Depois de adotar lockdown, Fernando de Noronha zera casos de coronavírus. Mas a maioria de sua população vem sofrendo com o isolamento da ilha.
Envolto pelo oceano, o arquipélago que abriga a ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco, não imaginava avistar suas praias tão vazias. Há um limite de visitantes e taxas de preservação para resguardar a natureza, mas faixas de areia vazias? O cenário pode ter sido uma surpresa até para os animais marinhos, que não viam a região sem vida humana há muito tempo.
O motivo por trás de tudo isso foi o mesmo que deixou diversas paisagens vazias pelo mundo todo: a pandemia do novo coronavírus. Mesmo com apenas 3,3 mil habitantes, o arquipélago recebeu o vírus pelo aeroporto, junto de turistas e visitantes da reserva natural. Com apenas um pequeno hospital sem grandes estruturas, a medida tomada para a segurança dos moradores foi o lockdown. Ninguém entra ou sai.
O baque foi grande para a população, que vive do turismo. Edmilson Veloso, bugueiro de 61 anos nascido na ilha, conta que a vida mudou da noite para o dia. “Aqui está tudo parado, estamos vivendo de cestas básicas doadas, vale gás, auxílio emergencial. Para nós, que vivemos exclusivamente do turismo, está ruim. Carro parado e contas a pagar”, desabafa.
Para o dono da pousada Aratu, Ailton Junior Fernandes, de 41 anos, a situação não está diferente. O pequeno empreendedor recebia de 32 a 38 hóspedes por mês em sua estadia domiciliar. O número foi rebaixado a zero a partir do dia 20 de março, quando os primeiros casos da doença apareceram no local. “Zerou o movimento. Algumas reservas foram remarcadas para setembro ou outubro, só uns dois pediram reembolso, mas precisamos retomar as atividades o mais rápido possível”, diz.
Após 28 casos do novo coronavírus, a situação foi controlada em Noronha. Os doentes foram curados e os casos, zerados. As medidas foram rígidas para chegar a essa conquista, e uma precoce reabertura dos aeroportos pode ser perigosa. “Agora está melhor, mas foi muito difícil. Acredito que a ilha só deve voltar ao normal no ano que vem, mas mesmo assim bem diferente”, opina Edmilson.
O bugueiro ainda conta como foi viver o lockdown em um lugar considerado por muitos como um paraíso. Não foi nada cinematográfico. Os cuidados eram rigorosos, as pessoas precisavam preencher um formulário para fazer qualquer coisa fora de casa, desde ir ao supermercado até pescar. A autorização de locomoção, como era chamada, precisava conter horários de ida e volta, destino e dados pessoais para ser enviada e analisada pelos administradores de Noronha. A partir disso, o pedido podia ser aceito ou negado.
“Eu gosto de pescar. Então fiz o formulário e coloquei das 5h até as 9h todos os dias e fui liberado”, conta Edmilson. Mesmo assim, a pesca não era livre. A praia do Boldró era a única liberada para a prática de sustento, mas não era permitido utilizá-la para lazer. Além disso, os trajes de banho e os chinelos de praia ganhavam uma nova peça para o conjunto, as máscaras faciais. “Para sair tem que usar máscara. Para pescar, não. Podemos tirar quando chegamos na praia”, explica o bugueiro.
Para ele, os grandes diferenciais do sucesso do isolamento social da ilha são a fiscalização e o respeito pela obrigatoriedade. “Um dia estava indo pescar com um amigo e fomos abordados por policiais que pediram nossa autorização. Aqui é muito fácil fiscalizar, é só querer fazer”, diz.
Edmilson destaca, ainda, a importância de seguir o monitoramento mesmo após a cura dos casos. Já na fase “pós-lockdown”, o governo pernambucano enfrentará uma delicada atividade nos aeroportos, controlando a entrada de pessoas. Ele acredita que devem ser exigidos exames de todos que desejam entrar em Noronha. Não só dos visitantes, mas também de moradores que ficaram presos no continente devido ao rígido isolamento.
Este foi o caso de Fernandes, que, em razão do falecimento do pai, viajou para Recife, onde foi obrigado a permanecer por conta do fechamento do aeroporto de Fernando de Noronha. “Foi duro e difícil. Minha família todo está lá nesse momento e eu estou aqui na capital”, lamenta. A previsão de reabertura é apenas para 10 de junho.
Apesar de os casos da doença terem sido zerados, o receio de novos contágios permanece. Com a normalização do funcionamento do aeroporto, novas pessoas chegarão ao arquipélago, possibilitando o reaparecimento do vírus. A situação se agrava à medida que a ilha sofre com a ausência de estrutura médica suficiente. “As pessoas ficavam isoladas em casa. A equipe [médica] vinha visitar os pacientes e recolhia material, que era levado ao continente”, explica Edmilson sobre a dinâmica de atendimentos.
O bugueiro viveu isso de perto. Primeiro, com seu colega de futebol e, em seguida, com um vizinho. “Eu perguntei a eles qual a medicação que o governo dava. Remédios normais, um antifebril e outro para dor de cabeça. E boa alimentação”, conta. Ailton completa, dizendo que “todos se conhecem no local”, o que aumenta ainda mais a tensão e preocupação do momento.
No cenário incerto sobre a vida local e sem previsão para o retorno do turismo, a preocupação é enorme. Edmilson questiona a ajuda do Governo de Pernambuco, que só está se posicionando com a doação de cestas básicas. “Noronha tem uma arrecadação enorme e Pernambuco deveria dar uma ajuda a mais, pois nos proibiu de trabalhar”, critica. Contatada por ESQUINAS, a administração do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha não quis se pronunciar sobre o assunto.
Em meio à crise atual, o vínculo entre a ilha e seus moradores é uma das ferramentas que ajuda a população a passar por esse momento. “Como saímos cedo para pescar, no escuro, vemos o sol nascer, a cor do mar e o vento soprar em nossos rostos. Eu sinto a presença do criador. Aqui é meu lugar”, afirma o bugueiro, ressaltando a importância da conexão com a natureza para a saúde mental.