Acesso com título e choque de gestão ajudam a Portuguesa em uma reconstrução que, até pouco tempo, parecia impossível; conheça os personagens da remontada
Clube tradicional no futebol paulista, a Portuguesa encontra-se hoje em estágio de reconstrução. A três vezes campeã paulista e vice-campeã do brasileiro de 1996 atualmente está sem divisão nacional e batalha por migalhas financeiras usando a imagem que lhe restou como instituição.
Por conta de uma grande irresponsabilidade e de uma falta de gestão profissional de qualidade, a crise na Lusa atingiu seu ápice no ano de 2013, após a escalação irregular do meia Héverton — que havia sido suspenso pelo STJD, no jogo contra o Grêmio — resultando na perda de quatro pontos da rubro-verde e a colocando na zona de rebaixamento do Campeonato Brasileiro naquele ano, gerando um escândalo que ficou conhecido como “O caso Héverton”.
O CASO HÉVERTON
Sobre o episódio ocorrido há nove anos e que gera entraves judiciais até os dias de hoje, o atual presidente da Potuguesa, Antônio Carlos Castanheira, dá seu parecer:
“Infelizmente isso [2013] foi a gota d’água que levou a Portuguesa a sucumbir, foi uma ladeira abaixo. Da [série] B para a C e da C para a D foi rapidinho. Vieram aí quatro presidentes que não souberam lidar com essa situação e a Portuguesa chegou onde chegou. Eu não quero crer que ali tenha tido coisa errada, quero confiar nas pessoas, quero que realmente tenha sido um erro. Um erro grotesco que se justifica pela falta de profissionalização que existia”.
Castanheira ainda acrescenta que tem tentado seguir o caminho contrário daquilo que foi feito em outras gestões, de modo que o trabalho sério e com compromisso profissional prevaleçam para apagar essa situação que foi criada em 2013 com todo o rebuliço ocorrido no Caso Héverton.
A sequência de rebaixamentos veio e a Portuguesa sumiu, aos poucos, das vitrines do futebol nacional. Dentro de campo, foi da série A do Brasileiro em 2013 até ficar sem divisão nacional em 2018 e do rebaixamento no Paulista em 2014 para a A2, amargando sete anos de luta para que conseguisse reconquistar seu espaço no futebol paulista.
O PLANEJAMENTO
A gestão é peça fundamental para um clube de futebol que quer obter bons resultados. Com a Portuguesa não poderia ser diferente; demorou, mas a atual diretoria parece estar seguindo o caminho certo para (re)colocar a Portuguesa nos trilhos.
O presidente faz questão de destacar qual é a sua principal missão à frente do clube:
“Eu vim para mudar, eu vim para profissionalizar, eu não tenho vaidade de cargo, para mim eu estou usando o cargo para atingir os objetivos da profissionalização, do projeto de modernização da arena, e se isso não for de comum acordo e não for o que o Conselho da Portuguesa e o que a torcida querem, eu não vou para a reeleição. Aí eu terei o mesmo do mesmo, vou continuar no mesmo sistema e esse sistema tem que ser mudado e eu vim para isso.”
O bom planejamento ajudou a Portuguesa a administrar suas finanças — até nos momentos mais complicados, como o de pandemia —, de modo que as receitas viessem através do núcleo de negócios, principal fonte de renda do clube, para que tudo fosse pago em dia.
Castanheira ainda explica qual foi o grande equívoco da Lusa quanto à parte administrativa para que a instituição ficasse presa “à estaca zero” durante algum tempo.
QUEM É TONINHO CECÍLIO?
Antônio Jorge Cecílio Sobrinho, mais conhecido no mundo do futebol como Toninho Cecílio, é ex-jogador, ex-treinador e atual executivo de futebol da Portuguesa. Essa mesma função já foi exercida por ele no Fortaleza e no Palmeiras, na época da Parmalat. Na vida de Toninho, já são 36 anos dedicados ao futebol, seja em sua carreira como jogador (ex-zagueiro do Palmeiras, entre outros clubes) ou como dirigente.
A Associação Portuguesa de Desportos e seu Departamento de Futebol Integrado anunciam a contratação de Toninho Cecílio para o cargo de Executivo de Futebol, função importante na construção da equipe visando a temporada de 2022.
