Os desafios enfrentados por mulheres e mães que conciliam a vida materna com a vida profissional, criando sozinhas seus filhos
“Mãe é mãe”
Mãe solo {loc. subst.}
– Mãe que assume de forma exclusiva todas as responsabilidades pela criação do filho, tanto financeiras quanto afetivas, em uma família monoparental. [A denominação mãe solo indica uma forma de parentalidade, desvinculada do estado civil.]
O cotidiano das mães solo, ou seja, aquelas que exercem a função de mãe e pai simultaneamente, é marcado pelo desafio de criar seus filhos sozinhas e pela missão de sustentar financeiramente suas famílias, sem a ajuda de terceiros.
Segundo o IBGE o número de mães solo no Brasil passou de 10,5 milhões para 11,6 milhões, entre 2005 e 2015, mostrando um aumento considerável nos casos de abandono das figuras paternas na vida de seus filhos, deixando toda a responsabilidade de criação e cuidado para a figura materna. O fato de 5,5 milhões de crianças não terem o nome do pai na certidão de nascimento exemplifica bem o cenário mencionado.
“O pai dela sugeriu que eu tomasse um remédio e eu fiquei triste porque sou uma mulher independente, sempre tive o sonho de ser mãe, não precisava do pai para criar ela. Fiz o enxoval sozinha, tive que encarar a realidade e acabar com as ilusões. Tenho muito orgulho de quem eu sou e da criação que dei para a minha filha”, conta Cleide Carvalho, mãe de Ester Oliveira, de 9 anos.
A jornada das mães solo é desgastante e interminável, do nascer ao pôr do sol, uma vez que cuidar de um filho envolve diversos aspectos, como educar, amar e proteger, além da preocupação em colocar comida na mesa e conciliar com o trabalho a vida materna com a vida profissional. “No início foi bem difícil, porque eu não conseguia nem trabalhar, ficava ansiosa e pensando se estava tudo bem com ele, se ele tinha comido, se estava com boas amizades. O Raimundo ficava sozinho em casa desde os 7 anos. Tinha que me dividir entre o trabalho e entre ter momentos com ele, para não ficar tão ausente”, relata Valdênia Gonçalves, de 41 anos, que cuidou sozinha do seu filho Raimundo Nonato, atualmente com 22 anos.
As mães solo precisam se reinventar a cada dia, para que assim consigam enfrentar por conta própria o desafios de trabalhar e de manter o sustento da família. Esse processo é normalmente marcado por inseguranças, “com 15 dias de resguardo precisei retomar as minhas vendas. Às vezes eu levava ela pra trabalhar comigo, mas tive que contratar uma babá para eu poder trabalhar. Passei por umas dez babás. Eu ficava chorando quando deixava ela, mas eu precisava passar por aquilo, porque a Ester dependia de mim e ainda hoje depende”, conta Cleide.
O apoio familiar é essencial para que as mães solo consigam dar conta de todas as suas tarefas. “Nossos domingos eram na casa da minha avó, que era quem dava apoio à Ester. Hoje minha filha é escritora. Ela escreveu a história ‘A casa da vovó Teté: Os domingos na casa dela’. Já passei para um ilustrador e já foi revisado pela editora, estou esperando o melhor momento para publicar. A vovó faleceu ano passado”, completa Cleide.
Contudo, muitas mulheres não possuem uma rede de apoio e acabam se desdobrando para cuidar das demandas do filho, fazer os serviços domésticos, se locomover até o trabalho e enfrentar um expediente longo até o fim do dia. “Acordava quatro horas da manhã para fazer comida para mim e para ele. Saia para o serviço muito cedo, então os vizinhos levavam ele para a escola e ficavam de olho caso acontecesse alguma coisa, mas o cuidado não é o mesmo. Muita gente falava que era para eu desistir, já me denunciaram pro conselho tutelar. Minha mãe, às vezes, me ajudava”, conta Valdênia.
Apesar dos incentivos legislativos que podem beneficiar as mães solo, como o regime de tempo especial na jornada de trabalho e a proibição de redução do salário-hora, grande parte dessas mulheres ainda sofre profissionalmente. “Já perdi um emprego porque a empresa falou que eu faltava muito e que eles precisavam de pessoas mais presentes no serviço, mas eu não podia deixar meu filho sozinho. Às vezes ele adoecia e era caso de urgência, isso demanda tempo, não tinha como não faltar”, explica Valdênia.
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Mães solo e a pandemia
O período da pandemia foi um desafio a mais na vida das mães solo, já que muitas delas tiveram suas fontes de renda comprometidas. “Durante a pandemia, o conselho tutelar e os assistentes sociais que me acompanhavam me ajudaram muito. Eu tive essa ajuda graças aos órgãos que fiscalizam mulheres que sofriam violência doméstica, e eu sofri do pai do meu filho. Recebi cestas básicas e um auxílio do governo, mas era um valor bem baixo”, relata Valdênia.
“Minha renda diminuiu e eu passei a trabalhar durante a noite, enquanto ela dormia. Vendia jóias pelo meu celular, comunicava meus clientes nos grupos e agendávamos as entregas. Também tinha um comércio de cereais com meus irmãos e conseguia dividir o trabalho. Como sou autônoma, eu conseguia fazer meus horários, então dava para estudar com ela, aprendíamos juntas e fazíamos as atividades. Também fiquei por dentro da alimentação dela. Antes eu era só trabalho, hoje não tenho mais essa ambição”, completa Cleide sobre sua experiência durante a pandemia.
Datas comemorativas e a insegurança
A ausência da figura paterna faz com que as mães se reinventem em datas comemorativas importantes. “O primeiro dia dos pais na escola foi complicado. Falei com meu irmão, que tem muita afinidade com a minha filha e ele foi; ela ficou muito feliz. Agora que ela já tem 9 anos me sinto mais segura para ir e vejo que lá também tem outras mulheres como eu, que são mãe e pai. Hoje eu tenho também a missão de passar segurança para ela, embora eu sinta também a necessidade da criança ter um pai. A Ester fica muito feliz quando recebe um ‘eu te amo’ do pai dela, mesmo sendo por mensagem”, encerra Cleide.
“Muitas vezes eu pensei se estava fazendo a coisa certa, mas meu esforço valeu a pena. É difícil exercer os dois papéis. Hoje ele se tornou uma pessoa do bem, de responsabilidade e acredito que ele tenha orgulho de mim também. Passei os meus valores para ele”, finaliza Valdênia.