Motoboys falam dos desafios da profissão que se tornou essencial na pandemia, mas ainda não oferece segurança aos entregadores dos aplicativos de delivery
Chega a hora do almoço e o celular do Frederico Júnior não para de apitar. Ele trabalha como motoboy em Betim, Minas Gerais, e faz a maior parte das suas entregas do dia nesse horário. “Tenho que fazer pedidos toda hora, é difícil eu ficar parado”, diz. Ele começou a trabalhar no ramo por causa da pandemia e, desde então, das 11 às 14 horas, não sai da rua, faça chuva ou faça sol, aumentem ou diminuam os casos de coronavírus no Brasil.
De acordo com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o número de motoboys ativos no País é de quase um milhão de pessoas, e a maioria trabalha informalmente. Muitos viram ali uma oportunidade de sair do desemprego e completar a renda familiar. Mas, de acordo com o economista Adalton Diniz, “eles se iludam com a renda maior, porque se houver algum problema, eles não têm garantia a nenhum direito”. Sem carteira assinada, a segurança é bem menor, além da “a imprevisibilidade do dia de amanhã”, como lembra o motoboy autônomo Felipe Silva, 26, “porque é tudo incerto nessa pandemia”.
Mas muitos entregadores também tiveram uma queda na renda, já ela é geralmente baseada pelo que produziram durante a jornada de trabalho. E motoboys que trabalhavam para determinadas empresa tiveram que lidar com a falta de serviço, cortes de gastos e limitações financeiras impostas aos seus empregadores pela crise. Isso, sem contar com os aumentos constantes no preço da gasolina, que reduz o lucro final, como destaca o Felipe. Para o motoboy, é essencial que haja uma redução do combustível.
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Como se não bastasse os problemas para fechar a conta no final do mês, os entregadores ainda precisam se arriscar todos os dias saindo de casa no meio de uma pandemia. E essa
não é uma tarefa fácil, já que aa cada pedido, é um novo contato com uma pessoa diferente. Para a bióloga Ornella Gonçalves, formada pela Universidade de São Paulo (USP), o risco de um motoboy se contaminar com a covid-19 é alto, afinal, “a principal forma de se contrair o coronavírus é estando próximo de infectados”, lembra.
A situação é ainda mais arriscada porque nem todas as empresas e aplicativos de entrega ofereceram kit de proteção ou orientações sanitárias. Além disso, há pessoas que não respeitam o uso de máscaras na hora das entregas, peça indispensável para minimizar o risco de contágio e transmissão do vírus.
Todo esse cenário fez com que muitos motoboys se sentissem desvalorizados com chegada da pandemia, mesmo o trabalho deles sendo fundamental para que milhares de outras pessoas pudessem ficar em casa. Para o Felipe Silva, é isso que ele mais sente falta em relação ao tratamento com os entregadores e o respeito à profissão.
É cada vez mais difícil ser motoboy em um país onde os números da pandemia só amentam e a recuperação da economia parece não acontecer. A saída, para os motoboys, não é muito diferente da que os demais setores da economia esperam: vacina e a volta à normalidade. Enquanto esses anseios não se realizam, o Frederico, o Felipe e tantos outros entregadores pelas ruas esperam um pouco mais de reconhecimento de um País que
precisa mais do que nunca deles para se movimentar.