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— Portuguesa ❤️💚 (@Lusa_Oficial) November 5, 2021
Sobre a função que está exercendo, o ex-jogador explica que é um cargo que, por mais que já tenha exercido em outros clubes, sempre exige muita responsabilidade. O executivo de futebol é aquele que, dentro do clube, cuida das questões de administração técnica da equipe, como planejamento para a temporada, contratação de jogadores, controle do orçamento e gastos etc.
“É uma função que eu gosto, pois está perto de tudo: do clube, do elenco, dos jogos. Estou me sentindo muito bem aqui na Portuguesa. É uma função de muita responsabilidade, pois tenho uma voz na montagem do elenco, na contratação de treinadores e na própria condução do trabalho dentro da diretoria. Eu me sinto bem nessa função, pois não é distante do campo, pensando que fui treinador e jogador.”
Elogiado pelo presidente Castanheira, Toninho acredita que seu principal diferencial na profissão é o fato de ter jogado muito tempo em alto nível no futebol profissional. Segundo ele, o ato de pensar como jogador e com a cabeça de um treinador de futebol egresso o auxilia em sua relação com os jogadores e também faz com que ele consiga entender melhor as demandas do atual técnico na hora da montagem de elenco.
Com relação ao planejamento da equipe, o executivo exprime a necessidade e a importância de organizar tudo que envolve o futebol da Portuguesa: contratos, quantidade de jogadores, nível técnico etc.
“É necessário pensar qual o nível de exigência e quais são os adversários, mesmo antes do campeonato começar. Estudamos também o nível financeiro e técnico dos times que vamos enfrentar. A gente tenta sempre estar um passo à frente, e isso é imprescindível no futebol. Temos 26 inscrições, e fazemos 22 ou 23, pois sabemos que alguns vão se machucar, é necessário ter esse planejamento, até mesmo com contratações, quando se traz um jogador com histórico de lesões, por exemplo.”
A Portuguesa conseguiu o acesso com o título da Série A2 do Campeonato Paulista muito por conta dele: o homem de confiança do presidente, peça-chave na montagem do elenco campeão e na manutenção do time para a temporada — mais precisamente, como dito pelo próprio Toninho, “mantendo 70% do elenco que foi campeão da Série A2”.
Mas o que é necessário para uma boa montagem de elenco? Toninho acredita que conhecer o mercado seja ponto fundamental, ainda mais quando se tem limitações financeiras e a vontade ou não de determinados jogadores de jogar aquela divisão. Outro ponto crucial é estar atento a todas as divisões, pois potenciais jogadores podem estar disponíveis no mercado Brasil afora e serem possíveis alvos de contratação.
O TREINADOR
Outro profissional fundamental para o bom momento da Portuguesa é o treinador Sérgio Soares, 55 anos, contratado em novembro de 2021 sob o olhar duvidoso da torcida lusitana. O técnico respondeu à confiança da diretoria e desconfiança do torcedor levando a equipe ao acesso à elite paulista mais o título da série A2 2022, com direito a domínio de todas as estatísticas da competição: melhor ataque, com 29 gols marcados; defesa menos vazada, apenas oito gols sofridos, e líder de pontuação no campeonato somando fase de grupos e de mata-mata, com treze vitórias, sete empates e UMA derrota em 21 jogos.
Em entrevista ao canal Alegria nas Pernas, do aluno Pedro Hernandes, Sérgio Soares conta como fez para driblar as críticas do torcedor e calar aqueles que o cornetaram.
OS PRÓXIMOS PASSOS
O ano de 2022 da Portuguesa foi dividido em duas etapas: o primeiro semestre, com a disputa da série A2 do Paulistão, e o segundo, com a Copa Paulista, campeonato que garante a volta da Lusa a uma competição nacional em caso de título.
Entretanto, sem ter um calendário nacional a disputar, a rubro-verde está com o seu plantel de jogadores parado — ou seja, sem fazer jogos oficiais — há mais de dois meses, desde o dia 17 de abril, quando ocorreu a final do Paulista A2. E, para haver esta tão almejada reconstrução, é necessário conquistar novamente a Copa Paulista. Para isso, Sérgio Soares explica como manter e concentração até o início do campeonato para a equipe, que faz sua estreia mo dia 3 de julho, um domingo, às 16 horas, contra o Água Santa, no Canindé.
