A lei visa incentivar o aumento da leitura no país através de modificações nos preços, mas como isso afeta os autores e como seguir?
Popularmente conhecida como “Lei Cortez”, o PLS 49/2015 é uma lei que pretende regular o comércio de livros no Brasil, a fim de proteger livrarias, editoras e fomentar a bibliodiversidade. Dessa forma, a lei tem como objetivo proteger o mercado de livros no país, impedir que as grandes redes usem descontos super expressivos como forma de eliminar a concorrência, além de garantir o acesso do público a uma ampla variedade de livros.
O projeto de lei foi apresentado em 2015 pela senadora Fátima Bezerra, do PT do Rio Grande do Norte, mas se manteve parado por alguns anos, sendo arquivado no final da legislatura de 2022. Porém, em maio de 2023, o projeto foi desarquivado, por meio de um requerimento feito pela senadora Teresa Leitão, do PT de Pernambuco, a pedido de entidades do mercado do livro. Em outubro de 2024, o projeto foi finalmente aprovado em turno suplementar na Comissão de Educação e Cultura do Senado.
O nome da lei é uma homenagem a José Xavier Cortez, figura importante no meio editorial brasileiro, fundador da Editora Cortez e reconhecido pelo seu compromisso com o livro, as livrarias e a cultura. Esse projeto é inspirado na Lei Lang, em vigor na França desde 1981.
Como funciona a Lei?
De acordo com o projeto proposto, o preço de capa, que é determinado pela editora, deve ser seguido pelas varejistas no primeiro ano de venda do livro, oferecendo, no máximo, 10% de desconto. Após esse período, os descontos ficam livres. Livros didáticos, colecionáveis e importados, por exemplo, não fazem parte dessa regra.
Com isso, a ideia é evitar a prática de descontos agressivos que prejudiquem livrarias e editoras menores, principalmente graças à competição desleal de varejistas e plataformas online. Também pretende fomentar a diversidade de obras oferecidas, garantindo que não apenas os livros mais “comerciais” tenham alta demanda e dominem o mercado.
Estado atual da Lei Cortez.
Antes de ser aprovada pela Comissão de Educação e Cultura em outubro de 2024, a lei já havia obtido aprovação de um substitutivo na Comissão de Educação, incorporando algumas emendas, também no mesmo mês. Após a aprovação já conquistada, o próximo passo é que a lei vá para a Câmara dos Deputados para análise, ou seja, ainda não está oficialmente sancionada e ainda não entrou em vigor. A Efetivação da lei só ocorrerá após todo processo legislativo e sua promulgação, mas, atualmente encontra-se num estágio relativamente avançado de tramitação.
No entanto, sua efetivação levará tempo, pois ainda que aprovada no Senado, a tramitação na Câmara pode demorar, além da possibilidade de haver modificações e emendas, e da necessidade da sanção presidencial.
Além disso, no caso de aprovação completa e início da aplicação da lei, a questão regulamentação será uma parte essencial a ser resolvida, em razão de conferir quem fará a fiscalização, como será medido o “lançamento”, qual a definição de desconto e como lidar com todos os variados tipos de venda – além de possíveis punições para quem descumprir a lei.
Ainda há também a questão da aceitação comercial, que já é debatida pelos variados veículos, editoras e empresas do meio. Grandes empresas do ramo podem tentar pressionar o Congresso para flexibilizar a lei, buscando brechas ou mudanças, e os consumidores poderão mostrar resistência a preços elevados no lançamento.
Na aprovação: qual seria o futuro das livrarias e escritores nacionais?
Se aprovada, a Lei Cortez pode fortalecer as livrarias físicas, especialmente as pequenas e médias, ao limitar descontos agressivos nos lançamentos e dar mais estabilidade para planejamento e diversidade editorial. Isso tende a favorecer a bibliodiversidade e a sobrevivência de livrarias de rua. Por outro lado, pode encarecer os lançamentos no curto prazo, levar grandes varejistas a buscar brechas (como frete grátis), exigir fiscalização rigorosa e pressionar editoras pequenas, que podem repassar custos aos preços de capa.
Agora, quando pensamos em uma linha de raciocínio crítica ao PLS, encontramos certas lacunas que devem ser questionadas. Em uma tentativa de se justificar, a lei pode acabar utilizando o termo de “valorização” como uma fachada, pois percebe-se uma relevância muito maior para as editoras do que para os escritores. É o que diz a escritora independente Lihra, de São Paulo: “Eu acho que ela fortalece mais as editoras do que os escritores em si. Porque, por exemplo, se um livro tá sendo vendido por 50 reais, não é esse o valor que o escritor recebe. O escritor muitas vezes recebe menos da metade disso”. Lihra aponta que os espaços imagéticos de livrarias acabaram se tornando algo quase “performático”: “É comum que o consumidor vá à livraria, tira foto do livro e compra pela Amazon, assim usando a livraria como vitrine e o livro como um acessório visual”.
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Qual seria o caminho ideal e por onde começar?
Não existe dúvida quando se fala sobre o império monetário de empresas como Amazon e Mercado Livre – suas táticas agressivas, alcances midiáticos e suas práticas de promoção são motivo de atenção e de debate para a proteção de editoras e escritores nacionais.
Porém, como declara Lihra, a Lei Cortez pode acabar sendo um “tiro no pé”, e que provavelmente não irá estimular uma maior diversidade de autores e obras no mercado: “Infelizmente não. Estamos vivendo em um momento em que o custo de vida é muito alto. E eu não vejo a possibilidade disso trazer realmente uma melhora pro mercado”.
O ponto é, empresas multibilionárias continuarão com seus monopólios sobre o mercado, forçando justamente o mercado interno se ajustar à nova medida: Pensando agora em livrarias pequenas mesmo, vamos dizer assim, do meu tio que abriu uma livraria na rua, para ele conseguir vender por aquele preço, ele também vai precisar comprar.”
Então qual caminho seguir? A busca por um equilíbrio ideal é complexa, especialmente pelo fato de que nossa sociedade está inserida em uma lógica de consumo, onde, empresas (livrarias e editoras) visam sempre o lucro.
Quando questionada, a escritora Lihra traz a seguinte perspectiva: “Eu pensaria que o equilíbrio está justamente em enxergar a literatura como a arte, em que o lucro ele é uma consequência e não o principal objetivo”. Nessa composição, tiramos o livro de um simples produto que muitas vezes é relacionado a um artigo de “estética”, e passamos a tratá-los como peças sem valor mercadológico, dando valor pela sua filantropia na capacidade de quebrar barreiras e transformar mundos.
Contudo, como a própria entrevistada relata, não se sabe se é de fato possível atingir tal equilíbrio, e que talvez tal proposta seja “meio ilusória”, porém, o fato é, a Lei Cortez tem sua proposta a primeira mão interessante, todavia, não demora muito para perceber sua estrutura argumentativa frágil, podendo dificultar a vida daqueles que já são menosprezados em um mundo de táticas mercadológicas.