Por que programa 'Ruas Abertas' não funcionou nos últimos dois domingos na Paulista? - Revista Esquinas

Por que programa ‘Ruas Abertas’ não funcionou nos últimos dois domingos na Paulista?

Por Francisco Prates, Lucas Cancian, Lucas Massei, Gabriela Tortora e Guilherme Hiroki : junho 21, 2024

Avenida Paulista durante um domingo sem o Programa Ruas Abertas. Foto: Francisco Prates/ESQUINAS

De ciclistas e artistas de rua para a buzina de carros, há dois domingos o Programa Ruas Abertas tem sido suspenso pela prefeitura de São Paulo

Aos domingos e feriados, a Avenida Paulista habitualmente se transforma em um verdadeiro refúgio urbano. Livre do trânsito incessante que domina seus dias úteis, a avenida se abre para uma multidão diversificada: famílias passeando, ciclistas pedalando, skatistas exibindo suas manobras, músicos e artistas de rua animando o cenário com suas performances.

Essa iniciativa, que fecha uma das principais vias de São Paulo para veículos e a destina exclusivamente para pedestres, proporciona uma experiência única de lazer e convivência. A cada semana, milhares de pessoas se reúnem para desfrutar da cultura, do esporte e da vida comunitária em um dos endereços mais icônicos da cidade. Porém, nos últimos dois domingos (9 e 16 de junho), a continuidade do projeto tem sido questionada ao ser suspensa para surpresa de muitos.

A justificativa dada pela prefeitura de São Paulo no dia 9 foi em relação a uma manifestação contrária às ações do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Presidente Lula (PT), ocorrida em frente ao MASP, que ocupou as duas vias da avenida.

Esse fechamento se repetiu no dia 16, desta vez por conta do evento “Ladeira abaixo”, da empresa de energéticos Red Bull, que ocorreu na Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Mais uma vez sem acesso aos Ruas Abertas, a frustração dos visitantes tornou-se um questionamento em relação ao futuro do projeto. Nas redes sociais, o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, idealizador do projeto inicial, passou a questionar a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB):

“Está muito esquisita a relação da gestão Ricardo Nunes com a Paulista Aberta”, postou Nabil no Instagram, “Tem todo sentido a Paulista ficar aberta. Prefeito Ricardo Nunes, abra a Paulista todo domingo como está na lei!”

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Evento “Ladeira Abaixo” ocorrido na Avenida Brigadeiro Luís Antônio no dia 16 de junho.
Foto: Francisco Prates/ESQUINAS

A vereadora Luna Zarattini (PT) também falou em desmonte:

“Pelo segundo final de semana seguido, a Avenida Paulista, que costumava ficar aberta aos pedestres nos domingos, está aberta para carros no dia de hoje. Um programa importante, que transformava a querida Paulista em um espaço de lazer, de esporte, de cultura aos domingos está sendo desmontado pelo Prefeito Ricardo Nunes. Ele alega que a mudança ocorreu por conta de um evento privado. É um absurdo que essa seja a justificativa para tirar da população um direito conquistado, o direito de ocupar a cidade e circular livremente pela Paulista aos domingos”, postou Luna em seu Instagram.

Conquista da sociedade paulista 

Em 2014, surgiram diversas mobilizações defendendo a abertura de ruas e avenidas, e um desses espaços era a Avenida Paulista: centro econômico, cultural e simbólico da cidade de São Paulo. O então prefeito, Fernando Haddad (PT), cuja gestão tratou das questões de mobilidade urbana e ocupação de espaços públicos, começou a aventar a possibilidade de abertura da avenida para os pedestres paulistanos no ano seguinte. Essa medida, somada à abertura das ciclofaixas na Paulista, representaria um esforço combinado de promover o uso destes locais de uma forma mais prazerosa e democrática.

A abertura de novos centros culturais na avenida como a Japan House, o Instituto Moreira Salles (2017) e o Sesc Avenida Paulista (2018) representava a demanda popular por ambientes públicos de lazer, dada a dominação de shopping centers, clubes e condomínios na capital paulista. Foi na Avenida Paulista, então, onde estas exigências encontraram seu lugar, por conta de seu caráter simbólico e central dentro da cidade, já conhecida pela população como espaço a ser apropriado para manifestações.

No final de 2015 o Programa Ruas Abertas na Paulista foi aprovado. A partir de então, todo domingo a via ficaria fechada para o trânsito de automóveis das 10 às 18 horas, sendo reduzido nos anos seguintes para das 9 às 16h. Ainda que o projeto tenha encarado oposição inicial de alguns setores políticos e da sociedade civil, por conta de limitar a movimentação de veículos, sua continuidade de 9noveanos prova a popularidade da medida, sendo interrompida somente durante os anos de 2020 e 2021, dado a pandemia de Covid-19.

O fechamento consecutivo por duas datas tem preocupado quem defende a manutenção dessa importante área de lazer, numa cidade escassa de atrações livres e gratuitas. Muitas críticas giravam em torno da falta de comunicação do fechamento da avenida. Cristiano Diniz, empresário que mora na região, alega ter visto placas anunciando um desvio de rotas da Brigadeiro Luís Antônio por conta do evento “Ladeira Abaixo”, um dos poucos a saber previamente que a avenida não abriria aos pedestres. Cristiano observou uma falta de divulgação do desvio na extensão da Paulista, concentrando-se mais por onde ele morava.

A exemplo, uma mãe e seu filho, que preferiram não se identificar, relataram a decepção ao encontrarem as ruas da paulista cheias de carros, uma vez que buscavam aproveitar os espaços maiores. A família, com skate em mão, teve que se limitar às calçadas superlotadas.

Thalita Ferreira, vendedora de bebidas em carrinho, estava posicionada em uma pequena faixa de rua em frente ao MASP que havia sido aberta devido à Marcha da Maconha, que também ocorreu no dia 16.

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A Marcha da Maconha também aconteceu no dia 16 de junho.
Foto: Francisco Prates/ESQUINAS

Thalita comenta as dificuldades enfrentadas pelos vendedores ambulantes, que dependem dos espaços das ruas  nestes dois últimos domingos, que dependem dos espaços das ruas para vender seus produtos. O espaço menor de rua também concentrava os comerciantes, dificultando o acesso ao público e aumentando a concorrência entre os ambulantes.

Além do espaço, o trecho em frente ao MASP abriu apenas às 14h00, diminuindo o tempo de Thalita, que estava acostumada a começar suas vendas às 12h00.

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Em contraposição, Limay Mosqueira, que vende incensos nas calçadas há oito anos, não reportou uma piora em suas vendas, muito pelo contrário, o maior número de pessoas nas calçadas significava maior movimento para Limay.

Jonathan de Jesus Oliveira, conhecido como o “Porquinho da Paulista” (@joow.j) faz suas apresentações na calçada, mas relata que para os artistas de rua o não fechamento da avenida é problemático: “Tem gente que faz dança mas não pode se apresentar ou gravar, especialmente se traz caixas de som maiores.”


Jonathan conta que já estava ciente do fechamento da avenida, pois acompanha a página Na Paulista (@napaulista), porém diz que muitos outros artistas foram surpreendidos.

O projeto Ruas Abertas, que venceu uma resistência inicial, encontra novos questionamentos em meio à aparente calmaria. Contudo, os pedestres já demonstram o hábito de ocupar a avenida, para a maioria não havia a preocupação se a Paulista estaria ou não aberta ao público, que foi lotada da mesma forma.

Editado por Mariana Ribeiro

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