Um dos edifícios mais populares da cidade, o Copan faz parte da rotina paulistana
Um edifício da virada dos anos 1950 a 1960, três esquinas, cinco mil moradores e milhões de histórias. É assim que vive o Copan, construção emblemática com que Oscar Niemeyer deixou sua marca na paisagem do Centro de São Paulo. Restaurantes descolados como o Dona Onça e pontos tradicionais como Café Floresta mostram que tradição e desenvolvimento andam lado a lado em uma harmonia melancólica. O lugar transparece sua imensidão de histórias do mesmo jeito que vira as costas para contá-las.
Ali, entre suas curvas sinuosas que lembram as ondas do mar em um dia bom para se surfar, moradores, que habitam de bem iluminadas quitinetes a grandes apartamentos onde cabe um piano de cauda na sala, seguem suas rotinas, indiferentes à imponência ou importância da histórica construção.
Das três esquinas do lugar – todas dando na Avenida Ipiranga –, a única que ainda preserva sua história é a da Rua Araújo. Isso porque o jornaleiro Adroaldo Carrilho, dono da banca instalada ali, conta suas experiências ao longo dos vinte anos que trabalha por lá. Muitas das coisas relatadas dizem respeito à mudança do público que frequentava a região e da visão que as pessoas tinham sobre o local. A fama do cruzamento, principalmente do Edifício Copan, não era muito boa nos anos 1980. Carrilho gosta muito da diversidade de pessoas que por ali passam: skatistas, empresários, ambulantes, estudantes de Arquitetura e turistas. Ocasionalmente, ele ainda presencia uma ou outra gravação de TV naquele espaço.
Entretanto, o clima no interior do Copan está longe de ser como era antigamente. Dos moradores aos lojistas, ninguém escapou do corre-corre. Entre horários a serem cumpridos e “desculpa, agora estou ocupada”, pessoas se recusam a conversar sobre qualquer experiência que tenham vivido naquela esquina que ainda se vê tão viva. Talvez isso ocorra por causa do surgimento das galerias no hall do Copan. A sede de vender se sobrepõe ao carisma dos vendedores, fazendo-os esquecerem de que pisam sobre um dos famosos cartões-postais da cidade.
Mas isso não atingiu apenas os comerciantes. Os próprios moradores abandonaram as memórias que fazem parte da história daquele cruzamento. Mesmo o síndico Affonso Celso Prazeres, que vive ali há 53 anos, prefere falar sobre o presente ou o futuro, mas nunca sobre o passado. A pergunta é: o que aquele lugar guarda de tão misterioso, que até quem vive lá esconde? Talvez boa parte desses enigmas tenha sido revelada no livro “Arca sem Noé”, de Regina Rheda, moradora expulsa do Copan em 1995, após a publicação do conjunto de contos que relatam alguns acontecimentos – aliás, bem peculiares – sobre o condomínio. Apesar dos contos terem sido publicados como fictícios, contos são fictícios, Prazeres confirma que todos são histórias verídicas e que a autora não tinha o direito de expor os antigos moradores do Copan.
Entre simples cortes da água do prédio a complicadas histórias de prostituição dentro dos apartamentos, o livro parece ser uma das únicas fontes dos casos vividos no famoso prédio de Niemeyer. A descrição da arquitetura do edifício, junto com desfechos tragicômicos, reflete o clima caótico do Copan em meados dos anos 1990. “No ‘Arca’, trabalhei o caos e a alienação da vida urbana em uma megalópole sul-americana do final do século passado. O Copan funciona como um símbolo desse tipo de vida”, explica Rheda, em entrevista a Mateus de Souza, morador do Copan e jornalista formado pela Universidade de São Paulo, para seu Trabalho de Conclusão de Curso em 2013.
Sem pressa, sede de vender ou rabo preso, Rheda escreve seus contos de forma leve, mostrando o que supostamente acontece naquele edifício tão importante para a história de São Paulo. Talvez ela, expulsa do prédio por conta de seus contos “ficcionais”, seja a única que ainda mantenha, de alguma maneira, o Copan vivo.