanesa e alguns políticos, como o primeiro-ministro Hassan Diab, renunciaram aos seus cargos no governo.
Segundo documentos analisados pela Reuters, autoridades do Líbano haviam avisado o primeiro-ministro e o presidente em julho a respeito do risco representado pelas 2.750 toneladas de nitrato de amônio armazenadas no porto de Beirute.
“A situação no Líbano é precária. Muitos culpam o governo pela corrupção, negligência e má gestão que levaram a esse desastre”, explica Reine, que morou em Beirute durante toda a sua vida. Elissar ressalta a falta de apoio das autoridades para com a população: “Infelizmente, o governo daqui não é nada bom. Eles não estão dando suporte nem apoio financeiro ou emocional para as pessoas. Na minha opinião, eles têm grande culpa nisso porque as leis não funcionam aqui. Talvez se houvesse mais fiscalização no porto, isso não teria acontecido”.