Estar formado aos vinte e poucos, encontrar um emprego estável, conhecer um parceiro, ser promovido, comprar um carro, se casar antes dos trinta, comprar a casa própria, ser promovido mais uma vez
Ter filhos antes dos trinta e cinco, garantir o sucesso profissional, viajar o mundo, colocar as crianças em uma boa escola, mandá-las para a faculdade, se aposentar com segurança e tranquilidade aos sessenta, aproveitar a velhice, morrer em paz.
Seja através dos conteúdos da cultura pop que consomem desde que são crianças, seja pelo exemplo dado por pais, avós, outros familiares ou até mesmo colegas, os jovens estão cada vez mais com a pressão para alcançar certos “marcos” da vida, como se casar, ter filhos e comprar uma casa, do que as gerações anteriores.
Dando nome ao problema
Uma pesquisa da caridade britânica “Relate” realizada em 2022 concluiu que 77% dos millenials (que têm entre 25 e 39 anos) e 83% da Geração Z (entre 16 e 24 anos) sofrem com a chamada “milestone anxiety”, termo originalmente utilizado para descrever a preocupação de pais com o “atraso” de crianças em relação a marcos de desenvolvimento e que, agora, representa a ansiedade dos jovens para alcançar momentos de vida tradicionais.
Em comparação, as gerações mais velhas descreveram menor preocupação em relação a esses marcos, com 70% dos baby boomers (55 a 74 anos) e 66% daqueles com mais de 75 anos respondendo terem se sentido pressionados quando jovens.
Apesar de estarem vivendo um contexto socioeconômico completamente diferente do vivido por seus pais ou avós e apresentarem uma mentalidade diferente em relação a questões como casamento, relacionamentos, moradia e trabalho, as gerações mais novas estão sofrendo cada vez mais com as pressões para conquistar certas coisas que, na sua idade, seus familiares mais velhos já haviam conquistado.
Para os millenials, a maior preocupação está em ter filhos, seguido de casamento, enquanto para a Geração Z se casar é uma das últimas prioridades. Entre as razões para não terem conquistado esses marcos, 1 em cada 8 entrevistados citaram a falta de confiança nas suas próprias capacidades e, na mesma proporção, questões de saúde mental como ansiedade e depressão. Questões financeiras também foram mencionadas.
Entre aqueles que se sentem pressionados, 39% disseram que essa cobrança vem deles mesmos, com 22% atribuindo a pressão à sociedade em geral e 21% aos seus pais. Mostrando como as redes sociais podem ser tóxicas e prejudiciais para a saúde mental dos jovens, 23% da Geração Z destacou esses espaços digitais como grande fonte de ansiedade relacionada aos marcos.
Novos parâmetros
Esse aumento da “milestone anxiety” aparece em um momento no qual os parâmetros de sucesso entre as gerações mais jovens estão mudando radicalmente em relação às anteriores, o que, unido a um contexto de recessão global, da crise resultante da pandemia e das mudanças de comportamento que estão sendo observadas na sociedade, criam um cenário pouco provável para o alcance dos marcos que, há alguns anos, eram considerados o padrão.
O mundo está mudando: jovens não veem mais necessidade em obter um diploma de quatro anos por um preço extremamente alto; nem de conseguir um emprego que pague muito bem enquanto abre mão das suas vidas pessoais, tempo de relaxamento ou flexibilidade.
Eles também priorizam o próprio bem-estar e o cultivo de amizades muito mais do que um relacionamento romântico tradicional, estão tendo filhos cada vez mais tarde (a idade média na qual mulheres têm o primeiro filho nos EUA passou de 21 em 1974 para 31 de acordo com o último censo do país), se casando mais velhos e morando com os pais até mais velhos (1/3 dos americanos entre 18 e 25 anos moram com parentes e os que vivem sozinhos gastam cerca de metade das suas rendas mensais em aluguel ou hipoteca).
Mesmo acreditando que a sociedade deveria dar mais valor a outros tipos de conquistas importantes, como sair de um relacionamento tóxico, decidir não ter filhos, escolher permanecer solteiro, se assumir parte da comunidade LGBTQIAP+ e conseguir pagar suas próprias contas, essas gerações, conforme chegam aos seus vinte anos, sentem o peso extremo dessas expectativas tradicionais, o que pode gerar um sentimento de inadequação, insuficiência e incompetência e sensação de estar ficando para trás, resultando até mesmo em transtornos psicológicos como ansiedade e depressão.
