Movimento estudantil da Universidade Federal do Ceará (UFC) reivindica reformas no Restaurante Universitário (RU), alvo de polêmicas durante a pandemia
17 de março: o percurso do protesto começaria às onze da manhã na Avenida 13 de Maio e terminaria na Avenida da Universidade. Ambos se localizam no Benfica, bairro da capital cearense. Quem são os protestantes? Jovens estudantes da Universidade Federal do Ceará (UFC). Andam devagar e gritam alto, muito alto. Os lugares de início e final não podem ser definidos como aleatórios, mas símbolos de suas motivações. A Avenida 13 de Maio é onde se encontra o prédio do órgão principal da gerência da UFC, a Reitoria. Na Avenida da Universidade, o prédio do órgão principal de permanência dos alunos, o Restaurante Universitário (RU). Todo projeto de revolução tem sua história de origem.
Depois de dois anos sem nenhuma mobilização — em decorrência da pandemia da covid-19 —, o Movimento Estudantil da UFC chegou ao primeiro semestre de 2022 com expectativas altas. Queriam fazer o que não conseguiram: uma mobilização que dialogasse com os alunos. Olho no olho. No dialeto cearensês, um ato “de vergonha”.
Incertezas e instabilidade UFC
Não demorou para as coisas desandarem. Desde o início da retomada presencial, o Movimento Estudantil havia percebido indicativos de incerteza envolvendo os RUs. O primeiro teria sido um story no perfil oficial no Instagram do RU, informando que apenas os bolsistas da PRAE (Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFC) e residentes universitários poderiam acessá-lo. O story gerou comentários e mensagens dos alunos.
No dia 15 de março, a PRAE publicou, em seu perfil oficial, uma nota tratando sobre o suposto story do perfil oficial dos restaurantes. Segundo ela, deveria ser desconsiderado. (A pró-reitoria foi contatada sobre esse caso mas não houve resposta). Esse foi o primeiro alerta para os estudantes.
Um dos impactos da pandemia nos RUs foi a adoção de um novo sistema de organização: o agendamento. Com o objetivo de diminuir aglomerações nas sedes, o estudante deveria agendar dia e horário em que faria a refeição. A mudança trouxe instabilidades: o sistema só permitia realizar o agendamento se houvesse disponibilidade no restaurante no dia e horário escolhidos pelo aluno; o pagamento online das refeições, que deve ser feito no Banco do Brasil, caía depois de quatro dias úteis — impossibilitando o estudante de se alimentar diariamente; o aumento súbito do valor da refeição — a partir de 17 de março, o pagamento na catraca mudaria para R$ 3,00, enquanto, o online custaria R$ 1,10. “[O novo sistema] surtiu um efeito psicológico nos alunos.”, diz Sammyra Fernandes, 19, graduanda do curso de Ciências Sociais. Esse efeito era medo de não conseguir comer.
Outro indicador de incerteza: superlotação. Logo no primeiro dia em que os RUs abrem para todos — 16 de março — há filas enormes, um problema que não deveria existir com a aplicação do agendamento. Sammyra relata que naquele período de volta às aulas, muitos alunos “levaram chuva” esperando nas filas.
A pandemia não “bateu as botas”, como muitos querem acreditar. A UFC, por suas políticas de biossegurança, faz uma interpretação errada da realidade.
Em matéria do jornal cearense O POVO, a professora de Publicidade e Propaganda e secretária-geral do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (Adufc), Helena Martins, chama a postura da Reitoria em relação à Covid-19 de “negacionista”. Sammyra, a aluna, diz que “a gente [corpo estudantil] já sabia que foi tudo sem preparo”.
Ambas mencionaram — Helena ao O POVO e Sammyra em entrevista à Esquinas — o guia “Tô de Volta”, um documento que contém diretrizes de cuidado sanitário dentro das dependências universitárias. Espera-se que documentos como esse passem por um planejamento antes de serem entregues à comunidade acadêmica. Todavia, a UFC disponibilizou o guia aos alunos, professores e servidores com uma semana de antecedência.
as diretrizes UFC
Dentre as diretrizes e orientações, algumas chamam mais atenção do que outras. O guia está em sua terceira edição. Seguem duas orientações — e suas evoluções ao longo das três versões (dias 09 de março, 25 de abril e 20 de maio de 2022).
a) Máscaras: o uso de máscaras na primeira versão era incentivado. Tornou-se opcional;
b) Passaporte vacinal: não há nada sobre a cobrança do passaporte em nenhum dos guias, ainda que seja obrigatória no estado;
“Desde o início, [a UFC] não cobrou nenhum passaporte vacinal”, conta Sammyra. A Reitoria nunca demonstrou interesse em adotar a medida. Em resposta à uma carta assinada pelo Movimento Estudantil, centros acadêmicos da UFC e sindicatos (publicada no dia 28 de janeiro de 2022), a administração da instituição diz que se o comprovante for necessário, seria incluído nas medidas de segurança. Além disso, eles chamaram a mobilização do corpo discente e entidades sindicais de “manifestação política despropositada”. A resposta é de 31 de janeiro de 2022.
A fúria
Um Restaurante Universitário instável aliado a políticas de segurança questionáveis resultaram em fúria. No dia 17 de março, às onze da manhã, em frente ao prédio da Reitoria, os manifestantes encontraram portões fechados. Alguns pularam as grades, enquanto outros entraram pelo portão do Banco do Brasil, que dá acesso à Reitoria.
Pela Avenida 13 de Maio, andavam; traziam bandeiras, cartazes e faixas de alguns movimentos políticos de Fortaleza, como o Correnteza e a UJC (União da Juventude Comunista). Expressavam indignação: “A fome é política: RU para todes”, “CAFS [Centro Acadêmico de Psicologia] em defesa do RU!”. Revelavam seus cursos — “Ciências Sociais em luta”. Exigiam a saída do reitor, Cândido Albuquerque, com um grito de ordem: “Fora Cândido Interventor!”.
Albuquerque não é reconhecido como reitor. Aos olhos dos discentes, é interventor, desde 2019, quando foi escolhido um novo dirigente para a UFC. Cândido, o menos votado na lista tríplice de candidatos, com 610 votos, foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro. Por isso, e por suas tentativas de suprimir as vozes dos estudantes, a presença dele desagrada aos alunos.
Quando chegaram ao RU do campus Benfica, encontraram a realidade: alunos em uma fila enorme, esperando conseguir se alimentar. Os manifestantes liberaram a catraca, para que todos que estavam na fila não pagassem pelas refeições.
Esperava-se que aquele amontoado de jovens-adultos abaixasse suas bandeiras, cartazes e faixas na Avenida da Universidade de uma vez por todas. Isso não aconteceria. As crianças mostrariam sua fúria novamente.