“Nós temos 45 dias para trabalhar: começamos a partir do dia 9 [de maio]. Vamos ter muita conversa com os atletas, pedir para que tenham o entendimento que a série A2 ficou na história, isso ninguém apaga, e que é importante ter a obsessão, buscar mais! Tudo o que fizemos foi importante, então por que não trabalhar para conseguir mais? A gente vai trabalhar com a mesma intensidade, ligado nesse período de preparação para que a gente tenha o nível elevado de concentração para essa competição. A Copa Paulista é o nosso Brasileirão e precisamos trabalhar com muita concentração porque nosso objetivo é chegar cada vez mais longe.”
Ainda sobre a Copa Paulista, Toninho Cecílio revela que a competição é como se fosse a Copa do Mundo da Portuguesa. Pensando em relação à volta ao Campeonato Brasileiro, revelou, também, uma extrema importância para a conquista dessa vaga.
“O calendário anual que virá através do Campeonato Brasileiro é muito importante para a sobrevivência de um clube. A Copa Paulista é a única ponta que temos no Brasileiro, ainda mais que é só o primeiro que passa, então tem que ser nossa Copa do Mundo mesmo! Conseguindo um calendário, tem-se mais receita, previsibilidade de patrocinadores e previsibilidade para contrato de atletas. É mais fácil trazer jogadores que jogam a Série A do Paulista para ficar um ano inteiro. Tem muitos atletas que querem jogar campeonatos importantes, então é difícil manter atletas no clube em divisões mais baixas.”
A VISÃO DO TORCEDOR
Torcer para a Portuguesa sempre foi sinônimo de esperança. Um clube com torcedores que acreditam até o fim, que vão à luta com a equipe, seja dentro ou fora dos gramados. Nos últimos dez anos, torcer para a Lusa não foi uma tarefa nada fácil: renúncias de presidentes ao cargo, endividamento na justiça, a falta de uma divisão nacional para disputar e diversas outras polêmicas envolvendo o clube do Canindé. Porém, com a gestão do mandatário Antônio Carlos Castanheira, uma luz no fim do túnel parece ter surgido para que o torcedor volte a acreditar que é possível existir uma Portuguesa com perspectivas maiores.
Luiz Nascimento, 29 anos, é jornalista da rádio CBN, documentarista do portal Acervo da Bola e, acima de tudo, torcedor fanático da Portuguesa. Luiz escreve sobre a Lusa há treze anos, sendo a maior parte deles em seu blog de opinião no Ge.globo. Nossa reportagem conversou com o jornalista para saber o que, na visão dele como torcedor, podemos esperar da Portuguesa daqui em diante.
Continuar no mesmo caminho é essencial para que a Portuguesa volte a ser o que um dia já foi. Agora, mais do que nunca, no bom momento, todas as atenções estão voltadas para a introdução da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) o quanto antes no clube, para uma perspectiva de um futuro melhor pela frente.
INTRODUÇÃO À SAF
Afinal, o que é a tão badalada SAF? Como este movimento virou febre e desejo de cartolas, dirigentes e, principalmente, dos torcedores brasileiros em tão pouco tempo? O que os clubes que buscam a adesão ao projeto visam?
Nossa equipe conseguiu coletar importantes depoimentos, inclusive do presidente Castanheira, sobre a Sociedade Anônima do Futebol. Com todas as palavras, ele declarou que se este projeto (SAF) não fosse aprovado, não teria interesse em prosseguir como presidente da instituição, pois não possui vaidade de cargo.
Pois bem, projeto aprovado e mãos à obra: o que é do direito do torcedor lusitano saber e sonhar com esta nova etapa do clube?
Na esperança de salvar financeiramente os clubes atolados em dívidas, a sigla SAF, Sociedade Anônima do Futebol, promulgada como lei em 6 de agosto de 2021, viabiliza que as equipes se tornem empresas no âmbito da gestão do futebol.
