Como as incertezas em relação ao futuro pesaram nos planos reprodutivos e no planejamento familiar das mulheres brasileiras
Gestar, por si só, é um momento mágico e delicado. Porém, a pandemia do novo coronavírus trouxe novas hesitações às famílias brasileiras. “Dava medo trazer uma criança ao mundo sendo que nós nem sabíamos o que estava acontecendo”, afirma Roberta da Silveira, 36, Gestora de Fundos de Investimento e futura mãe do Miguel. Durante a pandemia, 55% das brasileiras alteraram o seu planejamento familiar, segundo um estudo da Famivita. Apesar disso, Lígia Micelli, médica em Ginecologia e Obstetrícia, destaca: “percebi que pacientes mais ‘velhas’ (35 anos ou mais) optaram por engravidar independente da pandemia por medo do insucesso posterior e por não saberem até quando todo o contexto da covid-19 irá perdurar”. A doutora ainda pondera que “em relação à fertilidade, dois anos fazem muita diferença”.
“Para muitas [mulheres] viveu-se a angústia de ‘aguardar ou não’. E com certeza houve um prejuízo na orientação de cuidados, acesso a métodos contraceptivos e de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)”, diz Micelli. A interrupção dos serviços básicos à saúde sexual durante o isolamento mostrou-se como um outro dificultador no planejamento familiar, sobretudo pela escassez de assistência médica. As consequências diretas na fecundidade e nas taxas de natalidade da população ainda são incertas, bem como as contestações dos efeitos pandêmicos. Mas, mesmo com as imprecisões econômicas e sanitárias atuais, muitas mulheres optaram por dar continuidade aos seus direitos reprodutivos durante a crise da covid-19.
O acesso à tratamentos contraceptivos é mais um fator da desigualdade?
Com certeza. As marcas socioeconômicas deixadas pelos anos de 2020 e 2021 ainda são ambíguas. Por outro lado, é explícito o crescimento dos índices de disparidades sociais no Brasil, uma problemática crônica aprofundada pelo novo coronavírus. Se a saúde sexual já foi deixada em segundo plano durante esse período, imagine o aumento descomunal das limitações entre as classes. Sobre isso, a ginecologista salienta: “na rede privada foi possível realizar exames para avaliação de cada paciente. No entanto, pacientes com difícil acesso à saúde provavelmente não conseguiram realizar esta avaliação”.
Lado a lado o poder aquisitivo, a faixa etária também é posta como um aspecto aberto à discussões. Segundo a ginecologista, o atendimento de jovens teve um prejuízo quanto à educação sexual. Para ela, será difícil mensurar o impacto disso na saúde pública, “mas com o passar dos anos, índices de gestações indesejadas, gravidez na adolescência, diagnósticos de DSTs e outros parâmetros vão mostrar a influência dessa dificuldade na sociedade”, analisa Lígia.
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“Eu sempre quis ser mãe”
Em meio a tantos receios, milhares de futuras mães tiveram de lidar com o medo, perdas de entes queridos e mudanças emocionais fomentadas pelo distanciamento social. Roberta, mãe do Miguel, comenta um pouco sobre a experiência: “eu tomava alguns remédios para ansiedade, que precisei parar. Fazia exercícios físicos e comecei a meditar um pouco”. Silveira ainda destaca os efeitos da sua gravidez no comportamento do seu marido, Lucas: “não afetou só a mim, mas o pai também. Ele acabou se dedicando bastante ao trabalho, ficou mais ansioso e nervoso. A gravidez atinge não só a mulher, mas o parceiro também. Eu senti muito isso”. O número de mulheres que planejam conceber após os 30 anos é cada vez mais comum, em especial pelo desejo de se estabelecerem no mercado de trabalho e financeiramente. Isso tranquilizou a gestante, que aguarda o nascimento do pequeno, e a deixou animada: “estou gostando de ser ‘mãe velha’”.