Famosa pelo comércio barato, a Rua 25 de Março representa a miscigenação e a diversidade brasileira em sua esquina mais famosa
Primeiro de janeiro de 1850. Fortes tempestades e barulhentas trovoadas surgem pela capital de São Paulo. Noite adentro, a chuva não para e as casas começam a desabar. O nível das margens dos rios Anhangabaú e Tamanduateí sobe e os resquícios das casas de taipa são arrastados. É assim que começa a história da rua mais abarrotada de São Paulo, a atual 25 de Março.
Já recebeu várias alcunhas diferentes, como “Várzea do Glicério” e “Rua dos Turcos”. Hoje, homenageia a data em que a primeira Constituição brasileira foi outorgada pelo Imperador Dom Pedro I em 1824. Localiza-se no Centro da cidade, próxima a pontos turísticos paulistas, entre eles o Pátio do Colégio, o Mercado Municipal de São Paulo e Largo São Bento.
As curvas do Tamanduateí abrigavam um porto onde desembarcavam mercadorias vindas de Santos e outras regiões litorâneas. Isso deu origem ao que hoje ficou conhecido por “o maior shopping a céu aberto da América Latina”, o local de compras mais famoso de São Paulo. A área se desenvolveu economicamente por meio do comércio local. Após o desastre de 1850, nasceu ali a Ladeira Porto Geral – que forma uma das esquinas mais importantes da 25.
A enchente do século XIX causou sérios danos à região do Centro. Como solução para o problema hídrico que afetou a área, a Prefeitura de São Paulo retificou o Rio Tamanduateí, dando origem à Rua de Baixo. A cidade estava dividida em duas partes: a atual região Rua Florêncio de Abreu, conhecida por “rua das ferramentas”, e a várzea do córrego. A primeira era uma zona comercial e, por isso, se tornou querida para os imigrantes se instalarem ali. Mais uma vez surpreendidos e prejudicados pelo potente temporal, os imigrantes árabes perderam grande parte de suas mercadorias. Evitando prejuízos maiores, eles abaixaram o preço do pouco que havia restado, tornando o lugar uma referência para compradores que buscavam mercadorias a custos baixos.
A partir de então, houve um amadurecimento daquela zona comercial. Por volta de 1901, já existiam cerca de 500 pequenas lojas de acordo com a pesquisa “Desenvolvimento da regionalidade na área da Rua 25 de Março” de Lineu Francisco de Oliveira. Entre porcelanas orientais e rendas europeias, a região ficou famosa pela diversidade de produtos que oferecia aos seus clientes. Mais tarde, seria a vez dos artigos brasileiros dominarem as calçadas da 25 de Março. A indústria brasileira se consolidou após a Revolução de 1930 e os produtos nacionais começaram a fazer sucesso entre vendedores e compradores.
A esquina que concentra o menor preço de São Paulo por metro quadrado recebe cada vez mais gente, ficando atulhada qualquer seja o dia da semana. A segurança das 400 mil pessoas que por ali passam diariamente, como contam os policiais Tavares e Figueiredo, é baseada em turnos. Eles dizem que nenhum oficial ali é fixo. O que ocorre, na verdade, é um “bico legalizado pela Polícia Militar”, fazendo com que a rotatividade seja grande. Porém, os PMs afirmam que o policiamento é pouco se comparado à quantidade de pessoas que passam naquelas ruas. Principalmente aos finais de semana e feriados, quando o fluxo de pessoas aumenta.
Os policiais declaram que a criminalidade é muito presente na rotina da esquina da 25 de Março com a Ladeira Porto Geral. Entre golpes de falsos mercadores e os famosos “trombadinhas”, como eles chamam, a esquina segue seu fluxo caótico. Longe de ser apenas alvo de crimes desse tipo, o cruzamento também carrega casos de racismo. O ambulante Lucas Lopes relata que já sofreu muito preconceito ali, enquanto seu colega de trabalho, Wesley Henrique, fala que já foi chamado de “macaco” ao oferecer um panfleto a uma senhora que, grosseiramente, pedia para não a tocar. Estranho – e triste – pensar que isso ocorre ainda hoje e, principalmente, no cruzamento entre a 25 de Março e a Porto Geral. Em meio ao caos e à multidão, o lugar é um reflexo da miscigenação.
A ordem e a organização peculiar do lugar dão o tom ao que acontece ali: pessoas do mundo inteiro ganham a vida e compram seus objetos. É como se a esquina fosse uma metonímia do Brasil, apenas uma representação do País. A 25 é o micro e a nação, o macro. A diversidade social reina lado a lado ao preconceito. Pouco a pouco, a esquina foi ganhando a cara do brasileiro e o brasileiro, a cara dela.
Confira uma poesia de Rezkalla Tuma, advogado de 90 anos, que escreveu em 1999 sobre aquele lugar que fez parte de sua vida.
UMA RUA
Na paulicéia nasci
Às margens do Tamanduateí cresci
Muitos foram os meus nomes
“Várzea do Glicério”, serpenteando como
Cobra, me tornei “Das Sete Voltas”,
Nos baixos do Pátio do Colégio e do
Mosteiro de São Bento, fui “De Baixo”
Até “Dos Turcos” fui chamada.
Jovem e junto de meus moradores
Árabes de todas as partes
E seus amigos, adulta me tornei
Ordem e progresso, organização,
Leis, disciplina, na “Constituição”.
De 1824, 25 de março, foi
Meu nome definitivo, em sua
Homenagem
Traço de união de todo Brasil,
Pois foi com orgulho que famosa
Me torneio.
Hoje sou uma Rua laureada,
“O Maior Shopping a Céu Aberto
Da América Latina”.
Me consagrei, abri meu coração
E ao lado de sírios e libaneses, vieram
Palestinos, portugueses, coreanos, armênios,
Chineses e muitos mais, me engrandeceram e
Como gratidão, definitivamente
Paulistana me tornei.