De lá para cá, é possível citar pelo menos três grandes exemplos de clubes brasileiros renomados que ingressaram nessa nova onda: Botafogo, Cruzeiro e Vasco — todos com dívidas altíssimas e buscando alternativas financeiras no mercado da bola para sobreviver. Mesmo que renomados, enxerga-se um consenso que para voltar às glórias e notoriedade passa-se pela SAF nos dias atuais.
Não foi diferente com a Lusa. Antes da entrevista ser realizada com o presidente, o projeto havia sido levantado e passaria ainda por uma série de votações internas para que fosse de fato aderido. Ao final da produção desta reportagem, foi divulgado que o projeto foi aprovado com mais de 85,5% dos votos, feitos pelo Conselho Deliberativo do clube. Seria esse o verdadeiro recomeço do tradicional clube paulista?
Essa resposta só poderá ser avaliada a longo prazo, pois, nesse momento, o clube aguarda ansiosamente a chegada de investidores que acreditem no projeto de reestruturação. Investidores esses que, em rápida entrevista concedida ao jornalista Ubiratan Leal, dos canais ESPN, o presidente Antônio Carlos Castanheira já levantou a possibilidade de possíveis três nomes fortes para contribuir financeiramente e que estão no radar do clube, com dois inclusive já envolvidos no meio do futebol.
Também em rápida conversa concedida para esta reportagem, o presidente demonstrou a felicidade em concluir o processo burocrático demandado pela SAF:
“Graças a Deus! Vamos em frente com força agora!”
TIME SINÔNIMO DE PAIXÃO
A torcida da Portuguesa nunca se contentou em estar presente apenas nas arquibancadas dos grandes ou, até mesmo, dos pequenos jogos: ela preferiu tornar-se uma família. Com amplo espaço no Canindé, por conta do clube social que ali existia, sempre aconteceram diversos eventos na Lusa, como festas típicas portuguesas e a tradicional festa junina.
No entanto, com uma estrutura que não passava por manutenção há alguns anos e que sofreu ainda mais por conta da pandemia, tais eventos e confraternizações deixaram de ser tão frequentes e atrativos.
Diante da situação financeira do clube, é válido pontuar também que o estádio do Canindé, depois de cinquenta anos de inauguração, passou por diversas atividades como forma de geração de renda. Dentre elas, um processo de possível tombamento histórico, tentativas de leilão, além de aluguéis para a realização de eventos fora do campo.
Segundo Castanheira, tais problemas estruturais podem ser resolvidos com o seu projeto para o multiuso da Arena, que já começou a ser implementado, e que o presidente espera concluir até o final de seu mandato.
“A fase um nós já começamos, que eu chamo de Lusa Show, onde a área das piscinas vai se transformar em uma área de eventos, festas e shows. A fase dois, ao lado direito, é outra herança que eu tenho para resolver — onde seria a feirinha da madrugada, que nunca aconteceu — para que a gente possa implementar quadras de futebol society e até fazer uma piscina menor.”
O presidente mostra-se muito apaixonado pelo clube e determinado a realizar a volta do time ao seu lugar de origem — seja ele nos campeonatos brasileiros e no futebol rubro-verde em si, seja na reconstrução de uma estrutura acolhedora para seus torcedores. Ainda segundo Castanheira:
“Esse clube é apaixonante, é querido demais. Tem uma torcida maravilhosa, uma comunidade maravilhosa, e não merecia estar passando por isso. Então, eu tenho fé que tudo isso que a Portuguesa passou vai virar em novos cem anos. É uma página que nós estamos plantando agora para projetar novos cem anos.”
A Portuguesa, então, mostra-se com grande potencial para retornar ao seu lugar primordial, como uma gigante do futebol nacional e paulista. Sua torcida, ou melhor, sua família portuguesa não abandonou o time nem diante das situações mais apertadas. Ao fim desta reportagem, se tem uma clareza ainda maior de que a Lusa terá ainda muitos outros centenários para comemorar, mesmo diante de dificuldades e de alegrias.
O treinador Sérgio Soares, em entrevista concedida ao canal Alegria nas Pernas, deixou uma mensagem de esperança para os torcedores rubro-verdes.