Da 1h da manhã no Ceasa à xepa: a jornada do feirante em SP - Revista Esquinas

Da 1h da manhã no Ceasa à xepa: a jornada do feirante em SP

Por Lorena Simão, Lucas Souza e Victoria Acquaviva : outubro 31, 2023

Verduras e legumes distribuídos em barracas na feira. Foto: Julia Volk/Pexels

A presença das feiras nas cidades é de extrema importância devido a sua tradição e seu lado cultural. Mas como funciona as tarefas diárias dos feirantes em São Paulo?

Apuração

Por meio de mensagens pelo Whatsapp, conversamos com Rosane Hiagon (45), feirante que topou participar, ou melhor, topou ser a nossa guia nessa aventura. Sem exitar, ela concordou, porém mostrou preocupação com relação a rotina desgastante que viria pela frente.

Rosane: Vocês vão direto para a feira ou vão começar do Ceasa? Porque chegamos no Ceasa por volta da 00:30, lá compramos os peixes e seguimos para a feira.

Esquinas: Vamos nos dois, queremos acompanhar tudo.

Rosane: Tudo bem, mas acho que vão estranhar.

Não fazíamos ideia do que iria acontecer, mas seguimos.

05/09/2023 – 01:00 

Marcamos de nos encontrar no portão 13 do Ceasa, entrada principal para a venda de peixes. Um caminhão branco estaciona na proximidade e Rosane desce com as galochas prontas para o início do trabalho. Ela e seu marido, Josenildo (47), nos explicam o trajeto e reforçam: “Tomem cuidado com o fluxo de caminhões e carrinhos, é perigoso”. Era caminhão por todos os lados, alguns com frutos do mar, outros com verduras e frutas. Os carrinhos também não deixaram de nos “perseguir”, com homens carregando bandejas de um lado para o outro. O casal de guia confirma: “A feira começou”.

No caminho até a venda, começa a chuviscar. Por sorte, o local é um galpão bem fechado. Nossas roupas são completamente diferentes das dos vendedores e compradores que, em sua maioria, estão de galochas e aventais brancos. Os caminhões estacionam e começa a montagem. Com o objetivo de manter os produtos frescos e conservados, todo veículo estoca grandes quantidades de gelo que são colocados em caixas lotadas de peixes no decorrer da madrugada.

((Woo-Woo)), uma sirene começa a tocar. O ponteiro do relógio está no 1 e os vendedores estão liberados para montarem as suas vitrines. Antes do horário não é permitido, podendo até ser multado. A cada minuto pelo galpão, mais bandejas de peixes eram colocadas em nossa volta. Josenildo para em uma vitrine, olha, escolhe, cheira e compra um belo peixe fresco. Essa é a primeira compra do casal de feirantes nesta madrugada. O esquema funciona assim: os peixes ficam à mostra, as pessoas vão olhando e, quando tem interesse, os reservam. Além do toque e do cheiro, a visualização é uma parte importante durante a compra. O atum, por exemplo, é deixado com a carne à mostra e, quanto mais vermelha, melhor.

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Atuns colocados lado a lado, prontos para serem comprados.
Foto: Victoria Acquaviva/Revista Esquinas

05/09/2023 – 02:00

A enorme quantidade de gelo, que com o tempo vai derretendo, faz com que o chão fique alagado. No decorrer do trabalho, fomos sentindo a falta de um par de galochas. Outro fator que nos diferencia dos demais é a roupa. Todos os compradores e vendedores estão uniformizados. O Josenildo usa o uniforme da Peixaria Combate ou da Pesca Akira. Apesar disso, a vestimenta não impede ninguém de ser cliente. Qualquer um pode ser um potencial comprador. Pegue o nosso exemplo, três jovens jornalistas que receberam diversas ofertas.

No decorrer da madrugada, percebemos algumas diferenças nas cores dos carrinhos, Josenildo explica:

“São três tipos, o cinza são carregadores independentes contratados por um dia; o amarelo são vendedores exclusivos do Ceasa e que não podem sair do pavilhão do peixe; já os vermelhos são firmas (caso dele), que circulam livremente e possuem uma carteira de identificação.”

A chuva parou e fomos pegar os peixes reservados. Logo que voltamos ao galpão, ouvimos: “Esse é do tipo que se você for vender até eu compro”, palavras de Josenildo sobre um lindo cação posicionado em uma vitrine.

