Para cientistas políticas, Bolsonaro se manterá no poder até as eleições, mas a disputa pela vitória nas urnas está acirrada
De um lado, um governo repleto de crises, declarações polêmicas e, de acordo com as investigações da CPI da covid, supostos esquemas de corrupção. De outro, uma oposição que aparece em pernas bambas, representada pela figura do ex-presidente Lula que, assim como Jair Bolsonaro, traz consigo um histórico de escândalos. Com o País cada vez mais polarizado, o futuro do cenário político brasileiro é incerto.
A popularidade do atual presidente segue em declínio. Segundo a pesquisa da Genial/Quaest, divulgada em 10 de novembro, a avaliação negativa do atual governo subiu de 53% em outubro para 56% neste mês. Ainda segundo a pesquisa, Bolsonaro atingiu o índice mais baixo de aprovação no ano, com apenas 19% de avaliação positiva entre os entrevistados.
Diante deste cenário, brasileiros da oposição, cada vez mais presentes em manifestações antigovernistas, se perguntam o que falta para o impeachment do presidente. “O processo do impeachment nasce jurídico, mas acontece político. Existe uma base jurídica para um processo, mas não uma base política”, explica Josiara Diniz, cientista política formada pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) e dona da página Preta Política. “Hoje ele não tem número para o impeachment, ele tem uma base que o mantém”, continua.
Ver essa foto no Instagram
Apesar da queda nos números de aprovação pública, a popularidade de Bolsonaro ainda é inegável. Segundo Josiara, para que o processo de impeachment deixasse o plano jurídico e migrasse para o político, seria necessário que o presidente perdesse seu fiel público eleitoral. Para explicar, ela relembra o impeachment de Dilma Rousseff em 2016: “Ela foi isolada popularmente e criou-se uma ideia antipetista de que tudo de errado era culpa dela enquanto presidente”.
Em contrapartida, no governo Bolsonaro, observamos o oposto. “Ele foi muito habilidoso em criar uma narrativa em que algumas coisas não são culpa dele: são dos governadores, do STF, dos prefeitos, é porque o Congresso não deixa ele trabalhar”, aponta Josiara.
Veja mais em ESQUINAS
“Temos algo concreto agora”, diz pesquisadora sobre relação entre bolsonarismo e neonazismo
Governo é “irresponsável” por apostar de novo em São Pedro, diz autor de tese sobre apagão de 2001
O currículo de polêmicas de Bolsonaro é extenso. Entre falas consideradas por muitos como preconceituosas, um posicionamento antivacina e os mais recentes escândalos de corrupção, o presidente é uma figura controversa. Sua base eleitoral, entretanto, permanece fiel. “[As polêmicas] afetam a imagem dele, mas quem o defende acaba por criar desculpas”, opina a cientista política Luiza de Lemos.
A especialista cita o discurso de Bolsonaro na 76ª Assembleia Geral da ONU, em 26 de setembro, como um momento importante para a quebra da ascensão da popularidade do presidente: “Ali era um trampolim que ele poderia ter conseguido pessoas que pudessem agregar e até mesmo alavancar a eleição para ele em 2022. Mas ele jogou terra sobre ele mesmo”.
Além da perda da base eleitoral, Josiara reforça que o isolamento político seria crucial para que a deposição do presidente se concretizasse. Para ela, a forte narrativa popular de Bolsonaro não é, por conta própria, uma garantia de que ele ganhará as eleições presidenciais de 2022. Mas não deixa de ser um fator relevante aos olhos dos demais agentes políticos. “Alguém que quer ser reeleito em 2022 não vai pôr a candidatura em cheque por um processo de impeachment que pode não acontecer”, explica. “Temos que lembrar que muita gente foi eleita na onda Bolsonaro. Estar com ele é aproveitar desse holofote em torno dele”, diz.
Previsões para 2022
Com o desenrolar da CPI da covid, o povo brasileiro aguarda para ver que direção o País vai seguir. Para Josiara Diniz, o legado da investigação foi documentar um esquema de corrupção em torno da condução da política de saúde no Brasil. O resultado, entretanto, é incerto.
“O presidente ainda pode ser responsabilizado por uma série de crimes relacionados à pandemia. Mas também pode demorar muito e passar a eleição e não ter acontecido nada. Então agora é um caminho com muitas esquinas”, comenta. Ela também levanta a possibilidade de Bolsonaro ser responsabilizado pelos supostos crimes somente após deixar o cargo, uma vez que o foro privilegiado dificulta o processo.
Por este motivo, nos últimos meses, analistas políticos e veículos de notícia especularam sobre a alternativa de o atual presidente não arriscar a reeleição. Segundo esta análise, Bolsonaro optaria por concorrer a um cargo legislativo, de forma a manter o foro privilegiado e evitar a derrota nas urnas. Para Josiara, no entanto, este não é um cenário provável: “Não é dado que o Bolsonaro não vai concorrer na eleição, a não ser que ele de fato ficasse inelegível”.
Enquanto não é possível dizer ao certo as consequências imediatas das investigações feitas pela CPI, é esperado que seus desdobramentos tenham grande impacto no resultado das eleições do ano que vem. Em 2018, muitos políticos se elegeram em todo o País devido ao apoio de Jair Bolsonaro. De acordo com Luiza de Lemos, o oposto pode ocorrer em 2022: “Creio que alguns deputados e senadores não vão conseguir se eleger, porque apoiam o presidente”.
Para Josiara, os documentos levantados pela CPI, que atestam um esquema de corrupção por trás da compra de imunizantes para covid-19, terão papel importante na decisão coletiva do povo brasileiro nas urnas. Segundo suas previsões, a CPI não resultará no impeachment ou inelegibilidade de Jair Bolsonaro, mas criará narrativa para seus concorrentes.
“A CPI pode terminar em um grande carimbo de corrupção para o governo e isso afetaria muito a imagem de Bolsonaro em 2022, porque seu principal discurso ao antipetismo é o de corrupção”, afirma a especialista. “[As investigações] dão aos oponentes material para bater nele na disputa eleitoral”.
Josiara lembra ainda que, devido ao presidencialismo brasileiro, o Chefe do Executivo acaba por tomar inteiramente os holofotes. “Mas temos 513 deputados e 81 senadores também fazendo política. Acompanhem o parlamento, porque eles também são donos da caneta”, conclui.