Com termos técnicos e ideias utópicas, Ciro Gomes ainda mantém distância do eleitorado e sai do JN com saldo neutro
O candidato à presidência Ciro Gomes (PDT) foi o segundo convidado para a sabatina realizada pelo Jornal Nacional. Com eloquência e em tom mais amistoso, discorreu sobre o que pensa dos dois candidatos à sua frente nas pesquisas e sobre suas propostas de governo.
Mas, o candidato conseguiu, de fato, se posicionar para o eleitor como uma “terceira via”? ESQUINAS separou nesta reportagem os principais pontos abordados por Ciro no programa de TV.
Indelicadezas
Ciro Gomes foi, inicialmente, questionado sobre sua agressividade em relação a Bolsonaro e Lula e sobre como tal postura pode ser avaliada pelo eleitor brasileiro. Esquivou-se. Na segunda tentativa da âncora Renata Vasconcellos, Ciro afirma que pode, sim, reavaliar suas palavras ao se dirigir aos outros candidatos.
O terceiro nas principais pesquisas para a presidência retoma a conexão com a sua terra natal para justificar a forma como direciona o seu comportamento, e aproveita para explicar que está sempre aberto para ponderar sobre suas atitudes e, desta forma, atingir seus objetivos:
“Eu venho de uma tradição, vamos dizer do Nordeste, a nossa cultura política é ‘palavrosa’, digamos assim. Às vezes no Sul, no Sudeste, as pessoas não entendem bem. Não me custa nada rever certos temas e tal. Especialmente na proporção em que meu sonho é reconciliar o Brasil.”
Reforma econômica
Quando questionado sobre a proposta de renda mínima, que inicialmente propõe um valor de R$1.000 para a população em situação de vulnerabilidade no Brasil. Ciro ressalta que a ideia é transformar os programas de auxílio em um direito previdenciário constitucional, que teoricamente faria com que os benefícios passassem a não depender mais do governo vigente.
A renda mínima é um projeto que já é discutido por outras camadas da política brasileira, tendo como principal percursor o vereador petista Eduardo Suplicy.
Ciro ainda ressalta a importância de promover reformas na economia brasileira e garante a viabilidade da proposta: “Eu vou agregar um tributo sobre grandes fortunas, apenas e tão somente sobre os patrimônios superiores a R$20M. Só 58.000 brasileiros têm um patrimônio como esse” explica.
Ciro e PDT – uma relação “puro sangue”
Ainda reforçando seu posicionamento como uma opção de terceira via, Ciro Gomes faz menção a um modelo populista de governo que, segundo ele, tem sido adotado pelas gestões mais recentes do País. Como medida para sanar esse problema, o candidato propõe acabar com o presidencialismo de coalizão e liderar o país através de plebiscitos programáticos. “Propor as ideias, e não o ‘deixa que eu chuto’, que tem sido a característica do populismo, de direita e de esquerda”, conclui.
No entanto, William Bonner pergunta justamente sobre a questão das alianças para construir um governo sólido dentro do Congresso e Ciro comenta que, se eleito, pretende transformar as relações governo federal e estadual através de negociações diretas e reafirma o compromisso com os plebiscitos, para maior participação da população nas decisões tomadas pelo governo.
O âncora do Jornal Nacional relembra a trajetória política de Ciro Gomes como prefeito, governador e deputado federal, e destaca o isolamento do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que não conseguiu estabelecer alianças para a sua candidatura. Contudo, o candidato comenta que existe uma “receita” para que o caminho no Congresso seja construído depois da eleição, mas não demonstrou interesse em criar vínculos políticos.
“A gente tem que entender que eu represento uma espécie de movimento abolicionista em um sistema escravista. Você não vai esperar que o escravista ajude o abolicionista”.
Veja mais em ESQUINAS
ESQUINAS analisa: Bolsonaro mentiu tanto assim?
Como o mundo vê as eleições brasileiras? Jornalistas especializados opinam
“A História tem mostrado é que os plebiscitos têm sido usados por líderes populistas, especialmente na América Latina, como um instrumento para esvaziar o Congresso, criando crises institucionais graves. Esse tipo de democracia, pode pôr em xeque a nossa democracia representativa. Como é que o senhor pode evitar isso?”, questiona Renata Vasconcellos.
“Eu acho o regime da Venezuela abominável”, o candidato distingue. “É uma tentativa de libertar o Brasil que corrompeu a presidência da república. Eu vi ontem o cidadão (Bolsonaro) afirmando que não tem corrupção. A corrupção está se institucionalizando, sem pudor”, explica.
O candidato levanta a bandeira de que, se eleito, não concorrerá à reeleição. Segundo Ciro, o que precarizou a governança política brasileira foi tal possibilidade. “O presidente se coloca com medo dos conflitos porque quer agradar todo mundo. Ele se vende a esses grupos de pouco escrúpulo porque tem medo de CPI e querem se reeleger”, afirma.
Mas fica pouco claro o quanto esse posicionamento influenciará no apoio que o candidato possa vir a ter do Congresso. Todas as vezes que questionado, Ciro Gomes pede diretamente ao espectador, olhando para a câmera, para que vote em deputados do PDT. O partido não só não tem maioria no Congresso como não é unificado.
As promessas feitas durante o programa foram sempre em viés democrático, beirando o utópico. “Prometo negociar com quem quer que o povo eleja, sem o ‘toma lá, dá cá’ e sem a roubalheira”, conclui.
Pandemia
Relembrando as afirmações do presidente Jair Bolsonaro sobre a vacinação em janeiro de 2021, Ciro Gomes corrige. “Em janeiro, só nos vacinamos porque o governador de São Paulo transformou isso na sua principal ferramenta, faço aqui uma homenagem a João Dória”.
Compromisso com o meio ambiente
“Reconversão da lógica produtiva” é o termo-chave de Ciro Gomes ao falar do meio ambiente e desmatamento ilegal. “Se você dá uma alternativa para produzir em bases sustentáveis, a repressão, o enforcement vale para o verdadeiro marginal. A minha tarefa é projetar o Brasil para os próximos 30 anos”, afirma. No entanto, o problema é mais urgente do que isso. Em 2028, o Brasil tem compromisso de eliminar o desmatamento ilegal.
Questionado sobre planos de emergências climáticas, Ciro afirma que as áreas de risco de Fortaleza, por exemplo, já foram mapeadas e não existem mais, o que é uma inverdade. Segundo o site da prefeitura de Fortaleza, a cidade possui 89 áreas de risco.
“Nem Lula, nem Bolsonaro”
“É grande a massa de brasileiros que estão votando no Lula porque querem se livrar de Bolsonaro e esqueceram que amanhã tem um Brasil para governar. Também é grande a massa de brasileiros que estão frustrados pela enganação do Bolsonaro, mas que não querem a volta do Lula e do PT.”
Com um tom mais ameno, em comparação com a entrevista de Jair Bolsonaro (PL) na noite anterior, Ciro Gomes destaca durante toda a sabatina a polarização política do Brasil. Utilizando recursos como o olhar direto para câmera e frases de efeito a favor da terceira via, o candidato tenta se aproximar do público, porém o discurso técnico, não auxilia na construção dessa relação.