Especialistas e ex-BBB analisam as relações criadas dentro do reality e como elas influenciam o comportamento dos participantes
A premissa dos reality shows é a observação, não é diferente com o BBB. Levar uma pessoa para dentro de um jogo onde as peças são outras pessoas e as emoções são colocadas à prova para receber um prêmio de 1,5 milhão de reais.
Até parece uma dinâmica simples, porém há vários fatores que podem influenciar nas decisões e trajetórias dos participantes, um deles, o mais importante, de acordo com aqueles que participaram, são os vínculos criados dentro da casa. “Aqui fora, estamos acostumados a ter papéis e, lá dentro, é como se a gente renascesse, porque a gente não tem nenhum vínculo com ninguém, nem papéis definidos. Isso é o que o jogo propõe, mas a realidade aqui fora não deixa de existir”, afirma o participante da vigésima edição do Big Brother Brasil, Victor Hugo Teixeira.
A relação interpessoal no BBB
Segundo a psicóloga Clara Junqueira, formada pela UNESP, existem alguns ambientes que podem potencializar as nossas emoções. Para ela, isso é o que ocorre no Big Brother, principalmente em função do confinamento, das divisões de espaços de higiene pessoal, grupos e comida. Em relação a isso, o ex-BBB Victor Hugo relata: “(Poucas pessoas sabem) o quanto a comida e a temperatura influenciam no nosso humor e também o fato de, por exemplo, você não ter oportunidade de escolhas.”
Além da limitação das escolhas, outro agente que influencia no comportamento do participante dentro do reality é o medo da rejeição. Clara afirma que desde a infância, buscamos acolhimento e aceitação das pessoas que estão ao nosso redor. No BBB, em função das câmeras e da necessidade de suprir as exigências do público para conquistar o voto, esse medo acaba sendo externado de variadas formas. A psicóloga acrescenta que o confinamento fragiliza os participantes na medida em que eles passam a conviver muito mais com os próprios pensamentos e sentimentos.
Conforme o jornalista e pesquisador de narrativas televisivas Valmir Moratelli acrescenta, essa condição faz com que antigas feridas venham à tona durante o programa. Inclusive, isso pode mudar o favoritismo do participante na percepção do público, que pode enxergá-lo como “mocinho” ou “vilão”: “Ali dentro as pessoas são jogadas para uma relação de convivência que é cada um por si. E você deixa aflorar os seus conflitos internos, seus gatilhos acabam despertando e te levando para um lado ou outro.”
Os laços do confinamento
Clara Junqueira pontua que nós somos seres sociais e, assim, sempre buscamos outras pessoas com quem podemos compartilhar aquilo que sentimos. No BBB, não é diferente. A profissional explica que o confinamento e a distância de família e amigos faz com que os participantes procurem essas relações de afeto dentro da casa.
“Eles usam esse subgrupo de pessoas com quem mais se identificam como um porto seguro. Você se ancorar no outro talvez te dê uma segurança maior e inclusive te ajude a se sentir bem lá dentro e com você mesmo”, explica.
O ex-brother Victor Hugo relata que, mesmo dois anos após a sua experiência no reality, ainda mantém contato com vários participantes da sua edição. Ele conta que construiu relações com seus companheiros de reality e conclui que “é possível sim construir vínculos reais e, inclusive, é a melhor coisa que você leva do programa, porque são pessoas que realmente vão te entender”.
E para quem acredita que não é possível identificar se a relação construída lá dentro é verdadeira ou não, Clara Junqueira mostra que tem alguns indícios que podem nos ajudar a ver isso. Seja em olhares apaixonados, sorrisos espontâneos ou reações imediatas, existem uma série de situações em que o corpo fala por si só.”As nossas expressões, a nossa postura e o jeito que o nosso corpo fala não podem ser treinados para serem escondidos. Eu posso até entrar no programa com uma narrativa feita e com discursos prontos, mas o corpo não esconde”, aponta.
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O prisma social do BBB
“O Big Brother não seria um espelho, de fato, da sociedade. ‘Espelho’ é uma palavra muito forte, pois, assim, o programa refletiria a sociedade. Acredito que seja, na verdade, uma janela. Uma possibilidade de janela para se discutir e conversar sobre assuntos que, às vezes, a gente deixa de debater”, reflete Moratelli.
O jornalista destaca que, apesar do programa ser feito para entreter e dar lucro, também pode ter outras funcionalidades. Para ele, “tem muita gente contrária ao Big Brother, mas, ainda assim, eu acho um estudo interessantíssimo sobre comportamentos humanos. Nós, que pesquisamos representação e identidade, percebemos o quanto precisamos do olhar do outro para poder se firmar como identidade”.
Nesse sentido, a partir do programa surgem pautas sociais sobre assuntos que geralmente são deixados de lado no nosso cotidiano. Um exemplo trazido pelo ex-BBB Victor Hugo é a ampliação do debate sobre assexualidade, após sua participação na edição de 2020. Ele também fala que é uma meta pessoal e profissional continuar dando visibilidade a essa causa.
“Hoje eu sinto que tem algumas pessoas que entendem assexualidade por conta de mim. Eu recebo mensagens até hoje, mesmo após tanto tempo, de pessoas que falam que descobriram a sua assexulidade por minha causa”, ressalta ele.
O pesquisador Moratelli acrescenta que nos últimos três anos, o programa buscou abranger um leque maior de opções de representações. No entanto, ele acredita que ainda é necessário avançar muito no que diz respeito à diversidade dos grupos: “É a convivência com o outro que faz a gente perceber o quanto somos diferentes e, por isso, o quanto é bom ser plural. Acho que essa é a grande mensagem que temos de entender, e é o desafio da televisão como um todo.”