A pandemia impôs dificuldades na educação remota de alunos com deficiência, que se sentem desmotivados e excluídos
A covid-19 mudou completamente as formas de ensino, com a implementação de aulas online e novas técnicas de aprendizado à distância. Porém, alunos portadores de deficiência auditiva foram mais prejudicados que os demais, visto que não tiveram suas necessidades atendidas em mais de um ano de distanciamento social.
Para Thalia Nattalie Neres da Silva, interlocutora de libras, os alunos que possuem alguma deficiência auditiva não ficaram confortáveis com as aulas remotas. “Eles sentem falta da escola, do material físico e do professor para esclarecer melhor suas dúvidas”, conta. Soraia Ferreira Neres, também interlocutora, ressalta que os desafios foram grandes. “Primeiro, a dificuldade que os professores tinham para inserir o aluno nas aulas, e nós, interlocutores, que tivemos que buscar outros caminhos para fazer a mediação, as adaptando da melhor maneira possível”, relata a interlocutora.
Soraia ainda cita a falta de preparo das aulas oferecidas pelo governo no Centro de Mídias: “A janela com o intérprete passando o conteúdo em libras era muito pequena, e os alunos tinham dificuldade para entender o que estava sendo ensinado, chegando a desistir de assistir às aulas”. Para as interlocutoras, os alunos estão com desempenhos muito melhores agora que as aulas estão voltando a ser feitas de maneira presencial. Além disso, segundo a professora Adriana Lopes Queiroz de Paula, vários estudantes relataram problemas como a falta de legendas nas aulas ao vivo e não conseguirem fazer leitura labial, já que todos usam máscaras.
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Embora as dificuldades tenham se agravado no ensino remoto, na modalidade presencial os deficientes auditivos também encontram desafios. As interlocutoras relatam que diversas vezes os alunos acabam sendo excluídos. “Ainda estamos no começo da inclusão do surdo, e em questões de socialização estamos bem para trás, porque os ouvintes não procuram aprender a se comunicar no idioma deles”, disse Thalia. Para a profissional, o ensino de libras deveria estar inserido no currículo escolar desde a infância, como o inglês e o espanhol, pois trata-se de uma língua oficial brasileira.
Soraia Ferreira ainda destaca outro problema: o próprio deficiente não conhecer e utilizar a libras, pois não foi introduzido à ela em casa. Isso afeta o processo educacional e a própria aceitação da criança de que ela é uma pessoa com deficiência. Na educação desses alunos, é utilizada a integração de imagens, sinalização e a língua portuguesa, para garantir a compreensão do conteúdo. Soraia também fala como em salas de aula onde há pelo menos um aluno com deficiência auditiva os demais acabam aprendendo algumas sinalizações básicas, conseguindo então, incluir o aluno, mesmo que ainda seja necessária a mediação dos interlocutores.
Porém, apesar de todos os avanços das últimas décadas, muitos profissionais discutem como a pandemia piorou esse cenário, como diz a professora Adriana. Ela conta que grande parte dos alunos teve seu ensino prejudicado devido à pandemia. “A defasagem de aprendizado aumentou muito, e a dos alunos deficientes aumentou mais ainda. Quando voltarmos ao ensino totalmente presencial, vamos ter que lidar com problemas superados há muito tempo atrás, porque eles irão voltar à tona”, diz ela.
Para as profissionais, políticas públicas são o principal caminho para a inclusão de deficientes na sociedade brasileira. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, apenas 28% das pessoas com deficiência estão atualmente no mercado de trabalho. “Essa realidade está mudando, mas a passos muito lentos”, diz Soraia, que reforça como a Lei de Cotas nas empresas está ajudando essa parcela da população. Ela acredita que políticas públicas podem inserir as pessoas com deficiência, não apenas no mercado de trabalho, mas na sociedade. “Poder ir ao pronto-socorro, à delegacia de polícia ou à uma loja sem medo de não conseguir se comunicar é um privilégio que muitos ainda buscam obter”, conta ela.
Para Soraia, a educação inclusiva é necessária para o desenvolvimento de todas as crianças. “Independente da deficiência do aluno, a convivência com o diferente é muito importante nas escolas, pois não só o deficiente está ganhando, nós também estamos”, conclui a profissional.