Para Ana Paula Orsini, psicóloga e profissional do Instituto de Psiquiatria Paulista, “a pouca bagagem emocional derivada da pouca idade e experiência acaba potencializando o desconforto”. Na sua percepção, isso faz com que os jovens estabeleçam um comportamento competitivo antes mesmo de saberem se, de fato, desejam o que estão buscando ou sentem que precisam alcançar.
Adriana Laport, psicóloga clínica e hospitalar, concorda que a ansiedade relacionada aos marcos de vida vem aumentando consideravelmente na geração mais jovem, mas ressalta que essa questão não é uma regra para todas as pessoas dessa faixa etária e depende muito da estrutura familiar, do acolhimento e da leitura que cada jovem tem do mundo ao seu redor.
“A verdade é que as pessoas fazem as coisas em pontos diferentes, nem sempre na mesma ordem e algumas seguem um caminho totalmente diferente. Isso é absolutamente válido e deve ser comemorado. É tudo uma questão de criar uma vida autêntica para você”. – Natasha Silverman, terapeuta da Relate.
Efeitos da pandemia
De acordo com Adriana, a queixa da falta de tempo tem se tornado muito comum na escuta clínica recentemente, especialmente após a pandemia. Com a sensação de que o tempo está passando rápido demais e o maior estresse pela quantidade de informações e compromissos, os jovens parecem não saber lidar com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo e, diante de expectativas e desesperanças, o tédio vem tomando um lugar de destaque.
Ela ressalta, ainda, a pressão da sociedade atual em que se vive no automático e que passa a sensação de que estamos sempre ficando para trás: os jovens querem buscar tudo, mesmo sem uma reflexão prévia sobre se o conteúdo ou as ações fazem sentido para eles. A busca por prazer imediato faz com que a maioria das pessoas acabe reproduzindo comportamentos sem se questionar sobre sua validez ou positividade – “como se a vida fosse uma receita de bolo”, completa.
O papel das redes sociais
A “milestone anxiety” não é um fenômeno isolado: a crise de saúde mental entre os mais jovens é um tema que tem sido cada vez mais discutido entre profissionais, especialmente após a pandemia. Apesar de, atualmente, quase todos estarem inseridos no ambiente digital, as gerações mais novas são as que passam mais tempo nas redes sociais e as que mais são afetadas negativamente por elas – além de representarem as primeiras a serem consideradas verdadeiras nativas digitais.
De acordo com uma pesquisa do McKinsey Health Institute, a Geração Z e os millenials são os mais prováveis de dizer que as redes sociais afetam sua saúde mental e, apesar de os pontos positivos dessas plataformas serem citados em níveis semelhantes entre todas as gerações, os negativos são muito mais expressados pelas duas mais jovens citadas anteriormente.
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Ferramentas para lidar com a ansiedade
Considerando esse cenário de crescente ansiedade entre os jovens, Adriana ressalta o papel fundamental do diálogo. Para ela, é essencial estimular esses jovens a sentir o que está acontecendo dentro do corpo deles quando têm ansiedade: “a ansiedade não é algo ruim, todos sentimos, mas vamos tentar nomeá-la para que possamos lidar com determinadas situações.”
Ela menciona também a prática da meditação, da yoga e de exercícios de relaxamento como ferramentas importantes para a consciência corporal e o exercício de estar presente. Por fim, recomenda que os jovens filtrem melhor o que andam vendo, sentindo e escutando, questionando se aquilo faz bem e se faz sentido para o momento atual da vida.
Quando pensamos na ansiedade gerada pela sensação de estar ficando para trás, as redes sociais são um fator importante, considerando que são fonte de conteúdos performáticos que, muitas vezes, fazem com que os jovens se comparem com outras pessoas – do seu círculo social, desconhecidos ou celebridades e figuras famosas – e tenham a impressão de que as suas vidas não alcançam a suposta perfeição da vida alheia.
“Acredito que as redes sociais potencialização a comparação”, diz Ana Paula, “uma vez que a mente recebe estímulos constantes de imagens de vidas sempre muito boas e momentos incríveis”. Segundo a profissional, isso faz com que muitos jovens criem enredos sobre o que dever ser realizado até determinada idade, tornando a vida protocolar e mecânica, permeada de sentimentos de inadequação.
Adriana acredita que as redes criam uma necessidade do consumo, mostrando que isso é atingir o sucesso. “Não acho que isso seja um problema exclusivo das mídias ou dessa nova tecnologia, mas precisamos ajudar os nossos jovens a filtrar e questionar os conteúdos”, ela diz.