Comerciantes anônimos - Revista Esquinas

Comerciantes anônimos

Por Ana Beatriz Gonçalves, Julia Roque, Marcella Lorente e Rafaela Bonilla : julho 27, 2018

Retratos de ambulantes no Centro paulista

Tão logo os primeiros raios de sol aparecem em São Paulo, barraquinhas com toldos de plástico de cores variadas vão surgindo pelas ruas do Centro. “Dois por cinco” e “Olá, patroa, não quer parar para dar uma olhada nos produtos novos que chegaram?” são frases constantes que ouvimos durante a caminhada. Uns carregam suas vendas nos ombros, penduradas nos braços e segurando firme com as mãos. Outros estendem os itens na calçada e ficam sentados observando e chamando os transeuntes.

Em meio à movimentada Rua 25 de Março, povoada por comerciantes de todos os tipos, conhecemos Luís Gonzaga, de 65 anos e deficiente. O pernambucano chegou em São Paulo aos 23 anos, em meados da década de 1970, e trabalha com comércio de rua desde então. Começou como camelô e, hoje, vende brinquedos e alguns artigos de escritório em sua barraquinha própria. Gonzaga paga uma taxa para a Prefeitura de São Paulo pelo seu ponto de vendas, localizado no final da Ladeira Porto Geral.

Luís Gozaga trabalha há vinte e dois anos vendendo brinquedos na Ladeira Porto Geral
Marcella Lorente

Andamos por mais algumas ruas do centro comercial até encontrar Isabel, que pediu para fazermos as perguntas enquanto ela vendia. Não queria perder algum cliente passando por ali. A comerciante veio do Mato Grosso depois de conhecer o marido, que também trabalha como camelô. Há três anos, vende roupas e conserto de celulares na 25 de Março. Embora muito bem-humorada, diz odiar a vida que segue, de camelô. A mulher sonha em sair das ruas e realiza um curso para ser cuidadora de idosos.

Isabel sonha em parar com o comércio ambulante para poder estudar
Marcella Lorente

Mais à frente, conversamos com Lauro, que, por sua vez, não se incomodou em parar o trabalho para nos dar algumas informações sobre o ofício. O homem, de 30 anos, veio do Maranhão para trabalhar como garçom e começou como camelô, trabalho que exerce há cinco anos na região. Colocou o sogro Edvaldo, de 47 anos, e o cunhado Silas, de 14, em seus negócios também para aumentar o lucro das vendas.

Família de camelôs introduz jovem ao comércio de rua
Julia Roque

Lauro conta que, semanalmente, civis são pagos pelos camelôs da região para avisar sobre os “rapa” da polícia, as vistorias da força policial no local. “Olha o rapa, olha o rapa”, dizem. Quando ela chega, as calçadas já estão livres e os comerciantes escaparam. Mas, mesmo com a negociação, os camelôs – também chamados de puxadores – continuam expostos aos perigos do trabalho, aos ossos do ofício. Lauro foi preso antes, entregue pelos civis pagos por ele.

O comerciante citou algumas mercadorias que vende: roupas, sapatos, óculos, bonés e, até mesmo, anabolizantes. De tudo um pouco. Tem dois filhos e esposa, que sustenta com as vendas no Brás. O homem diz trabalhar sob comissão e que não precisa de estudo, pois consegue viver muito bem com o que faz.

Partimos, então, para outro centro comercial movimentado de São Paulo: a Liberdade, o “bairro mais japonês da cidade”. Nenhum dos poucos camelôs que encontramos aceitou ser entrevistado. Não queriam ser fotografados por causa da constante preocupação em fugir dos policiais. A maioria deles fugia do estereótipo do local: poucos eram descendentes de orientais ou vendiam produtos relacionados às culturas japonesa, chinesa e coreana.

Apenas Ana aceitou a entrevista. A mulher de 63 anos vende suas peças costuradas à mão há 50 anos, desde que chegou da Bahia. Já trabalhou no centro comercial de Embu das Artes, a cerca de 30 quilômetros da capital. Depois de passar pelo teste da Prefeitura de São Paulo, conseguiu seu ponto para vender legalmente junto à Associação da Liberdade.

A última parada de nosso trajeto foi o centro comercial do Brás, também na região central paulista. O bairro desenvolveu-se como um centro operário, acolhendo imigrantes italianos e, mais tarde, migrantes nordestinos. Após a alta urbanização a que assistiu durante o século XX, centenas de casas foram desapropriadas para dar lugar às vendas locais. Hoje, é conhecido como um dos principais centros do comércio popular da cidade, destino diário de vários ambulantes e camelôs de todo o Brasil.

Solange guarda suas mercadorias temendo a aproximação da polícia
Marcella Lorente

Mesmo com o receio da polícia, que faz constante pressão e vigília sobre o trabalho dos camelôs, Solange Madalena, de 52 anos, foi mais uma que se abriu para responder nossas perguntas. A mulher vende roupas íntimas nas calçadas e estudou até a quarta série do primário, até completar a parte do ensino fundamental. Natural de Guaianases, Madalena vive das ruas há mais de 30 anos. O local, ao contrário da 25 de Março e da Liberdade, era um verdadeiro caos com a presença de camelôs totalmente desorganizados nas caçadas.

Ao nos despedirmos de Madalena, notamos a movimentação de outros camelôs mais à frente. Continuamos andando e assistimos a um dos comuns “rapas” da Polícia Militar (PM). Corremos atrás da confusão e vimos um dos camelôs entregando sua mercadoria aos policiais, que param o trânsito no meio da rua em frente à Praça Brás Gonçalves. Dois guardas seguraram o homem pelos braços enquanto um terceiro quebra toda a mercadoria, ainda no meio da rua. Após quebrar todos os produtos, o terceiro policial chutou o comerciante e atirou seu escudo contra a cabeça dele. Do outro lado da praça, havia outros comerciantes indignados, mas de certa forma acostumados, com a cena.

Outros camelôs orientaram que saíssemos do local. Diziam que os policiais pegariam nossas câmeras. Esperamos a PM levar o comerciante agredido até uma van próxima do local e observamos o desfecho da cena por mais tempo. Os vendedores de rua voltavam ao comércio, prestando atenção na vistoria. Com a aproximação dos policiais, deixamos a região do Brás e finalizamos nossa trilha repleta de tensão, seja pelo medo da PM, seja pela preocupação em relação às vendas, ao lado dos comerciantes de São Paulo.