Durante o mês de agosto, ESQUINAS publica relatos de idosos em isolamento. O depoimento de Grace Simonsen Redfern é a 10ª reportagem da série
Depois de um dia cheio, resolvi passar pela casa de minha avó que mora numa alegre e verde casa no Butantã junto com sua filha mais velha, Karen, e com os netos Victoria e Luís Fernando. Estava querendo matar as saudades. De máscara, é claro, e com as devidas precauções. Tomei cuidado para não sair do carro e conversar apenas pela janela.
Com 84 anos, Grace Simonsen Redfern é uma mulher bonita, de cabelos curtos e negros feito ébano e olhos verdes e penetrantes. Divide o mesmo nome com a cantora Grace Kelly e gosta de cantarolar pela casa ou com as visitas, que, antigamente, preenchiam os acontecimentos de uma semana inteira. Isso incluía almoços, churrascos e pizzas de aniversário.
Numa rápida visitinha pelo portão da casa, decidi perguntar-lhe de cara o que havia mudado em seu cotidiano. Eu li em algum lugar que o grupo de risco dos idosos era o que mais sofria psicologicamente com os efeitos da quarentena e, preocupada, quis averiguar um pouco a saúde mental de minha avó. Porém, acabei tendo uma surpresa: para ela, nada havia mudado. Por mais que a filha Karen tentasse, com humor, relembrar-lhe das idas ao cabeleireiro e ao Clube Harmonia, onde jogava bridge, ela manteve a mesma resposta. “Não sinto falta de nada. Tô achando ótimo, até, ficar quieta” diz.
Mas Grace se incomoda, sim, com a situação. Para ela, é extremamente desagradável não poder demonstrar afeto: abraçar os filhos, netos ou receber visitas das bisnetas que moram no interior de São Paulo são pequenas coisas que fazem um rombo no seu dia a dia, antes lotado de visitas. Ela até brinca quando dissemos a ela que não podemos mais comer ali, como sempre: “poder pode, né?”
Ela se mantém bem humorada até para a minha última pergunta. Afinal, será que ela tem medo do vírus? Minha avó é duplamente grupo de risco: além de idosa, sofre de asma e regularmente tem de assoprar uma bombinha, tarefa que odeia e que geralmente é exercida por Karen. Apesar dessa pequena inconveniência, ela afirma enfaticamente: “o vírus não me assusta”.