Ontem e hoje, o movimento luta para a permanência de estudantes nas universidades. “A luta é tanto para quem estuda hoje, quanto para as gerações futuras”.
O ano era 1969. A cidade permanecia calada, enquanto, em algumas casas, revolução reverberava. A polícia vigiava e impedia que essas vozes gritassem. Contra a censura e o fechamento das faculdades, estudantes e professores foram às ruas para se manifestar em nome da população e da liberdade de expressão.
Em um presente não tão distante, as reivindicações estudantis continuam e, organizadas por representantes do curso de Direito do Largo de São Francisco, a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!” ressalta o valor da igualdade e do livre arbítrio diante do cenário polarizado e ameaçador de 2022.
Conclamado pelo professor Goffredo da Silva Telles Junior, a conquista da constituição permitiu, em 1988, “um debate político sobre os projetos para um país democrático, cabendo a decisão final à soberania popular”. É nessa conjuntura que os coletivos e os centros acadêmicos revigoram o trato social, para a permanência de um espaço crítico e congruente, das Universidades Brasileiras para a sociedade civil. Mas quem são esses jovens em 2022?
DA PONTE PRA CÁ
O Coletivo Da Ponte Pra Cá, realizado por alunos bolsistas da Pontifícia Universitária Católica (PUC) de São Paulo, foi idealizado em 2017 a partir da união de outros dois coletivos já existentes. Os alunos viram a necessidade de criar uma rede de apoio para políticas de acesso, permanência e inclusão no ambiente universitário.
Em entrevista, as alunas integrantes Ana Laura Araujo Lozato, Laura Machado e Pietra Filie, contam que os desafios vão muito além do propósito. Os cortes de gastos vindos da pandemia, como o do bandejão e da “Bolsa Xerox”, podem parecer pequenos, mas afetam diretamente o estudo dos bolsistas. Apesar dos casos citados, o coletivo Da Ponte Pra Cá trouxe conquistas que motivaram a continuidade da graduação de muitos estudantes, como o “Bolsa Alimentação”, que oferece refeição para cursos de meio período e integral. “Apesar de alguns descasos, o diálogo com a faculdade foi fundamental para atender a demanda dos estudantes”, afirma o grupo.
As reuniões são realizadas sem posições hierárquicas, de modo que todos tenham a chance de ser ouvidos. Reproduções do Coletivo DPPC.
As universitárias torcem para que os programas continuem sendo uma pauta que atraia não apenas os militantes, mas os jovens que presenciam a desigualdade educacional. “A nossa luta é para que o nosso futuro não seja precarizado”.
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A LUTA
A história dos coletivos e grupos estudantis começou muito antes da ditadura. A União Nacional dos Estudantes (UNE), fundada em 1901, teve seu início junto das primeiras escolas superiores do Brasil. Na época, poucos jovens brasileiros ingressaram no movimento. Foi com o avanço do autoritarismo de Getúlio Vargas em 1937 que a parceria entre as universidades e a UNE foi firmada.
Por serem ambientados em universidades, lugares que acolhem visões diferentes de mundo, os movimentos acadêmicos reivindicam sobretudo o valor da democracia e do bem-estar comum. “A mudança sempre é possível, mas ela exige disposição, percepção e engajamento”, aponta Vanessa Bortulucce, historiadora de imagem, arte e cultura e Doutora em História Social. Vanessa entende que a maioria dos brasileiros não enxerga a educação como componente para a crise humanitária.
Com a pandemia de 2020, surge um novo problema: a evasão ecolar. Com a dificuldade de acesso, a desigualdade estudantil nunca foi tão escancarada. “Acesso é uma palavra bastante complexa”, afirma a historiadora. Segundo a Semesp, 36,6% dos estudantes do ensino superior não se adaptaram ao “EAD”. Dentre as justificativas de abandono dos estudos, o destaque foi a falta de acesso à internet. Mais de 4,3 milhões dos estudantes, de escolas e universidades, principalmente públicas, não têm fácil acesso à internet, de acordo com o IBGE em 2021.
É por essa e outras razões que os movimentos estudantis lutam para garantir a permanência nas universidades. Para Vanessa Ribeiro Mancilha, Diretora de Cultura e Eventos do CAFCa, “muitos estudantes se desfamiliarizaram com a luta estudantil”.
“O centro acadêmico também teve dificuldade de se manter ativo durante esse período e, apesar de ainda estarmos aqui, todo esse cenário desacelerou em partes o nosso progresso.”, acrescenta Vanessa Ribeiro.
A conscientização de uma educação acessível e de qualidade é o que vem mobilizando jovens a articularem dentro e fora dos ambientes universitários. “Sabemos que a luta e articulação dos estudantes é a única forma de manter a educação como um direito para todos e não um privilégio para poucos”, conclui.