Elefantes brancos: o peso das obras paralisadas na paisagem paulistana - Revista Esquinas

Elefantes brancos: o peso das obras paralisadas na paisagem paulistana

Por André Raucci e Julia Vargas Ramires : outubro 20, 2025

O embargo de uma obra suspende os trabalhos até que a situação seja regularizada, podendo gerar multas e prejuízos aos responsáveis. Foto: ennelise/Pixabay

Edifícios embargados revelam as cicatrizes da cidade e mostram a urgência de políticas para evitar novos esqueletos urbanos

Chamados de “elefantes brancos”, os edifícios embargados são construções cujas obras foram interrompidas por questões legais, técnicas ou financeiras. Em vez de novos lares, escritórios ou espaços de lazer, permanecem inacabados, prejudicando a paisagem urbana e expondo desafios de segurança e de planejamento em São Paulo.

Um dos principais problemas, segundo o Prof. Me. Arq. e Urb. Alessandro Lopes, é o impacto sobre a vida urbana:

“Um prédio paralisado não é apenas concreto suspenso; é uma ferida na cidade. Interrompe a circulação, resfria o comércio e aumenta a sensação de insegurança. Diferente das ruínas históricas, esses esqueletos modernos são promessas interrompidas que abalam a confiança coletiva.”

As principais causas da paralisação de obras

Segundo engenheiros e urbanistas entrevistados, essas paralisações costumam ocorrer por uma combinação de impasses legais, falhas de planejamento e, muitas vezes, dificuldades financeiras dos incorporadores. Na cidade de São Paulo, esses problemas deixam dezenas de estruturas inacabadas espalhadas por diferentes bairros — algumas paradas há mais de uma década —, acumulando deterioração e riscos para o entorno.

O embargo de uma obra suspende os trabalhos até que a situação seja regularizada, podendo gerar multas e prejuízos aos responsáveis. Entre as principais causas estão a falta de alvará de construção, a execução em desacordo com o projeto aprovado, o descumprimento de normas técnicas ou ambientais e a ausência de um responsável técnico habilitado. Segundo o engenheiro José Manoel Ferreira, “regularizar uma obra embargada envolve duas frentes: legal e técnica. Na esfera legal, o proprietário precisa atender às exigências da prefeitura; na técnica, é preciso avaliar a estabilidade da estrutura e propor soluções antes de retomar os trabalhos.”

As consequências estruturais e técnicas dessas paralisações

Obras paradas há anos não permanecem apenas inativas. Com o tempo, essas estruturas sofrem deterioração natural, o que compromete a segurança e aumenta os custos de retomada.

O engenheiro civil Thiago Santim explica que “com o tempo, estruturas embargadas sofrem deterioração e não contam com a proteção necessária, permitindo infiltrações que podem causar recalques no solo e flexões em lajes, aumentando o risco de colapso. Para retomar uma obra paralisada por anos, é essencial realizar uma inspeção técnica, seguindo os padrões do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), do IBAPE (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia) ou até da Defesa Civil, para avaliar se a estrutura pode ser recuperada ou se será necessária a demolição parcial ou total.”

Prevenção e retomada das obras

A prevenção de novos “elefantes brancos” é um desafio que expõe falhas no setor da construção. Um estudo realizado pela Câmara de Inspeção Predial do IBAPE/SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo) revela um dado alarmante sobre edificações já concluídas: 66% dos acidentes estão ligados à má manutenção, perda de desempenho e deterioração. Se o cenário já é crítico em obras concluídas, os riscos durante a fase de execução são ainda maiores — e ajudam a explicar por que tantos projetos são interrompidos.

Para evitar que falhas se transformem em embargos, o engenheiro Santim enfatiza a importância de um controle rigoroso desde o início. “A principal causa dos problemas estruturais está associada ao estudo insuficiente — ou à ausência de estudo — das condições do solo”.. Ele também cita o subdimensionamento de armaduras (estruturas de concreto) como um erro comum, que pode ser evitado com a supervisão de responsáveis técnicos habilitados em todas as etapas e, posteriormente, com a manutenção periódica após a conclusão da obra.

Apesar de o processo de retomada de uma construção paralisada se desdobrar entre as frentes legais e técnicas, é a avaliação técnica que dita a viabilidade do projeto. O primeiro passo é a elaboração de um laudo de estabilidade, baseado em inspeções e ensaios, para diagnosticar a saúde da estrutura. Com base nesse relatório, define-se um plano de recuperação que pode incluir desde reforços estruturais até a recomposição do concreto, permitindo que a obra seja reiniciada com segurança.

As medidas de prevenção também podem envolver exigências financeiras e administrativas. Seguros de performance, garantias contratuais e comprovação de viabilidade econômica ajudam a reduzir a chance de abandono de obras por dificuldades financeiras. “Essas medidas transformam a responsabilidade privada em um compromisso público”, afirma o Lopes.

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Como o poder público atua em obras paralisadas

A atuação do poder público diante dos “elefantes brancos” se divide entre ações de fiscalização imediata e a implementação de políticas urbanas estratégicas para solucionar o problema a longo prazo. A ação mais direta ocorre por meio da fiscalização, que, ao identificar irregularidades graves — como a falta de alvarás, o descumprimento de normas ou falhas que comprometem a segurança — notifica o embargo da obra e aplica as multas cabíveis.

Para além da reação pontual, a gestão pública dispõe de instrumentos urbanísticos capazes de pressionar pela resolução de impasses. O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) oferece ferramentas como o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC) e o IPTU progressivo no tempo, que podem ser aplicados a imóveis paralisados para incentivar sua conclusão ou destinação adequada.

Esses mecanismos funcionam de maneira sequencial e coordenada. Primeiro, por meio do PEUC, a prefeitura notifica formalmente o proprietário, obrigando-o a apresentar um projeto para o imóvel ocioso. Caso essa determinação não seja cumprida no prazo, a gestão municipal passa a aplicar o IPTU progressivo: uma sanção financeira em que a alíquota do imposto aumenta anualmente, por cinco anos consecutivos, tornando a manutenção do “elefante branco” financeiramente insustentável e forçando o proprietário a agir. Se esse prazo de cinco anos for excedido, a prefeitura poderá decidir pela desapropriação do terreno.

Ainda segundo Lopes, a solução para o problema dos “elefantes brancos” passa por uma atuação estratégica da gestão pública, que deve equilibrar o incentivo ao crescimento imobiliário com o planejamento sustentável. Isso se daria condicionando novos empreendimentos a contrapartidas claras, como a exigência de estudos de impacto de vizinhança e a vinculação a planos diretores participativos. O desafio e a função do poder público é transformar esses projetos abandonados em oportunidades, seja por meio de parcerias público-privadas para requalificação em habitação social ou equipamentos comunitários. “O futuro de uma cidade não está no que ela começa a construir, mas no que ela se recusa a deixar inacabado”, finaliza Lopes.

Editado por Enzo Cipriano

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