O Plano São Paulo, do governador João Doria, estabeleceu o retorno às aulas para o dia 7 de outubro se houver condições sanitárias para isso
No início de agosto, Miguel*, professor de Ensino Fundamental e Médio da rede privada de São Paulo, recebeu a notícia de que a escola onde trabalha iria retomar as aulas presenciais em 8 de setembro. Segundo a instituição em que dá aula, a decisão foi tomada com base na opinião de pais e funcionários. Mas os professores, principais responsáveis pelas salas de aulas, mal foram consultados.
De acordo com o Plano São Paulo, lançado em maio pelo governador João Doria, a meta era retomar as aulas presenciais em setembro se houvesse condições sanitárias adequadas. Porém, com o aumento do número de casos de coronavírus a reabertura foi adiada para o dia 7 de outubro nas redes pública e privada. Ainda assim, as escolas podem reabrir em setembro apenas para recuperação e “atividades de acolhimento” aos alunos, dependendo da situação epidemiológica de cada município.
Na capital, o prefeito Bruno Covas anunciou que a retomada ainda não será possível. Em 25 de agosto, o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieesp) entrou com recurso na Justiça para manter a retomada das aulas presenciais nas escolas particulares ainda esse mês. Três dias depois, 28 de agosto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) negou o pedido.
Com isso, a escola de Miguel decidiu esperar o andamento dos processos para a volta às aulas. Segundo o professor, a diretoria questionou a equipe docente sobre os sentimentos quanto à possível retomada, mas essa não era a maior preocupação. “A pressa pela reabertura é por questões econômicas, para não quebrar”, opina.
Contudo, Miguel conta que se a escola onde trabalha decidir reabrir antes de outubro, recorrerá ao Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP). Mesmo assim, acredita que será demitido se for uma voz solitária.
Ele também pondera que a postura de cada profissional diante dessa situação depende de sua realidade individual: se for necessário voltar, alguns irão se submeter para não perder seus empregos. “Espero o mínimo: que os professores observem os dados científicos e tenham a coragem de questionar”, afirma.
Segundo levantamento de alguns professores da rede privada na capital, essas instituições de ensino coordenam comissões especiais formadas por pais de alunos para criar protocolos à retomada antecipada. Além disso, também contratam consultorias de saúde para auxiliar no processo.
Alguns dos cuidados estabelecidos pelas instituições seriam: capacidade reduzida de pessoas nas dependências da escola; revezamento de alunos; horários de intervalo e de saída diferenciados; e rastreamento quanto à vacina e condições de risco.
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MAIS UM CENÁRIO
A escola Sol da Vila é uma das instituições de ensino que irá abrir para aulas presenciais em setembro. O local oferece serviços de Berçário e Educação Infantil na Vila Madalena.
Através de amigos, Laura*, professora da rede privada de São Paulo, ficou sabendo dos planos de reabertura da instituição ainda em agosto. Para confirmar, ligou à secretaria da instituição e ouviu a confirmação sobre a volta às aulas.
Inconformada, Laura decidiu fazer uma denúncia ao SinproSP e teve contato com outros professores que souberam de situações semelhantes através de grupos no WhatsApp. “Para mim, envolver-se com essa questão é parte do meu papel como educadora, é uma forma de dizer que não está tudo bem”, destaca.
Segundo ela, os professores querem se colocar contra uma retomada antecipada, mas têm medo de retaliação. “O movimento dos colégios particulares é para manter e reter matrículas, deixando de lado a saúde de pessoas insubstituíveis”, afirma Laura. “A prova de que a preocupação não é com a educação é que não existem métodos pedagógicos para a retomada. Os professores, além de se exporem a riscos, terão que trabalhar dobrado ao atender as aulas presenciais e a distância”, completa.
ESQUINAS tentou entrar em contato com a diretoria da escola Sol da Vila, mas não obteve retorno até o momento da publicação desta matéria.
A professora Laura trabalha em outros colégios que, segundo ela, seguem à risca todas as recomendações de saúde do governo estadual e municipal. “Se as minhas escolas conseguem, por que as outras não? É possível educar de forma responsável.”
POSICIONAMENTO DO SINDICATO
Em 11 de agosto, o SinproSP lançou um pronunciamento oficial criticando a postura das entidades e associações patronais como o Sieesp e a Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar). “Mais um motivo para acreditar que a estranha decisão do governo estadual de adiar as aulas presenciais para outubro e, ao mesmo tempo, autorizar a abertura das escolas em setembro, foi provocada pela pressão da rede privada de ensino”, diz a nota.
Para a 1° secretária do SinproSP, Silvia Bárbara, o retorno às aulas deve acontecer apenas quando a epidemia estiver suficientemente controlada. Segundo a entidade, até mesmo abrir a escola para atividades de acolhimento é tão perigoso quanto o retorno ao funcionamento regular. “Deveríamos discutir e planejar a reabertura em 2021, pensar em um plano para o próximo ano”, afirma Silvia.
Ela explica ainda que as escolas privadas normalmente respondem ao governo estadual, mas no contexto da pandemia, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a última palavra é da Prefeitura. Sendo assim, quem impede ou não a reabertura é o prefeito Bruno Covas.
Nos últimos tempos, Silvia Barbara relata que recebeu algumas denúncias de escolas tentando retomar as aulas antes do determinado. “Geralmente, são escolas pequenas que não querem perder alunos”, explica. Como a normatização fica a cargo da Prefeitura, o SinproSP apenas busca provas e as apresentam ao município. “Essa não é nossa função, pois cuidamos principalmente da área trabalhista. Mas no contexto atual, se fez necessário”, afirma a 1° secretária.
*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das fontes