05/09/2023 – 03:00

E seguimos, carrinhos por todo lado, cuidado redobrado para não ser atropelado e o clima caótico em apogeu. Saímos do galpão em direção ao caminhão para descarregar e pegar as últimas bandejas. Josenildo que já está acostumado com o trajeto, leva todos os frutos do mar sem muito esforço. Nesse meio-tempo, a chuva retorna ao Ceasa, mas o trabalho continua.

05/09/2023 – 04:00

Agora, parada obrigatória em uma cafeteria, o pedido de sempre: duas garrafas de água com dois copos de café. Josenildo relembra a época em que chegava a beber uma garrafa de café por dia para aguentar a rotina desgastante. Estocado de cafeína, partiu feira. O trajeto demorou mais de uma hora, fomos da Zona Oeste até a Zona Norte.

05/09/2023 – 05:30

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Rua Cássio de Almeida, Zona Norte de São Paulo. Chegamos na feira, bora trabalhar.
Foto: Victoria Acquaviva/Revista Esquinas

Rua Cássio de Almeida é o local. A montagem começa e são 700 kg de peixe com 300 kg de gelo. Fomos apresentados ao resto da equipe, Reginaldo e Ana, ambos trabalham com Rosane e Nildo. A tenda é posicionada com as duas barras fixas de sustentação, os homens carregam placas de ferro para a montagem da vitrine. As outras barracas já estão prontas e o café da manhã começa a ser servido entre os feirantes. Têm café, pão, chá, uma refeição completa. Nildo e Rosane nos oferecem e nos sentimos parte da feira e de sua cultura.

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05/09/2023 – 07:30

As vendas começam. Reginaldo limpa e fileta os peixes, Ana fica responsável pela limpeza do camarão e da sardinha, Nildo atende os clientes e Rosane administra o caixa. A montagem é finalizada, todos os peixes estão à venda. A feira começa a tomar forma e notamos que, além das pessoas, cachorros começam a aparecer procurando por comida. Para atrair clientes, Nildo começa os elogios: “Opa, lindão” e “Bom dia, princesa”, são exemplos de seu repertório. A clientela é predominantemente estrangeira, já que a feira está localizada em um bairro boliviano no meio do Carandiru.

“Vai Corinthians”, grita um homem. O casal de feirantes diz que aquele é o Caju. Nildo brinca: “Esse é o maior são paulino do mundo”. Um clima leve na manhã de terça-feira.

“Eu nasci e cresci na feira, no ramo de galinhas e peixes, peguei gosto muito cedo, mas nunca trouxe minhas filhas justamente por isso”, diz Rosane sobre o início na feira.

“O que você quer, linda?”, pergunta Nildo a uma senhora. Ela responde que não quer nada, o feirante completa: “Iria te dar um pacotão de dinheiro”. A mulher se aproxima com a brincadeira e fica interessada pelo salmão. Mais uma venda realizada com o charme do vendedor. Conversando sobre o dia, Nildo confessa: “Hoje está fraco, mas isso estimula. Se todo dia fosse bom não teria graça”.

05/09/2023 – 13:30

A agitação está entre as barracas de pastel e caldo de cana por ser horário de almoço. As barracas começam a ser desmontadas e o cansaço aparece. A vitrine onde ficam os peixes já está vazia e os produtos estão guardados nas caixas térmicas. Os peixes chegam a durar 7 dias com essa conservação. O chão que no início se encontrava seco, após algumas horas, já está completamente molhado, com escamas e restos de peixe.

Pega o detergente e o cloro que chegou a hora de limpar. O processo demora e é recolhida a xepa. Após horas de trabalho, eles são levados a carregar todo o material para o conjunto (armazém). São duas divisões, a parte para os molhados, que contém todos os gelos, as caixas plásticas e o isopor dos peixes. Na parte seca ficam as ferragens, os balcões, as vitrines e as balanças de pesagem, já limpos e prontos para a próxima feira.

05/09/2023 – 15:00

Com tudo limpo e guardado, eles seguem de volta às suas casas, algumas vezes até às 18:00 em dias mais corridos. No início, Rosane nos avisou do desgaste que teríamos e tudo se confirmou. É extremamente cansativo. A trajetória pela cidade é complexa e atípica para qualquer um. O dia a dia dos feirantes acaba aqui e já, já começa de novo.

Editado por Ronaldo Saez

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